domingo, 25 de fevereiro de 2018

ÁLBUM DE CASAMENTO - "VERSÃO DO DIRETOR"

MAKING OF

Os posts Álbum de Casamento" 1 e 2 já publicados no Blogson foram escritos a partir da consternação que senti ao tentar ajudar (inutilmente) uma pessoa próxima. Pouco tempo depois que eu e minha mulher nos casamos, aconteceu o casamento dessa amiga. O fotógrafo (Paulinho) foi o mesmo nas duas cerimônias. A diferença é que só nós mandamos fazer o álbum. Muitos anos depois esse casal separou-se e ela às vezes lamentava nunca terem se preocupado em fazer o álbum de casamento. Como sou fissurado em retratos antigos, eu e minha mulher resolvemos bancar os detetives, pois tínhamos o endereço antigo do fotógrafo. Encontrar as tais fotos pelas quais o ex-marido aparentemente nunca  manifestou muito interesse não era um desejo totalmente desinteressado, pois fomos padrinhos do casal. A história dessa busca está descrita na segunda parte do texto. 

Como fiquei realmente entristecido com o resultado da busca, resolvi criar uma conversa telefônica que introduzisse o assunto. E viajei na maionese. Imaginei uma cena ainda com algum rancor, uma pitada de chantagem emocional e melancolia, adequados a sentimentos ainda não de todo resolvidos. No texto inteiro, embora seja um diálogo, só se conhece a fala de quem recebeu o telefonema, um homem que se aproveita da ligação para dar alfinetadas chorosas e melodramáticas na ex-mulher (nada disso aconteceu na vida real. Aliás, quem pediu a separação foi o marido). Caso alguém se interesse, pode imaginar tudo o que não se ouviu. Foi assim que surgiu a primeira parte.

Para mim, o melhor trecho da segunda parte é justamente aquele "Adeus" fictício do final, sem ênfase, sem emoção. Relendo tudo agora, vejo que o texto (especialmente a primeira parte, da qual gostei mais no início) ficou menos que meia boca. Muito dramalhão mexicano e pouca literatura.

E antes que eu me esqueça, eu sempre utilizo expressões do tipo "making of" e "versão do diretor" a título de piada!. Sou presunçoso, mas não totalmente idiota.


PRIMEIRA PARTE

- Alôu!

- Alô! Quem está falando?

- Quem?

- Não acredito! Uma janela para o passado acabou de se abrir! Está tudo bem com você?

- Demorou, mas agora eu estou bem.

- Pois é... E o que te fez ligar para mim depois de tanto tempo?

- Ahn? Álbum de retratos?

- Você quer ver nosso "álbum de casamento"? Mas nós NÃO TEMOS UM ÁLBUM, NUNCA TIVEMOS! Aliás, foi você que nunca quis mandar fazer!

- Não estou brigando! Não tenho mais vontade nem energia para brigar com você.

- Eu sei, no início você queria escolher as fotos. Mas o tempo foi passando, você nunca tinha tempo, e as ilusões e os sonhos logo começaram a se desmanchar. E nós tínhamos tantos sonhos!

- Não estou te culpando de nada! Nós já brigamos tanto para saber quem estava com a razão! Pode acreditar, esses são momentos que eu não quero repetir.

- Não se preocupe, está tudo bem. Mas, voltando ao álbum, o que você pretendia fazer com ele depois de tanto tempo?

- Entendi. É engraçado..., hoje, mais do que antes, eu curto ver fotografias, imagens de pessoas queridas que já morreram, fotos de quando eu era criança... E é isso que você quer resgatar? Fotos de alguns momentos em que ainda acreditávamos em um futuro comum? É isso? E nós fizemos tantos planos!

- Não estou forçando barra nenhuma, estou dizendo o que sinto e me lembrando do que senti naquele dia. Toda aquela gente sorrindo para nós e nos cumprimentando... E você estava tão linda!

- Você está chorando? Não precisa desligar, não há motivo, não há mais motivo para isso! Desculpe-me o que eu disse. Eu me deixei levar pelas lembranças e acabei me emocionando também.  Não sei por que, me lembrei daquela música do Paulinho da Viola que você amava.

