Recebi pelo whatsapp de um amigo um excelente artigo sobre o Papa Francisco. Talvez o texto não atraia o interesse de quem não é católico, mas provavelmente deixará irritado que o chamou de papa comunista. Eu fiquei surpreso com as pedreiras que enfrentou em seus doze anos de papado. O autor é Jamil Chade (UOL) e o título provável é
“Luxo, heresia e guerra:
reforma de Francisco será testada no conclave”.
Sirvam-se!
Assim que tomou
posse em 2013, o papa Francisco convocou nove cardeais e lhes deu uma tarefa:
limpar o lugar. Eles teriam a missão de identificar tudo o que existia de
exagero, corrupto ou que desviasse da missão da Igreja. Mas, acima de tudo,
desenhar uma nova constituição para a Santa Sé e transferir poder e
responsabilidades da Cúria Romana para as conferências locais de bispos. Seria
um verdadeiro terremoto.
Ele assumia no
lugar de Bento 16, que ganhou o apelido de "Papa Prada" por seu gosto
por itens de luxo e sapatos de pele. Dois meses depois, Francisco decidiu fazer
uma "inspeção" de surpresa a sua própria garagem e teria ficado
impressionado com o valor e luxo da frota. Sua ordem foi para que os carros
fossem vendidos e trocados por modelos mais baratos.
Sete meses depois
de assumir o trono de São Pedro, o pontífice decidiu que, pela primeira vez em
125 anos, o mundo saberia o que estava nos cofres do Vaticano e ordenou a
instituição a publicar seu primeiro balanço. Outro terremoto.
Em encontros privados
e públicos, Francisco não disfarçou seu desprezo pela Cúria. Num encontro com
freiras, ainda no final de 2013, ele admitiu que não concordava com o grupo que
administrava a Santa Sé e que, por séculos, acumularam direitos e luxo.
Os chefes da igreja
sempre foram narcisistas, lisonjeados e emocionados por seus cortesãos. A corte
é a lepra do papado, disse.
O momento mais
crítico de sua luta contra esses privilégios ocorreu em dezembro de 2015. Ao se
reunir com a Cúria para a mensagem de Natal, o papa os acusou de
"hipocrisia".
Havia outro fato
que Francisco considerava como intolerável: a existência de mendigos nos arcos
do Vaticano, repleto de ouro e arte. Depois de instalar chuveiros, banheiros e
de ordenar a distribuição de comida e roupas para as centenas de mendigos e
sem-teto que dormem todas as noites sob as pilastras do Vaticano e por Roma, o
papa abriu uma barbearia gratuita para os mais miseráveis.
Quando a
iniciativa foi anunciada, cabeleireiros e voluntários de Roma deram à Santa Sé
dezenas de tesouras, pentes, espelhos e cadeiras para que os novos clientes
pudessem ser atendidos. Francisco ainda comemorou seu aniversário distribuindo
400 sacos de dormir para os mendigos e sem-teto, e convidou 200 deles para
jantar no Vaticano.
O vendaval que
causava Francisco parecia não ter fim. Quatro meses depois de sua posse, ele
quebrou um tabu - mas não alterou dogmas - quando disse: "quem sou eu para
julgar os homossexuais?". Ele continuou causando indignação das alas mais
radicais da Igreja ao lavar os pés de uma refugiada muçulmana. Sua missão,
dizia ele, era acolher e usava a imagem da Igreja como um hospital de campanha,
que atendia a todos, sem perguntar.
O centro de sua
reforma era simples: a Igreja deveria servir aos fiéis e ao mundo. E não a ela
mesma, sob o risco de ser irrelevante.
A guerra interna
Os gestos foram amplamente aplaudidos fora de Roma. Mas houve quem tenha resistido. "Um palhaço". Foi assim que uma ala mais tradicional da Santa Sé começou a chamar Jorge Bergoglio.
Francisco tinha
pressa. Desde o início de seu pontificado, ele confessava a pessoas próximas a
ele que temia que seu percurso seria curto. Precisava, assim, agir em dois
sentidos: abrir o debate sobre temas sensíveis dentro da Igreja e, ao mesmo
tempo, nomear cardeais progressistas para que sua obra não terminasse com o fim
de seu pontificado.
