A morte do Papa Francisco tornou ainda mais
visíveis o ódio e o preconceito que hoje contaminam as redes (anti)sociais. Ao
ler mensagens recebidas por minha mulher – enviadas ou comentadas por algumas
de suas amigas de juventude e faculdade – só consegui sentir nojo, repulsa e
ódio. O ódio, no meu caso, como consequência natural do princípio da ação e
reação. Contra as amigas de minha mulher, senti apenas decepção e pena. Mas o
que elas replicaram e compartilharam, meu Deus! Foi por isso que resolvi fazer
uma colagem de pensamentos mais ou menos antigos para falar um pouco sobre
religião, religiosidade, catolicismo, perda de fiéis e temas afins – tudo,
claro, a partir da minha visão atual de católico-ateu. Quer viajar comigo?
Para mim, as religiões surgiram como resposta
ao medo e à fragilidade. Quando começou a pensar, o Homo sapiens passou a
sentir medo do desconhecido e das ameaças, reais ou imaginárias. Percebeu
também sua própria fragilidade diante de forças que não entendia ou não podia
controlar – fenômenos da natureza, morte, fome, dor, doenças, ataques de
predadores, investidas de tribos inimigas. Precisava de conforto, de esperança,
de explicações que não encontrava nem dentro de si mesmo nem em sua comunidade.
Assim nasceu o impulso de divinizar animais,
árvores, fenômenos meteorológicos – qualquer coisa que fosse temida ou que
pudesse ser venerada ou manipulada para obter proteção. Pelo que consigo imaginar, pelo menos no início da caminhada humana, nunca houve admiração ou amor pelos
deuses, havia apenas medo, respeito, desejo de proteção e, claro, pedidos de ajuda para
eliminar os inimigos.
Não demorou muito, e todos os povos já
possuíam seu(s) deus(es) de estimação – cujos préstimos eram sempre solicitados
em caso de guerras de conquista ou de defesa, tipo assim: “Jeová, Jeová, olhe também pra mim que eu estou mais pra lá do que pra
cá” (Juca Chaves).
Obviamente, os deuses cobravam pelos serviços
prestados na forma de templos, estátuas e monumentos em sua homenagem, além da
realização de sacrifícios e uma fidelidade incondicional. A existência de tantos deuses podia levar a
conflitos de interesse, um povo pedindo coisas que entravam em choque com as necessidades
de outros, por mais idiotas, sacanas ou injustos que fossem esses pedidos, o
desejo de uns ignorando as necessidades de outros. Talvez a crença de
consequências mais perniciosas tenha sido a de um povo se considerar o escolhido
desse ou daquele deus, porque uma coisa é você escolher um deus para adorar e outra bem diferente é se imaginar o "povo eleito" desse deus, com mais direitos que os demais povos.
Sinceramente, eu não consigo aceitar essa
crença, a de um pai que privilegia um filho em detrimento dos outros. Existem
pais assim no mundo real – eu mesmo conheci um –, mas nunca que um
pai-deus ou deus-pai faria uma merda dessas, pois estaria condenando seus
filhos ao conflito eterno, brigando pela herança divina. Se hoje (e sempre) a divisão
de patrimônio material já provoca um caos desgraçado, como imaginar que isso
não aconteceria com promessas divinas?
Para mim só duas opções existem: ou um deus
não fez promessas apenas para seu povo predileto (tipo “terra prometida”), ou,
se fez, não pode ser considerado o deus de todos os povos. Complicado, não?
O grande problema é que essa crença se
perpetuou ao longo dos milênios. Sinceramente, não dá para aceitar um deus
exclusivista, injusto e parcial. Mas há milhares de cristãos que acreditam
nisso (vamos nos manter no limite do cristianismo, ok?).
Outro problema que identifico hoje não é a
crença de que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, mas o contrário disso. Ao
longo da história, o homem imaginou um Deus à sua imagem e semelhança – a
criatura modelando o criador. Isso explicaria todo preconceito, toda rejeição
às mudanças, todo conservadorismo que floresceu (e ainda floresce) até hoje. Não
sei de outras igrejas cristãs, mas alguns católicos são muito bons nisso (não
todos, claro). Por isso, toda mudança no status quo proposta por quem a pode propor (um Papa) é
tão mal recebida, tão mal interpretada.
Hoje eu vejo a Igreja Católica não como uma
instituição decadente, mas como um equipamento gigantesco que gasta uma energia
lascada para se movimentar. Essa inércia, essa dificuldade de se mover impede a
autorização de ordenação feminina e para que os padres se casem —, mesmo que a
igreja anglicana esteja aí para provar que não há grandes problemas se isso
acontecer. Há outros tabus que enlouquecem os muito conservadores – casamento
gay, por exemplo. Mas numa igreja onde ainda existem os defensores da missa em
latim com o celebrante de costas para os fieis, tudo é possível.
