terça-feira, 18 de agosto de 2020

O X DA EQUAÇÃO

Já ouvi dizer que o “politicamente correto” é invenção da Esquerda. Se for, descobri mais um motivo para ser de Direita (mesmo que o presidente e seus admiradores não recomendem). Porque, fala sério, existe coisa mais chata que o comportamento tediosamente correto? Eu entendo que algumas tradições precisem ser polidas, civilizadas, mas existem coisas de que discordo totalmente. Uma delas é a expressão “afrodescendente”. Que negócio é esse? O cara é brasileiro, americano ou alemão e pronto. Caso contrário, como deve ser tratado um sul africano de pele clara? “Eurodescendente”? Ou o peruano com a maior cara de inca? “Incadescendente”? Nesse caso específico, em homenagem ao fato de que o imperador inca era considerado filho do Sol, os descendentes desse povo incrível deveriam ser chamados de incandescentes. Mas isso é só uma piada. Aliás, certos tipos de piada também não podem mais ser feitas. Nem músicas antigas de carnaval ser cantadas nem livros infantis do Monteiro Lobato ser lembrados. 

Tive um amigo que dizia não ser razoável criticar comportamentos antigos extraídos ou isolados da época em que surgiram. E dava como exemplo a Inquisição. Segundo ele, naquela época a possibilidade de ir para o inferno era a pior coisa que poderia acontecer a alguém. Nesse caso, a fogueira, o afogamento ou a tortura para livrar a pessoa desse destino terrível era perfeitamente aceitável e uma atitude até piedosa.

Sempre me lembro disso quando vejo as patrulhas equivocadamente corretas defender a exclusão de palavras que tenham sua origem na visão preconceituosa de povos, etnias ou religiões, como no caso das palavras, “mulato” e “judiar”. Para mim, condenar seu uso com base em sua esquecida ou desconhecida origem histórica nem é mais etimologia, já é pesquisa arqueológica. Nunca fez parte da minha vida pensar que estaria depreciando alguém ao usá-las. Ainda bem que nunca tive oportunidade ou motivo para dizer que estariam “judiando da mulata”!

Mas o que me fez pirar mesmo foi a última novidade de que tomei conhecimento, o uso de “x” no lugar das vogais “a” ou “o”. E tudo por causa de uma tal “linguagem não binária” ou “linguagem neutra”. O objetivo dessa maluquice seria descaracterizar o ‘binarismo’ da linguagem, isto é, a ideia de que palavras são necessariamente femininas ou masculinas”. Coitada da Dilma, deve estar desconcertada ao descobrir que seus eleitores (alguns, pelo menos) eram secretamente contra chamá-la de “presidenta”.

Quando soube dessa novidade minha primeira reação foi reproduzir o bordão do personagem Sebá interpretado de forma hilariante pelo Jô Soares: “Você não quer que eu volte!” (mesmo sem eu nunca ter ido). Mas os tempos são outros. Como disse o Bob Dylan, “the times they are a changin”. Mesmo assim, essa incógnita matemática pode causar algum desconforto. Por exemplo, se um senhor idoso com alta renda e baixa educação disser em sua primeira consulta ao médico para ele dar um jeito em sua "rolx", pois "não está funcionando bem", poderá ouvir como resposta: "Acho que o senhor se enganou de endereço. Isto aqui é um consultório de urologia, não a assistência técnica da Rolex".

Por isso, proponho para os insensatos e ridículos adeptos do “x” que não o utilizem, que o substituam por “e” Por exemplo, em vez de “todx” para expressar “todo” ou “toda”, olha como ficaria bacana usar “tode”. Pois, quando alguém me perguntasse algo como “Vai beber esse leite tode?”, eu distraidamente responderia “uma colher de sopa em 300 ml de leite. Gelado, por favor”. Pelo menos assim faria algum sentido a mudança.

7 comentários:

  1. É Jotabê... É aquele momento que você percebe que a Esquerda se tornou mais reacionária do que a própria Direita...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é, meu caro Ozy, acho que vou te responder juntando um monte de cacos que estão espalhados na minha cabeça, porque... resposta grande vira post!