Francisco, assim,
acelerou a escolha desse novo governo da Santa Sé, proliferando nomeações de
mais de cem religiosos de um total de 71 países, algo jamais visto na história
do Vaticano.
O papa ainda usou
um documento publicado por João Paulo 2º, Donum Veritatis, como base de um
processo de demissões. O texto, que pedia a submissão da vontade e do intelecto
e impedia que teólogos discordassem em público de seus superiores, tinha sido
elaborado para permitir ao polonês uma ação contra dissidentes.
Alguns dos
herdeiros de João Paulo 2º descobriram que a arma tinha, agora, se virado
contra eles. Num dos gestos mais enfáticos, o papa argentino excomungou uma
comunidade de franciscanos, acusados de manipulação do evangelho, de ensaiar
uma aliança com a extrema direita e que promovia missas apenas em latim.
Mas fez muitos
inimigos quando iniciou o debate sobre temas de fundo. Atacou o capitalismo,
saiu em defesa de imigrantes e questionou toda a teoria econômica pela qual a
liberdade do mercado garantiria que a pobreza fosse combatida. Ele ainda montou
uma intensa campanha pela defesa do meio ambiente, acolheu e abraçou o cacique
Raoní e transformou seu gabinete num espaço de diálogo com outras religiões.
Em 2019, ao
organizar o Sínodo da Amazônia, permitiu que os documentos trouxessem a ideia
de flexibilizar protocolos.
Algumas das
propostas aprovadas pelos bispos chacoalharam a Praça São Pedro: a avaliação de
uma eventual participação das mulheres na liturgia, a criação de um pecado
ecológico e a possibilidade de que homens casados possam ser ordenados padres.
Tudo isso para que
a Igreja volte a ter um papel na Amazônia. Se não bastasse, a presença de
pessoas de pele escura, com outras tradições e vestimentas pelas salas do
Vaticano deixaram os mais conservadores incomodados, e a crise entre
tradicionalistas e reformistas ainda mais explícita. Uma estátua indígena que
representava a fertilidade e que fora usada numa igreja de Roma ainda foi
roubada e jogada num rio.
As propostas não
vingaram. Mas, pela primeira vez, entraram nas discussões oficiais.
O argentino deixou claro que não aceitaria ser "prisioneiro de um seleto grupo", classificando seus adversários de "elite católica". Para questionar esse grupo, o papa citou os trabalhos de Charles Péguy que, há um século, escreveu "Nota Conjunta sobre Descartes e Filosofia Cartesiana".
Por que lhes falta
a coragem de assumir assuntos terrenos, eles acreditam que estão assumindo os
de Deus. Por que têm medo de fazer parte da humanidade, pensam que são parte de
Deus. Por que não amam ninguém, iludem-se pensando que amam a Deus, disse.
Divórcio dividiu a
Igreja
Foi, acima de tudo, sua exortação apostólica Amoris Laetitia que causou uma rebelião. No documento, estrategicamente ambíguo, a nota de rodapé 351 deixa uma sugestão de que pessoas divorciadas e casais que tenham se casado de novo possam comungar.
Nela, o papa
afirma que algumas pessoas vivendo num segundo casamento "podem estar
vivendo na graça de Deus, podem amar e também podem crescer na vida de graça e
caridade, enquanto recebem a ajuda da Igreja para esse fim".
Em certos casos,
isso pode incluir a ajuda dos sacramentos. Por isso, quero lembrar aos
sacerdotes que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas sim um
encontro com a misericórdia do Senhor. Eu também gostaria de salientar que a
Eucaristia não é um prêmio para os perfeitos, mas um poderoso remédio e
alimento para os fracos, completou. "Ao pensar que tudo é preto e
branco", acrescenta Francisco, "às vezes fechamos o caminho da graça
e do crescimento", alertou.
Não demorou para
que os grupos se organizassem. O mal-estar era de tal dimensão que, ainda em
2015, a revista Newsweek estampou em sua capa uma manchete que causou um
profundo mal-estar no Vaticano. A publicação americana trazia uma foto do papa
com uma pergunta. "Francisco é mesmo católico?".
A reportagem
mostrava quanto ele e seus dissidentes estavam distantes nas ações públicas
sobre tantos temas. Não era possível, segundo a revista, que ambos os grupos
fossem da mesma religião.
Papa herético?
