segunda-feira, 28 de agosto de 2017

MOAGEM

Entre quatro e cinco da manhã eu acordo. A televisão está ligada (ela está sempre ligada) e um telepastor vocifera ameaçadoramente uma oração ou exibe os milagres operados em sua igreja (numa prova de que o diabo existe e é um gozador). Apesar do som baixo do aparelho, não consigo mais dormir. O controle remoto está debaixo do travesseiro de minha mulher. Sento-me na beirada da cama por alguns instantes (como ensinou o cardiologista). Estou definitivamente desperto. Levanto-me meio trôpego e vou ao banheiro. Olho com inveja para minha mulher, que dorme tranquilamente. Minha boca está seca. Arrasto-me até a cozinha e bebo um gole de água. Mais um gole para tomar os remédios de hipotireoidismo e hipertensão. Entro no quarto onde o computador está sempre ligado. Sem acender a luz, ligo o monitor e acesso o Blogson ou o Facebook. Fico por ali até dar seis horas, quando o despertador toca e acorda minha mulher. Volto à cozinha, faço um sanduíche de pão de forma com queijo cottage e preparo para mim um café com leite, com leite gelado, adoçante e o café que sobrou do dia anterior. Preparo também um capuccino para minha mulher . Tomo meu café enquanto leio a revista Veja ou algum livro. Coloco comida e água para o Zulu, que já está meio enlouquecido de fome. Aproveito para dar a ele o comprimido que toma duas vezes por dia. Vou ao banheiro levando um sudoku para fazer. Lavo minhas mãos e volto ao computador. Nenhuma alteração. Começo a preparar um café novinho. Enquanto a água vai esquentando, lavo a garrafa, moo os grãos de café, coloco no coador de papel e espero a fervura. Coado o café, tomo o primeiro do dia, adoçado com dez gotas de sucralose (meus filhos condenam isso, mas não ligo). Levo um café quentinho para minha mulher e volto ao computador. Nada de novo. Resolvo lavar algumas vasilhas sujas na noite anterior. Às vezes molho as plantas, às vezes não. Se há roupas para lavar, limpo a poeira de asfalto depositada nos varais enquanto minha mulher separa as peças sujas, dividindo-as por categorias (“roupas escuras”, “de ficar em casa”, de "de sair", “toalhas de banho”, “lençóis, fronhas e toalhas de mesa”, etc.). Começo a colocá-las na máquina de lavar. À medida que os ciclos de lavagem se sucedem, tomo mais um café e olho o computador outra vez enquanto a máquina não para. Ao fim de cada ciclo estendo algumas roupas no varal e coloco outras na secadora. Essa rotina ocupa praticamente toda a primeira parte do dia. Depois, enquanto minha mulher vai preparando o almoço, tento ajudá-la cortando ou picando algum alimento. Às vezes dou uma olhada no computador e tomo mais um café. Como uma fruta e a ansiedade começa a se manifestar. no desejo de comer alguma coisa Chegada a hora do almoço, tento me alimentar de forma regrada e com calma. Acesso novamente o blog e o Facebook. Tento escrever alguma coisa ou ler algum livro, mas começo a cochilar. Levanto-me, tomo mais um café e às vezes saímos para fazer compras no supermercado. No meio da tarde começo a fazer novo café. Enquanto vê televisão, minha mulher fica absorta com costuras e outros de seus quefazeres. Leio algum livro ou mexo no computador. Ultimamente, para cumprir uma promessa que fiz em 1997, temos ido à missa diariamente, às vezes pela manhã, outras à noite. Curiosamente, essa é uma atividade calmante e prazerosa graças às orações padronizadas da celebração, verdadeiros mantras católicos. Com exceção dos domingos e dos dias com missas de sétimo dia mais concorridas, a igreja fica extremamente vazia e silenciosa, com não mais que trinta pessoas presentes às celebrações. Durante a missa, meu olhar às vezes se volta para as velas acesas, atraído por seu brilho hipnótico e repousante. Vou à padaria todas as noites pois nunca comemos pão dormido. Vejo um pouco de jornal na televisão ou algum programa da TV a cabo, mas começo quase imediatamente a cochilar. Dou o segundo comprimido para o cachorro, tomo a segunda dose do remédio para hipertensão e faço um lanche. Tento ler mais um pouco mas começo a cochilar sem controle. levanto-me, escovo os dentes, tomo banho e deito-me para ver televisão, mas adormeço imediatamente. Assim, sem que eu preste atenção, mais um dia se passou.

