Ele é jovem, negro, pobre e favelado. Em um país onde muitos acreditam não haver racismo, essa definição equivale a um carimbo de "exclusão social". Sempre o vejo
perambulando por uma das avenidas que delimitam o bairro onde moro. Cabeça raspada, sempre sem
camisa, trajando apenas calção e sandálias de borracha. Às vezes empurra um
carrinho de supermercado onde carrega sucata metálica, papelão e outros
materiais comercializáveis. Outras vezes traz na mão apenas uma garrafa pet ou
bucha de pano embebida em algum solvente, que cheira compulsivamente. Não
imagino o que come nem como dorme, só sei que é forte, mal encarado e me causa
medo. Sei também que mora no início da avenida, próximo ao ribeirão Arrudas, em
uma pequena favela que ficou esquecida quando urbanizaram o entorno do rio,
definitivamente transformado em esgoto a céu depois de ser retificado e canalizado.
Hoje, parado no semáforo, novamente o vi em
uma de suas idas e vindas pela avenida. Comecei a pensar sobre sua provável origem
e sobre qual deve ser sua visão de mundo. Deve ser analfabeto, deve morar sozinho, não vota, não lê jornal,
não sabe nomes de ruas, não torce para nenhum time de futebol, não dá notícia de nada, não tem empatia
por ninguém. Foi aí que me ocorreu que, para ele, o mundo deve ser linear, unidimensional. O mundo que conhece não é redondo nem colorido nem alegre, é apenas uma
serpente coberta de asfalto preto, resume-se apenas à avenida por anda
diariamente, às vezes empurrando um carrinho de supermercado de que se apoderou, às vezes trazendo
na mão uma pequena garrafa pet ou bucha de pano embebida em algum
solvente, que cheira compulsivamente.
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