Que autoridade moral tem alguém malhado desde
a infância na bigorna de Exatas para dar palpite na área de sociologia?
Nenhuma, claro, mas como tenho um blog para alimentar, resolvi me meter nessa
concorrente da Sadia e da Perdigão (seara, entendeu?). Pois é...
Essa vontade começou a provocar comichões na
minha mente quando fui comprar docinhos de festa em um bairro de BH que faz
divisa com a “Pedreira Prado Lopes”. Para chegar até essa loja (super
profissional e bem montada), errei o trajeto e fui obrigado a passar por ruas
onde a miséria mais chocante é como que jogada na sua cara, tão surpreendente é
a imagem de pessoas que utilizam nichos do paredão de pedra para guardar seus
pertences.
Talvez meu julgamento esteja errado, mas a
necessidade de circular por ruas que margeiam essa comunidade, a visão de becos
e vielas que escalam a topografia íngreme do lugar me fizeram pensar que essa
região é a expressão máxima da miséria que uma cidade pode conter, tão grande é
o número de pessoas perambulando pelo meio das ruas sem objetivo aparente ou sentadas no chão, em grupos de até 20 pessoas, certamente
consumindo drogas.
Talvez eu esteja exagerando. Talvez minha
percepção tenha sido influenciada por um olhar circunstancial. Mas naquele
momento, me ocorreu: essas pessoas em situação de rua vivem fora da linguagem das
pesquisas e dos gráficos. São estatísticas sem número.
E digo isso porque, no Brasil, as classes
sociais são tradicionalmente definidas segundo a renda familiar. Adota-se
comumente uma escala de “A” a “E”, onde a Classe A reúne os mais abastados – aqueles
com renda superior a 15 salários mínimos – e a Classe E, que abriga quem
sobrevive com até um salário mínimo mensal.
Mas que dizer daquela população que vive no
entorno da Pedreira Prado Lopes, ou acampada debaixo de viadutos, ou,
simplesmente, ao relento, dormindo sobre caixas de papelão desmontadas? Talvez
estejam além da letra E. Talvez seja preciso utilizar outras letras para
definir uma escala de miséria onde possam ser categorizados.
Se vocês, caros leitores, estimadas leitoras,
estão achando um porre esta conversa, eu peço desculpa. Mas minha intenção é
propor, ainda que de maneira informal e quase provocativa, uma nova
estratificação – as classes da miséria urbana, aquelas que sequer são
contempladas pelas classificações oficiais.
Minha intenção é justamente essa: propor uma
subdivisão da miséria que se alastra pelas grandes cidades. E, antes que eu me
esqueça, deixo claro que não sou comunista – meu negócio é alimentar o blog com
um assunto menos trivial e saciar a curiosidade que tenho sentido ao ver a
crescente população de farrapos humanos, gente que dorme ao relento, em cima de
papelão, cobertos com cobertores finos e sujos. Porque essas pessoas
provavelmente não estão – ou não deveriam estar – inseridas na “Classe E”, pelo
simples e prosaico motivo de não terem renda formal, de levarem uma vida onde
até a origem do almoço do dia é uma incógnita.
Dito isso, passo a listar algumas
características que venho observando nesse pessoal que nem em favela vive. Os itens relacionados pode ser lidos assim: "alguns têm, fazem ou possuem" enquanto o restante é a negação disso, está claro? Então, bora
lá:
– alguns homens (poucos) têm companheiras;
– alguns vivem em acampamentos “definitivos”
instalados debaixo de viadutos ou na frente de imóveis desocupados;
– usam roupas “limpas”;
– utilizam colchões velhos para servir de
cama;
– preparam a própria comida em fogões
improvisados;
– varrem e mantêm limpo o local onde estão
acampados;
– cães de rua podem ser utilizados para fazer
companhia e defesa durante o sono;
– coletam e vendem materiais recicláveis;
– detêm a posse de carrinhos de
supermercados;
– não andam descalços.
Analisando essas observações, talvez a
“Classe F” possa englobar quem apresenta a melhor versão de todas essas características.
Mas não vou me preocupar em fazer um exercício de prestidigitação e tirar da
cartola a definição de quantas classes a mais de miséria poderiam ser
estabelecidas. A única certeza é da última classe ser constituída por homens
vestindo andrajos imundos, descalços, dormindo ao relento sobre papelão,
cobertos apenas por um cobertor fino e sujo. Porque para mim a expressão máxima da miséria é um morador de rua andando sem sapatos ou chinelos. Concorda comigo, Elon Musk?
As pessoas que moram nas ruas de nossas cidades são bem diversificadas. Suas histórias são diferentes e são muitas as causas que a levam a estar na rua e não é somente a miséria. Vi uma vez um morador de rua que morava debaixo de um viaduto de segunda a sexta em um cenário parecido com o que você ilustra mas ele tinha emprego e casa mas que morava na rua por ser mais perto do seu trabalho. Ia pra casa somente no sábado e domingo. Sim, pode ser um exceção. Mas conheci também um professor de inglês que foi morar na rua e caiu no alcoolismo porque sua mulher o deixou(esse caso foi até tema de uma crônica minha). E claro que há, creio em sua maioria, os que estão fora de qualquer classificação social oficial e dentro desse grupo, há os que não querem ficar em abrigos que a prefeitura oferece, com cama e comida mas com algumas exigências. Este preferem a liberdade das ruas.
ResponderExcluirEu conheço histórias semelhantes de pessoas de classe média que foram para a rua, mas o motivo sempre foi a droga. Encontrei com um no velório de sua mãe, decentemente vestido, mas quis voltar para a rua. Nesse caso a liberdade das ruas é igual à prisão das drogas. E, para mim, os dois casos que você lembrou provavelmente estão na "Classe F". Talvez eu faça um post falando de uma história que li há muito tempo.
ExcluirAchei o texto provocador e necessário. Mesmo sem formação em sociologia, o autor levanta uma questão importante: há tanta gente vivendo em condições tão extremas que nem cabem nas classificações sociais tradicionais. A ideia de criar novas “letras” para representar essa miséria escancara o quanto essas pessoas estão fora do radar do Estado e da sociedade. Me impactou especialmente a imagem do morador de rua descalço — é simbólica e dolorosa. O tom irônico ajuda a prender a atenção, mas a reflexão que fica é séria: estamos ignorando uma parte inteira da população.
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