- É claro que você se lembra! Sinal Fechado! Lembrou agora?

- Você nunca se ligou que ela, sem que nos déssemos conta disso, prenunciava nossa vida?

- Como não? E essa frase "Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro". Ou essa: "Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios". Você estava sempre com pressa, parecia pensar mais na sua profissão que no nosso casamento...  E nós éramos tão jovens!

- Eu sei que você queria se realizar profissionalmente, nunca fui contra isso. Só se fosse louco. O que eu sei é que...

- Espera, deixa eu completar! Aos poucos eu fui notando que, para você, nosso casamento tinha perdido o brilho, estava se dissolvendo.

- Foi culpa minha também! Acho que a última vez que eu te falei para fazermos o álbum - que já estava pago! - você torceu a boca sem perceber, fazendo uma cara de desconsolo ou descaso, como se dissesse -"agora talvez seja tarde!". E é esse álbum que você deseja ver agora?

- Eu sei, eu já tinha ciúmes antes, sempre fui inseguro! Mas a sua expressão me deixou mais inseguro ainda, mais ciumento.

- Bom, não quero tomar seu tempo com sentimentalismo, com esse tipo de lembranças. Se é isso o que você quer, vou procurar o Paulinho fotógrafo e pedir que ele faça nosso, ou melhor, seu álbum de casamento. Acho que ainda tenho o endereço dele. Te ligo assim que tiver notícia.


SEGUNDA PARTE

- Alô? Sou eu, claro! Já se esqueceu da minha voz?

- Demorei a ligar porque custei muito para achar o endereço dele. Mas as notícias não são boas.

- Calma, não há mais pressa. Eu fui até o endereço que eu tinha, mas encontrei um bar onde antes era o estúdio dele. Ele morava no fundo do imóvel. Perguntei ao dono do bar se ele sabia do Paulinho, se havia se mudado. Nem conhecia. Um freguês do bar me indicou uma casa próxima, e disse que a família dele ainda morava lá.

- Não, não o encontrei. Bati a campainha, veio uma senhora e eu perguntei pelo Paulinho. Ela me disse que era a viúva dele. Eu quase caí duro. Aí contei do álbum de casamento e perguntei onde estariam os negativos, já imaginando que teria de procurar uma agulha em palheiro, como no ditado. Mas ela deu o golpe final: contou que pouco tempo antes de morrer e já quase cego, o Paulinho colocou todos os negativos e fotos que tinha em um quartinho sem laje, nos fundos da casa. Em um dia de tempestade muito forte, os ventos arrancaram algumas telhas do quartinho e a chuva pesada que caia fez o resto.

- Pois é, eu também fiquei em choque. Perguntei se não tinha sobrado nada, mas ela disse que a maior parte tinha se estragado e, por isso, depois da morte dele, a família resolveu jogar tudo fora. Mas que traria o que conseguiram recuperar. Voltou com alguns negativos de outros casamentos, mas nenhum do nosso.

- Quer saber? Não sei se foi assim tão ruim. Veja bem, o que esse álbum significaria agora? Além de mostrar você tão linda, vestida de noiva, o que mais representaria? Seria um testemunho do nosso fracasso, dos nossos enganos, dos sonhos desfeitos, das ilusões perdidas? (Pô, isso ficou parecendo música de corno!).

- Não estou brincando, falo sério. Acho que a perda dos negativos do nosso álbum é um fecho definitivo para o que foi nosso casamento, concorda? É melhor que as lembranças sobrevivam apenas em nossas mentes. Assim, podemos escolher se ficamos com as melhores ou as piores. Com o passar do tempo, nem isso.

- Não precisa agradecer! Foi legal conversar outra vez com você, ouvir de novo sua voz. 

- Não, acho que não... Não temos mais nada a falar.

- Não se cola vidro quebrado, sabe? Ainda mais depois de tanto tempo...

- OK, outro para você. Cuide-se.

- Adeus.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

ALORS, T'AS DIT OU T'AS PAS DIT?

A primeira das três postagens dedicadas aos aforismos de Voltaire começa com uma frase a ele atribuída, só que não! Como foi perseguido e pr...