quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

ERA SÓ UMA REUNIÃO DE EX-ALUNOS - 01



Eu nunca quis participar de reuniões anuais de ex-colegas. Logo depois de formado, fui convidado para umas duas ou três, mas depois de várias recusas, desistiram de me chamar. Para mim, tudo bem, pois sempre achei esses encontros um porre. Porque só vai quem está bem na fita, quem acabou de ganhar isso e aquilo. Ex-colega fodido não vai. Para quê? Para exibir suas dificuldades, seus fracassos, sua falta de grana ou desemprego? Não mesmo! Além do mais, nunca consegui criar vínculos sólidos de amizade com os colegas, pois, graças às muitas dependências que peguei, estava sempre em uma sala diferente, única forma de conciliar as matérias do semestre com as dependências que precisava concluir (acho que dá para imaginar o tipo de aluno que fui, concordam?).

Outro assunto que deve surgir nesses encontros são as lembranças de sacanagens com esse ou aquele professor (ou colega). Por mais paradoxal que seja - pois gosto de contar casos antigos - acho isso extremamente tedioso, coisa de gente saudosista. Afinal, uma coisa é registrar fatos e casos pitorescos do passado, outra é ficar salivando de saudade dos tempos idos. Por isso, o máximo que consigo é tentar imaginar os papos que rolam. Foi esse o motivo de tentar reproduzir o "lado negro" de uma dessas reuniões, quando alguém propõe que se contem casos de fracassos, medos, insucessos e fragilidades. Sinceramente, duvido que isso possa acontecer em um encontro de "doutores". Mesmo assim...


A reunião anual da turma de ex-colegas transcorria normalmente, com seu desfile previsível de egos anabolizados, relatos de viagens internacionais, carrões e sucesso profissional. Todos exibiam um pedantismo inexistente nos tempos de faculdade. Como tinham se formado há muito tempo, o numero de presentes diminuía a cada ano. Em certo momento, um deles fez uma proposta para tornar a reunião mais divertida.

- Que tal se cada um contasse uma história profissional que gostaria de ver reescrita, de nunca ter acontecido?

Olhar-se no espelho e admitir as próprias falhas e fracassos perante aquele grupo tão esnobe causou algum desconforto na maioria, com alguém logo reclamando:

- Eu não tenho nenhuma história desse tipo para contar. E se tivesse não contaria!
- Deixa de ser viado, conta logos os podres do passado!
- Já disse que não tenho! E já que esta reunião vai ficar esse "vale de lágrimas", vou aproveitar e me mandar mais cedo, pois tenho hoje um compromisso inadiável.

Abraços, cumprimentos e juras de "ano que vem estaremos aqui novamente" liberaram a saída do fujão, discretamente acompanhado por mais dois. E o silêncio instalou-se no meio do grupo.

- Quem começa?
- Já que a sugestão foi sua, pode começar.
- Conta aí, Fred!
- Bom, vocês sabem que eu fui o pior aluno da nossa turma, não é?
- O pior eu não sei, mas o mais escrotão, sim!

- Então... Eu tinha pouco tempo de formado quando me mandaram para uma obra no interior. A sorte é que por ser um contrato grande, havia mais engenheiros. Assim, se o bicho pegasse pro meu lado, eu tinha a quem recorrer. Um dia, um dos encarregados me procurou para saber o que fazer em determinado assunto da obra. Escutei o que ele me disse, não entendi porra nenhuma, mas dei nele o maior esporro: -"Se você, puta velha de construção que é, ainda não sabe como fazer, não sou eu que vou te ensinar"! Virei as costas e saí rapidamente dali. Me dei bem, não?

- O coitado do encarregado deve ter xingado umas dez gerações de sua família!
- Ah, ah, ah! Depois disso, ele passava longe de mim.
- Grande filho da puta, isso sim! Quem é o próximo agora?.

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