A partir de 2016, essa oposição decidiu ir ao ataque. Numa carta naquele ano, um grupo de teólogos denunciava Francisco por "heresia" no documento Amoris Laetitia.
Em 2019, uma
segunda carta surgiu, acusando o papa por uma "rejeição abrangente do
ensino católico sobre o casamento e a atividade sexual, sobre a lei moral e
sobre a graça e o perdão dos pecados". Assinada por mais de mil teólogos e
religiosos, ela insistia que Francisco teria cometido o "delito canônico
de heresia", definido como o ato de alguém agir contrariamente a um
ensinamento revelado por Deus.
Se Francisco não
se arrependesse publicamente, a carta pedia que os bispos declarassem que ele
cometeu heresia e deveria "sofrer as consequências canônicas desse
crime". Essas consequências deveriam incluir a destituição do cargo.
Meses depois,
surgiu nas livrarias romanas o livro Papa Ditador, escrito por um pseudônimo
que escolheu um nome renascentista: Marcantonio Colonna. A obra, supostamente
de um detrator, contava uma suposta ditadura imposta por Francisco, sem provas
ou evidências.
A acusação de
heresia também foi costurada por um cardeal que se transformou, na primeira
metade do pontificado de Francisco, como seu adversário mais vocal. Raymond
Burk havia sido demitido pelo papa do sistema de cortes do Vaticano e foi
colocado no conselho de uma obscura entidade de caridade. Mesmo em seu novo
cargo, Burke voltou a se chocar com o papa e teve seus poderes ainda mais
reduzidos.
Sua retaliação foi
publicar uma lista de perguntas e abrir o debate sobre Amoris Laetitia e se o
papa estava violando as escrituras sagradas.
Ultraconservador,
Burke mantinha uma relação de amizade com Steve Bannon, articulador de Donald
Trump. Foi o cardeal quem convidou o estrategista americano de extrema direita
a proferir um discurso no Vaticano, em 2014.
Quatro anos depois
de assumir, o papa vinha ainda sofrendo uma campanha de desinformação e de
ataques públicos. Numa certa manhã de 2017, postes e muros da cidade de Roma acordaram
com cartazes criticando o pontífice.
Escritos em
dialeto romano local, os pôsteres acusavam o papa de ter "removido padres;
decapitado os Cavaleiros de Malta e ignorado os cardeais". Dias depois, o
argentino rebateu: "Não perco o sono por isso".
Ao longo de seu
percurso, Francisco manteve seu plano de reforma. Não realizou todas as
transformações que desejava. Os escândalos não desaparecem por completo, com
casos de corrupção envolvendo um prédio comprado pelo Vaticano em Roma avaliado
em 140 milhões de euros, suspeitas de abusos sexuais persistentes e o uso de
recursos para renovações milionárias de residências de cardeais.
Ainda assim,
Francisco rompeu com uma estrutura de poder, de luxo e de privilégios que
marcaram a Santa Sé nas últimas décadas.
É isso que está em
jogo no Conclave, uma vez mais, admitiu um cardeal latino-americano, na
condição de anonimato.
Os gestos foram amplamente aplaudidos fora de Roma. Mas houve quem tenha resistido. "Um palhaço". Foi assim que uma ala mais tradicional da Santa Sé começou a chamar Jorge Bergoglio.
O argentino deixou claro que não aceitaria ser "prisioneiro de um seleto grupo", classificando seus adversários de "elite católica". Para questionar esse grupo, o papa citou os trabalhos de Charles Péguy que, há um século, escreveu "Nota Conjunta sobre Descartes e Filosofia Cartesiana".
Foi, acima de tudo, sua exortação apostólica Amoris Laetitia que causou uma rebelião. No documento, estrategicamente ambíguo, a nota de rodapé 351 deixa uma sugestão de que pessoas divorciadas e casais que tenham se casado de novo possam comungar.
A partir de 2016, essa oposição decidiu ir ao ataque. Numa carta naquele ano, um grupo de teólogos denunciava Francisco por "heresia" no documento Amoris Laetitia.
Boa tarde:- Que p Papa Francisco descanse em Paz
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“” FRAGILIDADES ““
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"Do balacobaco" é uma g´ria antiga utilizada para designar algo excepcional, excelente. Assim era o Papa Francisco, um papa que deixa saudade.
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