quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O PÃO DO DR. TRAJANO


Uma das pessoas com quem mais gostei de trabalhar era um engenheiro aloprado, literalmente aloprado e engraçadíssimo, um sujeito que caminhava no limite da sanidade mental. Talvez por isso eu gostasse de trabalhar com ele, pois sempre me identifiquei com gente descompensada, excêntrica, imprevisível  e, obrigatoriamente, inteligente. Eu era seu subordinado e rolava de rir com as observações e casos bizarros que contava. Um desses casos é a história do pão do Dr. Trajano.

Segundo ele, o Dr. Trajano era um homem sistemático e obcecado com limpeza e higiene (Freud explicaria isso fácil, fácil). Por conta dessa obsessão, não aceitava que as balconistas da padaria embalassem o pão que comprava todo dia. Para evitar esse contato, levava de casa o saco de papel a ser utilizado e o entregava diretamente aos padeiros. Assim, tão logo o pão saia do forno, era separado, embalado e deixado à disposição do neurótico freguês. Bom, era isso que o Dr. Trajano acreditava acontecer. O que ele não sabia é que o pão tão zelosamente aguardado recebia dos padeiros um tratamento VIP antes de ser embalado.

- “Ô gente, olha o pão do Dr. Trajano!” A partir desse momento o pão era passado por várias mãos, esfregado na bunda, no saco, arremessado para lá e para cá, usado para fazer embaixadinhas, enfiado dentro da calça de algum funcionário mais sem noção, sofrendo todo tipo de sacanagem até ser cuidadosamente colocado no saco de papel trazido pelo cliente.

Obviamente, jamais saberei se essa esculhambação realmente aconteceu, embora creia que talvez possa ser verdade, pelo menos parcialmente. E digo isso, pois sou permanentemente tentado a acreditar que no universo das relações sociais e ciências humanas não existem verdades absolutas nem certezas definitivas. Para mim, os fundamentalistas da religião ou da política, os fanáticos, os radicais e todos que padecem da "Síndrome da Divindade Adquirida" (aqueles que imaginam que o mundo deve ser igual à sua imagem e semelhança) estão sempre sujeitos a "comprar o pão do Dr. Trajano". E o pior é achar que estão sempre certos!


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