Eu sempre gostei de aforismos, talvez pelo
seu efeito imediato. É como tomar um buscopan injetável quando se está com uma
dor insuportável. Já vivi essa experiência com a dor causada por um cálculo
renal. A injeção na veia foi como um bilhete de ida para o nirvana, tal o
alívio imediato que proporcionou. Guardadas as necessárias proporções, os
aforismos provocam reações imediatas, ao contrário de textos longos. Por mais
agradáveis, melhores e mais bem elaborados que sejam os contos, reportagens e
romances, esse tipo de registro escrito demanda tempo, reflexão, maturação.
Aforismo, não, dependendo da frase, você se encanta e até diz "Uau!" ou "Perfeito"! É como se fosse um peido filosófico (acho que vão me massacrar
por isso!). “Pá!”, saiu, é bem estar imediato. Tá bom, vamos deixar a vulgaridade para outra hora. Aforismo
é insight, ok?
Mas a palavra não deixa de ser pedante: aforismo, aforismo... Bela merda!
Segundo o dicionário (que não me deixa mentir sozinho), o significado de
aforismo é “máxima ou sentença que,
em poucas palavras, explicita regra ou princípio de alcance moral; apotegma,
ditado”. Ou ainda: “texto
curto e sucinto, fundamento de um estilo fragmentário e assistemático na
escrita filosófica, geralmente relacionado a uma reflexão de natureza prática
ou moral”.
Eu gosto quando surge na minha cachola algum
aforismo, mas, pelo meu jeito meio desengonçado de pensar, prefiro mais quando
vem na forma de “desaforismo”, na
forma de ironia, piada ou crítica. Creio que isso se deve ao fato de não ser
bom para grandes análises e reflexões. Todas as vezes que entro em uma aventura
dessas, acabo me sentindo ridículo, patético. E o texto ”obrado” mostra-se uma coleção de
clichês e platitudes, com qualidade polar (abaixo de zero).
Apesar da longa introdução, meu assunto não é
aforismo. Até porque já fiz um post bacanaço sobre o tema. Quem quiser dar uma
espiada (estou jogando a isca), siga este link:
Mas, afinal, qual é então o tema de hoje? Arrá! O
tema é ginástica para o cérebro. Para mim, os aforismos são como pílulas
energéticas, capazes de excitar um pouco o cérebro. Ou, talvez, eletrodos literários usados para
dar-lhe um “choquinho”, fazendo com que ele dê uma mexidinha, tão necessária quanto mais a idade avança (alguma coisa tem de se mexer!).
Mas, disparado, o melhor exercício mental que
já conheci - verdadeiro crossfit cerebral - é a música. Não qualquer música, mas a
música interpretada por um conhecido. Creio já ter contado esse caso aqui, mas
a perda dos backups impede que eu me certifique disso. Em todo caso, vou tentar falar
sobre essa experiência musical sem entrar em muitos detalhes, pois o "artista" é super
gente boa.
A primeira vez em que ouvi falar de sua fama foi alguns dias antes de
conhecê-lo pessoalmente em sua festa de aniversário. Uma amiga comum que também
iria à festa, comentou que ele era um cantor horroroso. Claro que isso não
impressiona ninguém, tantas são as pessoas que cantam mal. Estão aí Bruno e Marrone, muitas outras duplas sertanejas e a Marília Mendonça para comprovar essa afirmação. E isso
nunca seria motivo para deixar de ir a essa festa.
Quando chegamos ao endereço indicado, surpreendi-me com uma parafernália de
equipamentos de som já instalados, indicativos de que iria rolar uma música ao
vivo, uma live no modismo
atual. O aniversariante nos recebeu na entrada, super cordial e cerimonioso. A
festa rolou normalmente com salgados e bebidas circulando. Lá pelo meio da
festa fomos convidados a nos servir de alguns pratos quentes, etc. Foi logo
depois disso que a coisa fodeu.
O aniversariante disse algo ao microfone e
começou a cantar uma música da década de 1960 enquanto literalmente atacava o teclado. Tomei um susto
gigantesco, pois nunca tinha ouvido nada tão estranho e ruim. Sinceramente, era uma
sensação indescritível, uma agonia impossível de reproduzir. Imagine uma
gravação da voz do cantor de "Caneta Azul". Agora acelere e diminua
aleatoriamente a velocidade da fita. Pegue um teclado de boa qualidade, grave
nele algumas músicas de karaokê e ponha alguém para tocar junto. Mas é
necessário que o tecladista só tenha uma semana de aula. Finalmente, assegure-se de que o repertório seja formado apenas por músicas manjadíssimas do Roberto Carlos, sucessos internacionais das
décadas de 1960 e 1970 ou sertanejas. E não se esqueça de que o cantor de Caneta Azul precisará ler as letras em inglês sem nunca ter estudado nada dessa língua.
A sensação imediata foi de paralisia, asfixia. Minha cabeça parecia estar sob ataque de alguma radiação desconhecida, pois tive a sensação de que estava coçando. O som que estava ouvindo parecia provocar comichões em meu cérebro, ao ponto de pedir à
minha mulher para irmos embora imediatamente. Mas ela é que era a convidada e disse "não", que pegaria mal sair logo após a refeição etc. A sorte é que estávamos
na mesma mesa da conhecida que nos alertara sobre a ruindade do cantor. Por
diversão, começamos a tentar adivinhar qual música ele estava cantando. Isso é real, pois nem sempre conseguíamos identificar o que ele cantava. Como aquilo estava nos provocando algumas risadas nervosas, quase espasmódicas, resolvemos cantar junto com ele, tarefa impossível, pois sempre entrava
atrasado ou adiantado, nunca no tempo certo da música. Nós ríamos como alucinados
e aplaudíamos, fazendo com que ele pensasse que estávamos gostando. No final
das contas, estávamos mesmo, tal a zona instalada na nossa mesa.
Depois disso, graças ao entusiasmo demencial exibido por nós, durante uns quatro anos seguidos fomos convidados para seus aniversários. Talvez não devesse dizer, mas nos
presenteou com alguns CDs que gravou (ele gravou!). E, acreditem, eu adorava sair para o trabalho
ouvindo aquela coisa, pois cheguei à conclusão de que aquele som era na verdade
um tipo alienígena de musicoterapia, pois, até hoje, quando resolvo ouvir suas indescritíveis interpretações sinto que meu cérebro se
retorce e coça . Foi daí
que tirei a ideia de que ouvir esse som venusiano é um maravilhoso tratamento e antídoto certeiro para
o Mal de Alzheimer. Pena que eu nunca poderei cumprimentá-lo por isso.