Esse conservadorismo, esse reacionarismo
explica a perda de fieis para as igrejas evangélicas? Não, na minha opinião. No
tempo em que eu ia todos os domingos à missa, comecei a pensar por que as
igrejas estavam tão vazias e com poucos jovens. E cheguei a estas hipóteses:
Como sempre aconteceu, católico só recorre,
só procura Deus se estiver precisando Dele. Se estiver com a vida mais ou menos
tranquila, muito mais divertido é tomar cerveja, jogar bola ou assar uma
carninha no domingo. Na minha infância as igrejas ficavam cheias e havia várias
missas dominicais. Talvez o temor a Deus fosse maior, talvez as pessoas fossem
mais ignorantes, mais crédulas. Essa situação de relativo conforto e o apelo à
diversão talvez expliquem o sumiço dos que ainda se dizem católicos.
Mas e os que migraram para as igrejas
evangélicas? Para mim a resposta é simples: ninguém que resolveu abandonar o
catolicismo mudou para as igrejas protestantes tradicionais, (gente séria que
merece todo o meu respeito); ninguém saiu por desacreditar nos santos e
milagres aceitos pelo catolicismo. Os “migrantes” converteram-se à “fé” pregada
nas igrejas pentecostais e neopentecostais, onde os "milagres" acontecem a rodo,
e a esperança na cura ou solução imediata problemas financeiros são a
promessa.
Pense bem, se alguém me promete solução
imediata de algum problema, qual a vantagem de continuar fazendo promessas para
santos católicos? As chamadas espórtulas da igreja católica durante a missa
podem ser apenas moedas ou nada, mas ninguém que precisa ganha cesta básica.
Estão aí os bispos e missionários evangélicos que não me deixam mentir
sozinhos.
Então, dentre os que ainda se dizem católicos
o conservadorismo é mais visível. Quando um papa surge falando em justiça
social a reação é chamá-lo de "comunista" e idiotices do gênero. Aparentemente,
todos os que o criticam são adeptos da frase “pra farinha pouca meu pirão
primeiro”.
Hoje eu acredito que a maioria dos
“migrantes” é formada por gente humilde, temente a Deus sim, mas que acredita
em milagres por atacado, que precisa de
soluções e auxílio material imediato. A Igreja Católica pretende oferecer isso?
Duvido. Para mim, ela está mais preocupada com a "teoria" que com a "prática", mais sensível
aos ensinamentos de Jesus que aos castigos, promessas e ameaças do Antigo
Testamento. Mais no Deus Filho que no Deus Pai, o inverso das novas igrejas
evangélicas. Quem deixa de ser católico parece estar mais interessado nas benesses materiais acenadas pelos pastores dessas igrejas (universais, mundiais, internacionais, malas falas e similares) que de conforto espiritual. Esse é o meu pensamento. Estou errado?
Creio que de forma geral, seus argumentos são válidos. Sobre o início da religião, eu iria um pouco antes do que você escreveu. Creio que a espiritualização da raça humana começou com a consciência da morte.
ResponderExcluirNão vejo problema um povo se dizer escolhida por seu deus, inda mais que para ele, esse é o único deus verdadeiro. E inda mais, que esse deus iria abençoar todos os povos da terra a partir do povo escolhido de Israel - essa é a ideia messiânica dos grandes profetas bíblicos como Isaías. A religião hebraica passou por várias fases, foi até politeísta no início.
Quanto ao cristianismo e sua frase "não dá para aceitar um deus exclusivista, injusto e parcial. " - não sei bem se esse é o deus cristão (que o mesmo deus hebraico). Exclusivista? Mas ele ofereceu seu próprio filho para morrer pelos pecados do mundo todo! Injusto? Mas ele ofereceu o caminho de salvação para todos!
É claro que a teologia cristã é bem complexa mas não sei se seus adjetivos cabem no deus cristão nem mesmo no deus hebreu.
Eu procuro entender os conservadores. Afinal de contas, os progressistas um dia serão conservadores daquilo que eles conseguiram progredir...
Eu admiro e respeito seu conhecimento bíblico, mas estou em um nível de descrença muito maior que o seu (além de ser mais relaxado nessas coisas de fé). Esse papo de oferecer o filho para pagar pelos pecados que o próprio pai estabeleceu é ridiculamente inaceitável. Salvação? De quê? De quem? Se eu ainda tivesse alguma fé, acho que preferia ser budista.
ExcluirBom, eu só disse o que diz o dogma cristão da salvação, se ele faz ou não sentido é outro papo....rs
Excluirmas se for pensar dentro do universo doutrinário cristão, até que faz sentido, mas somente dentro do próprio arcabouço cristão, mas aí teria que ser um comentário mais elaborado e ficaria grande demais.
ExcluirVocê entende pra danar desse assunto. Deveria fazer um post com "um comentário mais elaborado". Seria legal.
Excluirah, todo discurso de ódio é perigoso. A morte de um papa para mim não diz muita coisa. Aliás, eu acho horrível esse negócio de deixar o papa morrer na sua função. Ver o homem definhando aos poucos ao longo dos anos é triste, mas talvez seja uma forma da Igreja manter a ligação emocional do fiel.
ResponderExcluirJá assistiu Conclave? Interessante.
O maior problema é que a escolha de novo papa sempre recai em alguém já velho. Hoje, o cardeal mais novo tem 45 anos, mas é uma exceção.
ExcluirIronizando, os papas lembram a Rainha Elizabeth, reinando até deixar o príncipe Charles perto da loucura. (mas isto é só uma piada.
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