Minha sogra morreu acreditando que eu era uma
pessoa boa. Em vão tentei demovê-la dessa ideia. Dizia-lhe que não me conhecia,
que eu não era o que ela pensava de mim. Muitas pessoas também incorrem no mesmo
erro. Uma vez, uma senhora idosa me disse: “Deve ser muito bom ser sua mãe!”. Coitada!
Esse engano nasceu da máscara que escolhi
usar para me proteger do mundo: ser gentil, atencioso, sorridente e “bom”. Não
que eu seja um canalha, mas “príncipe da bondade”, jamais – embora, às vezes,
até eu acredite nessa persona fabricada. Por isso, quando li o Poema em Linha Reta, de
Álvaro de Campos/Fernando Pessoa, foi como tomar a pílula vermelha de Matrix: era eu que estava
ali!
O tempo passou, mas cada vez mais eu me identifico com o poeta
fingidor. E por já ter publicado aqui no blog seus versos
magníficos, pensei em publicar uma análise do poema feita por quem entende do assunto.
Encontrei um texto bacana, mas não sei a quem atribuir sua autoria. A única coisa
que sei é que gostaria de tê-lo escrito. E é essa análise do "meu" retrato
que transcrevo a seguir, junto com o conselho deixado por meu ídolo George Harrison:
“Watch out now, take care, Beware of soft shoe shufflers” (Fique atento, tome cuidado com os trapaceiros de passos sorrateiros).
Análise/Comentário
sobre Poema em Linha Reta
Escrito
sob a voz do heterônimo Álvaro de Campos, Poema em Linha Reta é uma das
composições mais marcantes de Fernando Pessoa justamente porque toca numa
ferida universal: a dificuldade de assumir nossas fraquezas diante de um mundo
que exige máscaras de perfeição.
Logo nos primeiros versos, o sujeito poético apresenta a premissa central — todos os seus conhecidos são “campeões”, sempre vencedores, sempre corretos, como se a vida lhes fosse uma linha reta sem tropeços. A ironia é evidente: Campos denuncia a hipocrisia social, o fingimento coletivo que elimina do discurso público qualquer falha, derrota ou imperfeição.
Na segunda parte, ele desloca o olhar para si mesmo e expõe, com brutal sinceridade, seus defeitos e vergonhas. Assume-se ridículo, covarde, mesquinho, parasita, alguém que foge de confrontos e se angustia com ninharias. Essa autodepreciação, longe de ser mero exibicionismo, funciona como contraste à postura idealizada dos outros. É como se dissesse: “Eu erro, eu falho, eu sofro — por isso sou humano. E vocês?”.
Na última parte, vem o desabafo mais contundente. O poeta acusa seus contemporâneos de viverem como “semideuses”, sem jamais admitirem uma infâmia, uma covardia, um ridículo que seja. Cansado dessa encenação, ele não pede que confessem grandes crimes, mas ao menos que assumam pequenas falhas — porque só assim a vida deixa de ser essa falsa “linha reta” e passa a refletir a verdade: um percurso cheio de desvios, contradições e quedas.
O tom do poema é de indignação, frustração e tédio, mas também de desejo de autenticidade. A linguagem — carregada de anáforas, ironias e versos longos e livres — traduz a urgência e a ansiedade do sujeito lírico, que se sente isolado no meio de tantos “campeões” irreais.
Dentro da trajetória de Álvaro de Campos, Poema em Linha Reta pertence à fase mais intimista, em que o heterônimo já não é o engenheiro futurista deslumbrado com a modernidade, mas o homem abatido, desencantado e consciente de sua própria fragilidade.
Mais do que um retrato pessoal, é uma crítica social que permanece atual: vivemos cercados de discursos de sucesso, imagens impecáveis e narrativas de vitórias, como se falhar fosse proibido. Nesse contexto, o poema ressoa profundamente porque nos lembra de que só há humanidade na imperfeição.
Em última análise, Poema em Linha Reta é um convite à coragem de ser imperfeito — de aceitar nossas quedas e de reconhecer que ninguém vive apenas de glórias. Pessoa, por meio de Campos, nos mostra que assumir o ridículo é talvez o gesto mais autêntico que podemos ter diante de um mundo que insiste em posar de “príncipe”.
“Watch out now, take care, Beware of soft shoe shufflers” (Fique atento, tome cuidado com os trapaceiros de passos sorrateiros).
Logo nos primeiros versos, o sujeito poético apresenta a premissa central — todos os seus conhecidos são “campeões”, sempre vencedores, sempre corretos, como se a vida lhes fosse uma linha reta sem tropeços. A ironia é evidente: Campos denuncia a hipocrisia social, o fingimento coletivo que elimina do discurso público qualquer falha, derrota ou imperfeição.
Na segunda parte, ele desloca o olhar para si mesmo e expõe, com brutal sinceridade, seus defeitos e vergonhas. Assume-se ridículo, covarde, mesquinho, parasita, alguém que foge de confrontos e se angustia com ninharias. Essa autodepreciação, longe de ser mero exibicionismo, funciona como contraste à postura idealizada dos outros. É como se dissesse: “Eu erro, eu falho, eu sofro — por isso sou humano. E vocês?”.
Na última parte, vem o desabafo mais contundente. O poeta acusa seus contemporâneos de viverem como “semideuses”, sem jamais admitirem uma infâmia, uma covardia, um ridículo que seja. Cansado dessa encenação, ele não pede que confessem grandes crimes, mas ao menos que assumam pequenas falhas — porque só assim a vida deixa de ser essa falsa “linha reta” e passa a refletir a verdade: um percurso cheio de desvios, contradições e quedas.
O tom do poema é de indignação, frustração e tédio, mas também de desejo de autenticidade. A linguagem — carregada de anáforas, ironias e versos longos e livres — traduz a urgência e a ansiedade do sujeito lírico, que se sente isolado no meio de tantos “campeões” irreais.
Dentro da trajetória de Álvaro de Campos, Poema em Linha Reta pertence à fase mais intimista, em que o heterônimo já não é o engenheiro futurista deslumbrado com a modernidade, mas o homem abatido, desencantado e consciente de sua própria fragilidade.
Mais do que um retrato pessoal, é uma crítica social que permanece atual: vivemos cercados de discursos de sucesso, imagens impecáveis e narrativas de vitórias, como se falhar fosse proibido. Nesse contexto, o poema ressoa profundamente porque nos lembra de que só há humanidade na imperfeição.
Em última análise, Poema em Linha Reta é um convite à coragem de ser imperfeito — de aceitar nossas quedas e de reconhecer que ninguém vive apenas de glórias. Pessoa, por meio de Campos, nos mostra que assumir o ridículo é talvez o gesto mais autêntico que podemos ter diante de um mundo que insiste em posar de “príncipe”.
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