quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

MINHA VIDA É UM ALGORITMO

Acredito estar perdendo minha capacidade de "delirar" de olhos abertos. "Mas deve ser da idade", como cantou a Marina Lima. Por isso, às vezes recorro a lembranças mais antigas para desencavar algum papo-cabeça. Como este, por exemplo. Tenho um amigo que, um dia, enquanto conversávamos fiado em sua casa, fez uma descrição interessantíssima de como enxergava a Vida e o ato de morrer – o que mexeu com minha imaginação.

Para ele, a vida seria como um caminho cercado que leva o gado ao matadouro, que iria se afunilando quanto mais se andasse. No início, as cercas estão tão distantes que ninguém se preocupa com a existência delas. À medida que passam os anos, a cerca vai se aproximando, se aproximando, de tal forma que, quando nos damos conta, não há mais como escapar do abate. E disse rindo que a solução era “meter coices na cerca, para ela se afastar um pouco”.

A imagem bem arquitetada me fascinou. Gostei tanto que até ampliei o conceito: quando somos crianças, nem sequer sabemos da existência de cercas. Olhamos para os lados enquanto caminhamos e não vemos limites na paisagem. Aos poucos, aumentando a idade, começamos a perceber algo na linha do horizonte.

Ontem, lembrando-me disso, fiquei pensando nas inúmeras variáveis que afetam a vida de cada um, a sucessão de escolhas e decisões que tomamos desde que nascemos. Daí veio a ideia de que a vida de cada um é como se fosse um algoritmo, uma equação matemática complexa e sofisticada, com um sem-número de elementos, variáveis, operações e incógnitas, que tentamos diariamente solucionar.

Alegoricamente falando, quando estamos ainda na infância, preocupamo-nos apenas com operações de soma, que nos dão alegria – e subtração, que nos provocam decepção e choro.

Chegando à adolescência, continuamos alegremente nas tarefas de somar e subtrair, mas incorporamos também as operações de multiplicar. Quando nos casamos e vêm os filhos, passamos também a trabalhar com divisão.

Em determinado ponto da vida, alguns começam a cogitar sobre as inúmeras variáveis e incógnitas – verdadeiros números complexos – que impedem o entendimento da equação. Nesse ponto, em um passado remoto, provavelmente foi imaginada a existência de deuses diversos, que explicariam as inúmeras questões existentes – origem da vida, origem do universo, doenças, sol, lua, fertilidade e todo tipo de situação que causava ansiedade, medo ou perplexidade nos nossos antepassados.

Não é demais imaginar que, para muitos, a equação estava resolvida. Outros, entretanto – talvez uma meia dúzia de gatos pingados – continuavam a exercer sua curiosidade, recusando uma solução mágica, tipo “hocus pocus”. A ciência que surgiu daí foi, devagarzinho, expulsando, reduzindo e empurrando a influência dos deuses e das religiões para mais longe, à medida que os fenômenos naturais iam sendo explicados e que muitas incógnitas iam sendo identificadas.

Mesmo assim, até hoje, quando ouvimos falar de conceitos cuja existência nem suspeitamos tal a complexidade de raciocínio envolvida, continuamos com várias incógnitas para identificar, para que a equação enfim seja solucionada – tal como no tempo de escola, quando o professor escrevia ao final de um teorema demonstrado: “c.q.d” (os mais pedantes usavam “q.e.d.”).

Hoje, ouvimos falar da “ilusão” da “dimensão” tempo, que só existiria porque existe um observador, ficamos perplexos com as informações sobre os limites do universo e sobre as partículas subatômicas, ficamos boquiabertos com as informações contidas nos genes e nas moléculas de DNA. Alguns se intrigam com a ideia do Big Bang ou do Big Crunch (a maioria nem sequer ouviu falar disso!), a respeito da idade do universo e coisas semelhantes, noções e ideias entendidas apenas por um punhado de “malucos”, gênios de mente brilhante e inquieta, mas coisas incompreensíveis para a maioria absoluta da população.

Tudo isso mexe com as posições de Deus na equação, usado para explicar incógnitas ainda não definidas. Os cristãos fundamentalistas são pródigos nesse uso. Já os católicos, mais sensatamente, comportam-se tal como disse alguém: “à medida que a Ciência avança, a Religião recua”. Para entender isso, dito sem crítica e sem ironia, basta lembrar Galileu, Giordano Bruno e outros.

Quando envelhecemos, mais aumenta nosso desejo de ver nossa equação resolvida. Afinal, a “cerca” vai se aproximando mais e mais... Com isso, surgem perguntas a respeito de algumas incógnitas que talvez nunca sejam respondidas: Qual o sentido da vida? Como e por que a vida surgiu? A vida seria apenas consequência de um capricho de moléculas de carbono delinquentes e sem mais o que fazer? O que há após a morte? Existe Céu, existe Inferno? Todas essas perguntas, volta e meia, provocam comichões na mente, que não consegue encontrar uma explicação que atenda à Razão – a não ser pela Fé.

Penso que quanto mais envelhecemos – quando aumenta a percepção de finitude da vida (jovem sabe que a vida é finita, mas nem se lembra disso – ainda bem), quando percebemos que a Vida não demora tanto a nos abandonar, o cérebro, acompanhando o cansaço do corpo, começa a silenciar as inquietações, a acalmar a busca pela identificação das incógnitas que ainda restam. A mente e o corpo começam apenas a contemplar a solução do problema, a esperar que se processe o resultado final da equação.

Que pode ser zero. Ou infinito...

4 comentários:

  1. Que pode se o zero. Ou o infinito...
    Ficou muito bom esse fechamento.
    Eu, particularmente, como ateu, prefiro que seja o zero, pois se houver um infinito, acho que o meu filme estará queimado por lá, quando eu chegar.

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    1. pode parecer uma ideia maluca, mas eu tenho uma espécie de "visão mercadológica" dos textos que escrevo, pois muitas vezes penso no final primeiro, para só então desenvolver a ideia. Ou seja, o final é que define a "pegada" do texto.
      Quanto a "queimar", mmelhor o filme quer a rosquinha. "Pãããããããta que o pariu!!!!!"

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    2. Olha, embora ocorra com frequência, não vou dizer que penso também sempre no final, mas já deixei de publicar algumas postagens porque não achei um final que considerasse bom pra elas.

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    3. Nisso é que dá nossa diferença de idade: eu nunca deixei de publicar nada por não ter gostado do final. Em compensação, deixei de publicar alguns por ter esquecido o que queria dizer. Eu interrompia o texto por algum motivo qualquer. Tempos depois, ao retomá-lo, nem sonhava mais o que pretendia comentar. Foda!

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