terça-feira, 3 de dezembro de 2019

PINTÃO EM GOTAS

Logo no início deste blog, publiquei uma série de quinze posts sobre meu amigo e colega Pintão. Esses textos foram escritos ainda antes da criação do Blogson, pois em toda reunião ou festa de família eu contava os mirabolantes casos acontecidos ou inventados por ele, fazendo as pessoas rolar de rir com suas maluquices. Por isso, para que não fossem apagados da memória com o passar do tempo, resolvi escrevê-los. Depois, com algum esforço, fui me lembrando de frases e casos “twitter” do meu amigo. Essas lembranças foram sendo pulverizadas no blog ao longo do tempo. Recentemente, descobri no Facebook um retrato desse amigo. Aí surgiu a ideia de reunir em um único post o retrato e as lembranças esparsas desse “ex-parça” (gostou, Marreta?). Bora lá.

ANIVERSÁRIO
Meu amigo ficou viúvo muito moço. Um dia, provavelmente conversando sobre nossa descrença no espiritismo e afins, ele contou um caso ocorrido quando já estava casado novamente (com uma senhora simpaticíssima). Como era um autêntico bibliófilo, converteu um dos cômodos da casa em biblioteca, onde ficavam expostos e organizados em prateleiras metálicas seus amados livros (mais de cinco mil). Provavelmente, um lugar onde passava a maior parte de suas horas de folga.
Era dia de seu aniversário e ele estava sentado nessa biblioteca quando, sem nenhuma explicação plausível (rajada de vento, netos ou filhos brincando de esconde-esconde, ratos ou gatos, tremor de terra, etc.), um livro caiu da estante. Levantou-se, apanhou o livro para recolocá-lo no lugar quando viu que era um livro dado a ele de presente de aniversário por sua primeira esposa. E tinha uma dedicatória que era algo assim: “para o meu amado (ou ‘querido’) Luiz Felipe, etc.”. Surpreso com a coincidência, teria murmurado “Obrigado, Silvinha”.
E ficamos ali, pensando sobre os mistérios e coincidências do mundo. Esse caso, tão delicado e íntimo, eu preferi nunca registrar, pois era muito, muito pessoal. Hoje, passados tantos anos desde seu falecimento, achei que seria mais uma oportunidade para homenagear sua lembrança e de mantê-lo “vivo”.

CAFETÃO
Um dia, eu e minha mulher  fomos a um evento de produtores de café gourmet. Muitos stands ofereciam degustação de seu produto. Sem açúcar! Comecei a me sentir um bronco no meio daqueles "cafetões" (pessoas que vivem às custas do café, entendeu?), a sentir orgulho da minha própria ignorância "cafeeira" Em que lugar da história ficaram os bebedores de café adoçado?   Até comentei com um ou dois expositores que estava me sentindo um muçulmano entre cristãos, pois o café que eu bebo diariamente leva açúcar (ou adoçante). Pude notar a expressão de horror em um deles, fazendo-me temer ser escorraçado da feira como herege e até a tomar um banho de água benta (fácil de acontecer, pois bastaria abençoar a chuva que caía sem parar).
Para suavizar, contei a receita de café ensinada por meu falecido amigo Pintão.
Segundo ele, em um daqueles cafés do Rio de Janeiro do final do século XIX ou início do século XX, lia-se pintada na parede azulejada a seguinte frase, atribuída a um Barão de sei lá o quê, do tempo do império: "O café deve ser negro como a noite, quente como o inferno e doce como o amor". Nem esse lirismo todo abalou a rígida convicção  do cafetão!

CERTIDÃO DE NASCIMENTO
Quando nasceu a primeira filha do segundo casamento, o Pintão estava trabalhando no norte do país. Por isso, quem providenciou o registro da criança foi o sogro. Quando pôde vir a Belo Horizonte, perguntou ao sogro qual era o nome da criança. O sogro disse que era "Fulana de tal Melo Pinto...". Decepcionado com o mau gosto daquela melada no pinto, reclamou com o sogro:
- "Com efeito, Sr. (nome do sogro), 'Fulana de Tal Melo Pinto'"?
O sogro, provavelmente sem graça, perguntou com toda a ingenuidade:
- "Você não gostou de 'Fulana de tal'?
mal já estava feito.

FODA DE PORCO
Um dia, a propósito de algum famoso que tinha fama de pegador, comentou:
- “Dizem que esse cara faz muito sucesso com as mulheres. Parece que ele tem tesão de galo, pau de jumento e foda de porco”.
Alguém perguntou o que significava essa "foda de porco" e ele explicou:
- “Você nunca viu porco trepando? É o fim da picada! Demora pra danar. Ele sobe em cima da porca e fica lá, fuçando. Sei lá, acho que fica cansado e dá até uma cochilada, mas sem sair de cima. Aí acorda e continua. Coisa de louco!”

