Hoje, 07 de junho, é o aniversário de quatro
anos da criação do Blogson Crusoe (já
é um senhor!) e também de Jotabê,
o blogueiro de comportamento infantilizado, que comemora sessenta e oito
aninhos (pois é...). Nesses quatro anos, 1.295 posts foram divulgados, mais de
sessenta mil visualizações aconteceram - mesmo que uns 30% delas tenham sido
feitas pelo próprio autor. Muitos números, pouca significância.
Mas, para não deixar esta data memorável
passar em branco (e preto), resolvi divulgar um texto comemorativo, cheio
das cores vivas da paixão, da loucura e da perplexidade (esta é só
uma frase de efeito). Como imagino que ficará longo (ainda nem comecei a
escrever), será dividido em partes, bem ao estilo "Para gostar de ler" (duas páginas em fonte arial 12). Depois,
será postada a "Versão do diretor",
com o texto completo.
O estilo escolhido abriga-se na seção "Literatices", pois é ficcional,
apesar de traços auto e multi-biográficos (não daria para encarar esse tema a
seco). A história se passa no consultório de um terapeuta da linha freudiana -
com direito até a divã. Por quê? Porque certas coisas, mesmo que
inventadas, normalmente são ditas apenas no consultório do terapeuta ou ao
padre, no confessionário (confissão auricular, entenderam?). Para não cair no
charlatanismo, tentarei limitar ao máximo as intervenções do profissional de psicologia (ainda vou
estudar essa merda!). Então, estamos combinados. E agora, Luzes, câmera, AÇÃO!
- Bom dia, doutor!
- Bom dia! Tenha a bondade de entrar.
- Obrigado.
- Como você disse já ter feito terapia, fique
à vontade para acomodar-se no divã.
- Já estava até com saudade! (mesmo que
quatro décadas tenham se passado).
(Silêncio)
- O senhor sabe o que me trouxe aqui?
- Não.
- Quando eu tinha vinte anos, fiz terapia por
ter medo da Morte, da dor. Hoje, tenho medo da Vida, da perda.
- Interessante...
(Silêncio prolongado)
- Como eu já sei que o senhor não vai dizer
nada, ou melhor, dirá alguma coisa quando eu menos esperar, vou dar uma
recapitulada na minha vida, ou ainda, no efeito do Medo ao longo da minha vida.
O senhor quer perguntar alguma coisa?
- Não.
- Posso substituir o “senhor” por “você”?
- Claro!
- Se eu ficar muito tempo em silêncio, pode
acontecer de estar cochilando, pois tenho andado muito cansado e insone.
(murmúrio ininteligível)
- Mesmo que eu não o esteja vendo, estou
enxergando um risinho de escárnio em sua boca! Mas, fique tranquilo, Com uma
hora de cinquenta minutos cobrada a preço de joia, pretendo aproveitar bem o
tempo.
- Fique à vontade.
(Silêncio muito prolongado)
- Creio que o Medo, tal como se fosse uma entidade demoníaca, instalou-se em mim muito
cedo, influenciando, pautando, balizando minha vida, minhas atitudes,
comportamento pessoal, profissional e caminhada. A primeira lembrança mais
nítida que tenho do efeito devastador do Medo em minha mente está relacionada à
gravidez de minha mãe.
Eu tinha dez anos quando ela ficou grávida de
meu irmão. Eu era uma criança presa, impedida de sair de casa para brincar com
a molecada das redondezas. O primeiro terapeuta disse uma vez que eu era “filho de mãe castradora”, expressão que
me causou algum desconforto. Por isso, por ser "inocente, puro e besta", eu nem sonhava o que seria “gravidez”. É ridículo isso (ainda mais
nos dias atuais), mas era a pura verdade.
Quando não estava na escola (que chamava-se
"grupo escolar" naquela
época), ficava pela casa ou quintal "idiotizando"
alguma coisa. Um dia, minha mãe sumiu. Perguntei onde estava e me disseram que
"tinha saído". Quando saía por perto, para alguma compra, logo voltava.
Se precisava ir “na cidade",
normalmente me levava. Mas aquela ausência prolongada era novidade, pois eu não
tinha ido com ela. Fui tomado por um desassossego, logo transformado em medo de
ser abandonado e, por fim, de desespero quase histérico.
A única salvação para mim era fazer promessa,
alguma promessa, qualquer promessa, para que ela voltasse. Não chorei, mas não
conseguia pensar em mais nada. Aí ela chegou com meu pai, falou alguma coisa
comigo e eu fui invadido pelo ódio mais cristalino, mais destilado, por ter-me
feito sofrer tanto ao pensar que iria perdê-la.
Essas ausências aconteceram outras vezes,
sempre gerando o medo mais mortal de ser abandonado. Ela saia com meu pai para
fazer o controle pré-natal, provavelmente uma vez por mês, mas eu não sabia. Como "sexo" era
assunto tabu em uma casa onde se ajoelhava às dezoito horas em frente ao rádio
na "hora do Ângelus", só fiquei sabendo que minha mãe estava grávida
já bem perto do dia do parto. Assim mesmo, graças à minha madrinha que passou a
ir lá todos os dias para dar uma força na arrumação de casa e almoço. Lembro-me
que fiquei surpreso com a notícia e assustado com o tamanho da barriga, nunca
notado antes. Lembro-me também do aspecto meio repulsivo de seus pés inchados
como uma bola, pois ela era bem magra.
- Bem, a sessão de hoje acabou.
- Já? Mas eu nem esquentei ainda!
- Na próxima, você continua...
- Hora de cinquenta minutos é foda!
- Até mais.
- Falou, doutor!
Foda, JB, apesar da sua inútil resistência, do seu notável protesto, você tem o talento patente em contar histórias. "Creio que o Medo, tal como se fosse uma entidade demoníaca, instalou-se em mim muito cedo, influenciando, pautando, balizando minha vida, minhas atitudes, comportamento pessoal, profissional e caminhada. A primeira lembrança mais nítida que tenho do efeito devastador do Medo em minha mente está relacionada à gravidez de minha mãe." Sensacional, sério mesmo.
ResponderExcluir"J'
Eu nem sei o que dizer! Para mim era só um texto normal, sem muita complicação. Foda mesmo é tentar imaginar um diálogo plausível que sirva para abordar um tema espinhoso. Valeu demais!
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