A primeira empresa onde trabalhei seguia um
protocolo meio bizarro: os engenheiros, o único arquiteto e os estagiários de
engenharia eram indistintamente tratados por “doutor”, enquanto os demais profissionais de nível universitário
(psicólogos, administradores, contadores e economistas) tinham de se contentar
em ser chamados de “senhor”. E eu, um
aluno relapso, irresponsável e medíocre, um legítimo doupone, um verdadeiro doutor
em porra nenhuma, adorava ser tratado com essa reverência equivocada.
Depois de formado - assim como acontecia
então com todos os engenheiros - continuei a ser chamado de "doutor".
Por conta disso, um dia, um vizinho que trabalhava com representação de
fábricas de fechaduras e ferragens provocou a situação mais tosca: sabendo onde
eu trabalhava, bateu lá, pedindo para falar com o "doutor Zezinho". Se pudesse, teria dado um tiro nele, tão puto
fiquei com essa falta de senso.
O tempo foi passando e as pessoas começaram a
"perder o respeito", passando a me chamar apenas pelo nome ou pelo
elegantíssimo "Botelho Pinto".
O "doutor" ficou reservado apenas aos flanelinhas ("E aí, doutor, o carro tá precisando dar uma
lavadinha e uma cera. É rapidinho!").
Hoje, aposentado - e, pior, idoso -,
espanto-me quando alguém me chama de "senhor"
ou de "Seu Zé", pois não é
essa a imagem que tenho de mim. Minha carteira de identidade mental ostenta
ainda o retrato de um homem mais jovem e mais sonhador. Mas cheguei à conclusão
de que preciso me ajustar e atualizar meu perfil, aceitar e assumir definitivamente a
idade cronológica que tenho.
Antes que isso aconteça, preciso resolver um paradoxo: quanto mais me chamam de "Seu Zé" mais eu vejo que "Meu" Zé não existe mais, talvez nunca tenha existido. A cada dia que passa sou menos Senhor de mim mesmo, cada vez mais distante dos sonhos e desejos irrealizados. Não sou senhor de nada! Como ser chamado de "Senhor" se nada mais tenho de meu, intrinsecamente meu? O "meu" Zé verdadeiro perdeu-se há muito tempo e nada pode agora resgatá-lo. Assim, quando alguém me chamar de "Seu Zé", pode acontecer de ficar tentado a perguntar "Cadê ele?", onde está ele, o meu Zé desaparecido, talvez até mesmo o doupone que eu fui um dia?
Antes que isso aconteça, preciso resolver um paradoxo: quanto mais me chamam de "Seu Zé" mais eu vejo que "Meu" Zé não existe mais, talvez nunca tenha existido. A cada dia que passa sou menos Senhor de mim mesmo, cada vez mais distante dos sonhos e desejos irrealizados. Não sou senhor de nada! Como ser chamado de "Senhor" se nada mais tenho de meu, intrinsecamente meu? O "meu" Zé verdadeiro perdeu-se há muito tempo e nada pode agora resgatá-lo. Assim, quando alguém me chamar de "Seu Zé", pode acontecer de ficar tentado a perguntar "Cadê ele?", onde está ele, o meu Zé desaparecido, talvez até mesmo o doupone que eu fui um dia?
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