Entre quatro e cinco da manhã eu acordo sento-me na beirada da cama por alguns instantes levanto-me meio trôpego e vou ao banheiro olho com inveja para minha mulher que dorme tranquilamente minha boca está seca vou até a cozinha e bebo um gole de água mais um gole para tomar os remédios de hipotireoidismo e hipertensão vou para o quarto onde o computador está sempre ligado sem acender a luz ligo o monitor e acesso o blog ou o Facebook fico por ali até dar seis horas quando o despertador toca e acorda minha mulher volto à cozinha faço um sanduíche de pão de forma com queijo cottage preparo para mim um café com leite com leite gelado adoçante e o café que sobrou do dia anterior preparo também um capuccino para minha mulher tomo meu café enquanto leio a revista veja ou algum livro coloco comida e água para o Zulu que já está meio enlouquecido de fome aproveito para dar a ele o comprimido que toma duas vezes por dia vou ao banheiro levando um sudoku para fazer lavo minhas mãos e volto ao computador nenhuma alteração começo a preparar um café novinho: enquanto a água vai esquentando lavo a garrafa moo os grãos de café coloco no coador de café e espero a fervura coado o café tomo o primeiro do dia adoçado com dez gotas de sucralose levo um café quentinho para minha mulher e volto ao computador nada de novo resolvo lavar algumas vasilhas sujas na noite anterior enquanto minha mulher vai preparando o almoço tento ajudá-la cortando ou picando algum alimento às vezes dou uma olhada no computador e tomo mais um café como uma fruta e a ansiedade começa a se manifestar chegada a hora do almoço tento me alimentar de forma regrada e com calma acesso novamente o Blogson e o Facebook tento escrever alguma coisa ou ler algum livro mas começo a cochilar levanto-me tomo mais um café e às vezes saímos para fazer compras no supermercado no meio da tarde começo a fazer novo café enquanto vê televisão minha mulher fica absorta com costuras e outros de seus quefazeres leio algum livro ou mexo no computador temos ido à missa diariamente às vezes pela manhã outras à noite vou à padaria todas as noites pois nunca comemos pão dormido vejo um pouco de jornal na televisão ou algum programa da TV a cabo mas começo quase imediatamente a cochilar dou o segundo comprimido para o cachorro tomo a segunda dose do remédio para hipertensão e faço um lanche escovo os dentes tomo banho e deito-me para ver televisão mas adormeço imediatamente. Domingo, segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado, a rotina se multiplica. Assim, sem perceber, mais uma semana se passou.

Entre quatro e cinco da manhã eu acordo sento-me na beirada da cama por alguns instantes levanto-me meio trôpego e vou ao banheiro olho com inveja para minha mulher que dorme tranquilamente minha boca está seca vou até a cozinha e bebo um gole de água mais um gole para tomar os remédios de hipotireoidismo e hipertensão vou para o quarto onde o computador está sempre ligado sem acender a luz ligo o monitor e acesso o blog ou o Facebook fico por ali até dar seis horas quando o despertador toca e acorda minha mulher volto à cozinha faço um sanduíche de pão de forma com queijo cottage preparo para mim um café com leite com leite gelado adoçante e o café que sobrou do dia anterior preparo também um capuccino para minha mulher... Passa uma semana, passa mais uma, passam duas, três. Assim, sem que eu me dê conta disso, mais um mês se passou.

Entre quatro e cinco da manhã eu acordo sento-me na beirada da cama por alguns instantes levanto-me meio trôpego e vou ao banheiro olho com inveja para minha mulher que dorme tranquilamente minha boca está seca vou até a cozinha e bebo um gole de água mais um gole para tomar os remédios de hipotireoidismo e hipertensão vou para o quarto onde o computador está sempre ligado sem acender a luz ligo o monitor e acesso o blog ou o Facebook... Os meses se sucedem: janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro, dezembro. E assim, sem que eu perceba, mais um ano se passou.

Entre quatro e cinco da manhã eu acordo sento-me na beirada da cama por alguns instantes levanto-me meio trôpego e vou ao banheiro olho com inveja para minha mulher que dorme tranquilamente minha boca está seca vou até a cozinha e bebo um gole de água... A rotina diária é opressiva, asfixiante e tem a lentidão de um veículo enguiçado que está sendo empurrado, mas os anos passam velozes como carros em estradas sem radar. Em nenhum desses casos ninguém nunca se dá conta de nada. E assim, sem que se perceba, a vida vai se aproximando silenciosamente de seu final.












3 comentários:

  1. Gostei muito. Li o texto todo, sem pular nada e não tive como escapar de pensar como o teria escrito. Aguarde.
    "J"

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  2. Bacana o texto. Embora ele seja a contemplação de uma rotina não contemplada e da qual desejamos às vezes fugir, é interessante pensar também que, no outro lado da moeda, quando acordamos metamorfoseados em um inseto gigante, tudo que queremos é retomar nosso dia a dia.

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    1. Talvez faça parte da natureza humana - pelo menos em alguns momentos - querer estar onde não se está.

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