SACER LOCUS
Esse caso é mais uma das lembranças twitter do meu amigo Pintão. Mesmo sendo extremamente católico, não era carola; mas, às vezes, diante das tijoladas pornográficas que alguém dizia, reagia com um ar de fingida seriedade, dizendo uma frase em "latim", que traduzia em seguida:
"Sacer locus, puer, extra mijit"! ou "O lugar é sagrado, menino, vá mijar lá fora"!
Isso me fez lembrar de uma piadinha que meu amigo Pintão gostava de repetir:
- “Os quatro cavaleiros do Apocalipse são três, Esaú e Jacó”.

JAMES!
Um dia, estávamos conversando fiado – como sempre – quando eu disse a meu amigo alguma coisa como "a gente precisa..." (não sei como é em outros lugares, mas em BH, pelo menos, é comum usar-se a expressão "a gente" como sinônimo de "nós"). Com uma falsa impaciência, meu amigo retrucou:
- “A gente, não. Você precisa! Fui claro, James?”
Diante do comentário, perguntei o que significava o "James" na história. E ele explicou:
- “É como aquela história do nobre inglês e seu mordomo. Um dia, pela manhã, o mordomo entra no quarto do patrão, abre as cortinas e diz: - ‘Parece que teremos um belo dia hoje, milord’. Ao que o nobre responde – ‘Errado, James. Eu terei o meu belo dia e você terá o seu belo dia!".

NERO
Um dia, comentando sobre Nero, disse que o imperador romano era um incompreendido. Afinal,  só tinha mandado assassinar a mãe, o meio irmão, um porrilhão de cristãos e incendiar Roma enquanto tocava harpa, etc.
Rindo, dizia que era tudo intriga histórica, e que antes do incêndio, Roma era uma grande favela, com vielas mal cheirosas e barracos construídos de forma precária. E que Nero demonstrou ser um grande urbanista, pois traçou largas avenidas e belos palácios na área destruída. E lembrou a lenda a respeito de sua morte, quando, ao ser apunhalado teria dito a frase “que grande artista o mundo vai perder!”.

PRESENTE
Um dia, sem nenhum motivo ou data especial, meu amigo “Digão” deu-me de presente o livro “Máximas e Mínimas do Barão de Itararé”, com a seguinte dedicatória:
 “Para o amigo Botelho oferece um de seus mais humildes escravos. 07/04/87"
O motivo do presente foi um comentário feito por ele durante uma de nossas conversas sobre esse falso barão, pois eu nunca tinha ouvido falar de Apparício Torelly, “Aporelly” ou “Barão de Itararé”, nomes que identificam um jornalista gaúcho nascido em 1895, que tinha a manha do humor inteligente, feito de frases engraçadíssimas, textos precisos e trocadilhos de fazer inveja ao pessoal do Casseta e Planeta. Aliás, foi realmente dono do jornal “A Manha”, criado em 1926, onde fazia de tudo. Detalhe: o nome era (mais) um trocadilho com o nome do jornal "Correio da Manhã", onde havia trabalhado.

UFANISMO
Meu amigo Pintão era muito bom em cultura inútil. A diferença é que sua cultura inútil era um pouco mais "culta", pois frequentemente baseada em curiosidades literárias. Um dia mencionou a existência de um livro escrito por um "nobre" brasileiro, que tinha esse título: "Porque me ufano de meu país". E ironizou esse “ufanismo” ao contar que o livro tinha como subtítulo a frase (em inglês!) "right or wrong, my country". Por causa dessa idiotice, a palavra “ufanismo” passou a ser relacionada a sentimentos de patriotismo exacerbado, acrítico, ingênuo, incondicional". Convenhamos, esse livro “precisava” ser reeditado, pois combina bem com o estilo dos dias atuais!

RETRATO
Graças ao onipresente Facebook, recentemente encontrei um retrato do meu amigo, com seu olho de vidro e cara de vaca (quase dava marchinha de carnaval!). Com essa imagem, creio ter agora esgotado todas as lembranças do melhor amigo que tive. Olha ele aí:



3 comentários:

  1. o nome do post parece mais um trocadinho pintoso

    abs!

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    Respostas
    1. Você sacou a brincadeira. O nome original seria "Flashes do Pintão". Depois, pensei em "Gotas do Pintão", mas estava muito "Marreta" para o estilo do blog. Aí resolvi suavizar um pouco. Valeu!

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