- Eu sou
uma fraude!
- Fraudador
você sempre aparentou ser, mas, fraude, nunca imaginei. Você usa peruca?
- Porra,
lógico que não!
- Já
sei! Você usa prótese no pau!
- Caralho,
também não, idiota! Querem ou não ouvir minha história?
- Vai,
faz mais uma lavação de roupa velha...
- Bom,
como todos os que já falaram até agora, eu também fui um aluno medíocre. Eu queria ser
calculista, mas não consegui estágio nessa área.
-
Graças a Deus! Já pensou construir um prédio calculado por você? Eu não
passaria nem perto!
- Se
ficar me gozando eu paro de contar essa merda! Continuando: também não arranjei
estágio em obra grande. Assim, depois de formado, eu cagava de medo de me
contratarem para tocar uma obra, qualquer obra. Porque uma coisa é ser estagiário
burro, outra coisa é ser engenheiro toupeira. Por isso mesmo, eu xerocava tudo
o que aparecia pela frente. Mas tudo mesmo, até catálogos de equipamentos
estrangeiros. E foi
assim que eu acabei por entrar na área comercial, pois ninguém nunca quis me
contratar para tocar obra ou para ser calculista.
- Só um
aparte... Pessoal, vocês estão ouvindo memórias de alguém que esteve na pré-história
da Lavajato.
- Claro
que não, pois só trabalhei em empresa de merda, só em gatinha. Bem que eu
gostaria de ter trabalhado em uma daquelas grandonas! Mas, voltando ao assunto
principal, eu tinha muita vergonha de demonstrar minha ignorância,
principalmente por ela ser real. Então, eu tentava emular tudo o que os colegas
falavam ou faziam, tentava aprender por osmose o que eu nunca consegui
realmente saber. Tudo o que eu fazia era repetir uma “receita de bolo” criada
por quem entendia do que estava falando. Lembrando o Djavan, o que eu fazia eram
tentativas de “aprender japonês em Braille”. E o pior é que os diversos chefes
aceitavam, talvez por sentirem pena de mim – ou até eu cometer algum erro grosseiro.
Aí a regra do pé na bunda era aplicada. E foi assim até que eu conseguisse um
empreguinho público, onde a mediocridade é aceita sem muito problema.
Hoje, olhando
para trás e vendo que eu poderia ter feito e não fiz, o que poderia ter sido e não
fui, acabo entrando em depressão, acabo sentindo vergonha de mim. Essa deve ser
a explicação de quase ter virado alcoólatra. Eu, infelizmente, sempre fui uma
fraude.
- Pessoal,
acho que deveríamos parar com esses depoimentos, pois está todo mundo agora com
cara de luto. Essa não foi definitivamente uma boa ideia.
- Eu também gostaria de fazer meu depoimento, só para encerrar o assunto. Aliás, nem é
depoimento, é um comentário sobre esta reunião..
- OK,
manda lá.
- Vocês
ainda não se deram conta de que estamos todos mortos? Vocês realmente
acreditaram que um engenheiro padrão assumiria publicamente suas falhas e erros sem problemas? Nós estamos fisica e mentalmente mortos!
- Isso é besteira, você só bebeu mais que os outros!
- Engano seu! Você,
Tonico, morreu de acidente um ano depois da formatura. Você, Wandick, morreu de
infarto uns cinco anos depois.Você, Toninho, morreu de câncer há uns vinte anos.
Já você, Luís - um aluno brilhante - suicidou-se. O Kênio tomou um tiro na
cara. E você, Fred “Boca de Égua”, também morreu infartado. Vocês estão mortos! Só
serviram para materializar meus pesadelos recorrentes, para eu expiar minha culpa.
Nesse momento, acordei assustado e sentei-me
na cama, A boca estava seca, os lábios pareciam estar colados e a noite ainda
demoraria muito a acabar. Mas sabia que não conseguiria dormir novamente.
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