      Excluir
    2. Sobre a cultura do cancelamento, recomendo esse breve debate de 31 minutos: https://www.youtube.com/watch?v=vB8l8Y1AVcs

      Excluir
  2. Penso que há sim um binarismo na linguagem, principalmente no nosso idioma e é evidente que são fatores culturais e históricos que levam até tal questão. A questão do uso do "x" no contexto de linguagem escrita, como é a proposta, precisa de um milhão de reformulações antes de ser adequada, e não concordo com ela. Mas concordo com a iniciativa de discutir sobre a linguagem como processo cultural. Aliás, quando os gramáticos revisam o nosso idioma e resolvem arrancar o acento de "ideia", p. ex., ninguém questiona. Me incomoda mais os gramáticos que acham que idioma é coisa para um público minúsculo revisar do que propostas como a mencionada. E não acho que isso seja coisa "da esquerda". Pode ter gente que se diz de esquerda que participa do debate, mas classificar a coisa como sendo "de esquerda", o que é que diz? Informa algo?

    ResponderExcluir
  3. Esqueci de comentar. Um outro processo de mudança linguística interessante e bem sucedido é o uso do 'it' e do 'they' no inglês estadounidense. De início todo mundo achava ridículo pronome sem gênero (it), agora não existe inglês sem 'it', e não só pra se referir a qualquer coisa não humana. O mesmo vale para o 'they'. Hoje é comum ouvir 'they' para se referir a alguém que não é nem "she" nem "he", mesmo no singular. Mas o que essa proposta sofreu de injúrias, é algo relevante de lembrar. Enfim só citando um caso. No português é mais difícil mudar como foi feito no que comentei, por conta das conjugações verbais inúmeras e inacabáveis.

    ResponderExcluir
  4. Também penso a mesma coisa : nasceu nesta pocilga, é brasileiro e ponto. Caso contrário, eu seria italolusotupidescendente. Pããããta que o pariu!!!
    Trabalho com uma professora, católica fanática, doente mesmo a ponto de ser esquizofrência, que justifica dizendo que os tribunais da Inquisição foram necessários para que o Direito fosse evoluindo e chegasse onde hoje se encontra. Pra você ver...
    Não tinha ouvido falar do "X", não? Sua sorte durou mais que a minha. Quanto a isso também tenho uma opinião clara, sucinta e direta formada : fora os hermafroditas, nasceu com rola é homem, nasceu com xavasca é mulher; o que cada um vai fazer com isso é problema única e exclusivamente dele, ninguém tem que julgar e, principalmente, ninguém precisa ficar sabendo.

    ResponderExcluir
  5. respondendo aos comwentários do GRF e Azarão, diria que concordo discordando e discordo concordando. Para mim, as revisões propostas pelos gramáticos refletem muito mais um pedantismo preconceituoso que um desejo de realmente melhorar as normas gramaticais (ou que nome se dê a isso). Sou a favor da evolução natural da língua. Como não tenho formação nessa área, acho estranhas algumas mudanças (que só me confundem). Quanto ao conceito de gênero não acho tão simples assim. Conheci um jovem que tinha um quiosque de hamburguers não muito distante da minha casa. O molho era espetacular. Por isso, sempre íamos lá comer um sanduba. Gentilíssimo, afetadíssimo, engraçado e adorava minha mulher. Recentemente ela me contou ter visto seu perfil em alguma rede social e surpreendeu-se ao descobrir que hoje ele é ela. Sinceramente, em vez de me escandalizar, fiquei super feliz por ter feito essa mudança. Não sei se operou, não sei se tem seios, mas tenho certeza de que está mais feliz agora. Para encerrar, o comentário do Ozymandias fez com que eu escrevesse um texto que provavelmente desagradará a todos. sairá daqui a pouco (00h01min). Fui.

    ResponderExcluir

ESTRELA, ESTRELA DE BELÉM!

  Na música “Ouro de Tolo” o Raul Seixas cantou estes versos: “Ah! Mas que sujeito chato sou eu que não acha nada engraçado. Macaco, praia, ...