Este texto é resultado de uma troca de e-mails com
um ex-colega que foi meu chefe no período imediatamente anterior a essa troca de mensagens. Era um sujeito muito culto e pedante.
Culto, pedante e antiquado. Culto, pedante, antiquado e chato. Por conta de sua transferência para outro estado e de um
texto atribuído ao Millôr Fernandes que enviei para ele, começou a me
bombardear com perguntas de todo tipo, sempre em linguagem empolada. Cada resposta
que eu dava era dissecada por ele, fazendo surgir novas perguntas. E eu, claro,
respondia a todas, mimetizando seu estilo.
O período cronológico correspondente vai de setembro
a dezembro de 2003. Uma parte dessa conversa fiada encontra-se a seguir. É
importante? Não, claro. Para que guardar então? Por representar a minha forma
de pensar quando tinha cinquenta e poucos anos. Isso interessa a alguém?
Sinceramente, creio que não. Faz parte da ideia de “não jogar conversa fora”. Obviamente,
um título idiota como esse é um trocadilho infame com os “Diálogos de Platão”
(que nunca li).
Na idade
primitiva da espécie, o homem tinha somente um dilema: ficar e lutar ou fugir e
sobreviver. Quais
dilemas sociais temos hoje, quando o inimigo não é individualizável, nem a
ameaça é explícita?
Não
acredito que só existissem esses dilemas. No bando, havia a submissão ao líder,
por exemplo. Penso mesmo que as sociedades primitivas eram mais complexas do
que tentamos acreditar. Hoje temos inúmeros dilemas que, em sua essência,
preservam as características primitivas. Exemplo: a subserviência do
subordinado em relação a seu chefe. Você já deve ter visto muitos profissionais
rindo de piadas infames, só porque eram contadas por seus superiores. Ou saindo
só junto ou depois do chefe, mesmo que exista um horário formal para entrada e
saída, só pelo receio de, não agindo assim, passar a imagem de pouco
profissionalismo. Vejo nas relações entre pessoas de níveis econômicos ou
sociais diferentes uma prostituição velada, suave e disfarçada do menos
aquinhoado pela sorte em relação ao "bam bam bam”.
O que atacamos e de que fugimos
hoje?
Atacamos
o que não compreendemos, o que nos amedronta, o que nos ameaça. Isso pode se
apresentar como comportamento bizarro ou inadequado segundo nosso julgamento, e por aí vai. Por outro lado,
fugimos de tantas coisas! Fugimos até de nós mesmos. Fugimos do que pode
tornar-se irreversível, fugimos de tarefas espinhosas, o escambau. Penso que a
humanidade é fujona por natureza.
O que de fato os pais ensinam aos
seus filhos?
Já
vou me adiantar sobre isso: os pais ensinam o que muitas vezes tentam esconder.
Tenho confirmado com meus filhos essa verdade. Os filhos observam e copiam o
que a linguagem corporal dos pais valida. Palavras mesmo, muito pouco efeito
causam.
Seriam os valores imutáveis?
Acredito
que os valores mudam com os costumes. E vice-versa. E não vejo que caminhem
sempre para um maior desregramento. Vejo isso como um movimento pendular, uma
hora avançando, outra retrocedendo. Um exemplo recente disso (com resultados
tristes e lamentáveis) é o Afeganistão do Talibã e suas burkas. É claro que nem
todo retrocesso é condenável. Pelo contrário. Seria como o que se convencionou
chamar de “chave de arrumação”: uma freada de ônibus para ajustar os
passageiros (para caber mais gente). Então, bem-vindos os novos valores (ou a
crítica dos antigos). Ocorre-me que talvez a velhice possa ser definida não
como a ausência de sonhos, projetos e metas (como já pensei uma vez), mas o
medo do novo. Ou as duas coisas, simultaneamente.
É sempre interessante receber suas
respostas. Elas sempre põem-me a pensar. Alguns itens citados em suas respostas
ainda deixam-me intrigado. Vejamos:
A diferença entre valores e
comportamentos;
Vamos
supor que um dos valores aceitos pela sociedade seja a da submissão irrestrita
da mulher ao homem (voltando ao talibã e assemelhados), que o recato não seja
mais uma opção mas dever. O comportamento do homem será nitidamente distinto do
da mulher. O homem, embora se veja obrigado a usar barba (e os que não as
têm?), não precisa vedar os olhos com aquela coisa odiosa que as revistas
mostravam (e que espero tenham acabado). Isso só para falar de indumentária.
a submissão ao líder como uma forma
de "lutar" ou uma forma de "sobreviver"(?);
Já
disse que vejo o homem como uma mistura de antigos e novos comportamentos, os
antigos vindo lá do inconsciente coletivo (Jung?). A luta pelo poder, pela
possibilidade de espalhar seus genes, pela melhor comida, pela melhor barraca
ou coisa parecida deve ser tão velha como a humanidade. Aos mais fracos ou aos
vencidos resta a submissão. No mundo moderno o "chefe" já venceu sua
"batalha", às vezes antes mesmo do subordinado ter sido admitido. Se
formos refletir um pouco, as "puxadas de tapete", as "furadas de
olho" têm sua origem nas táticas de luta adotadas nos primórdios, agora
disseminadas nos dois sexos.
A prostituição velada, suave e
disfarçada na submissão (você se prostitui? ou já o fez? como sentiu-se?);
Tenho
que responder isso com ironia. Um colega meu (que acabou sendo meu superior
hierárquico) usava frequentemente duas frases de conteúdo chulo e pragmático:
"quem tem cu, tem medo" e
"o saco do chefe é o corrimão da
vida". Eu sempre achava graça desse cinismo realista. Tendo família
para sustentar e não tendo nascido rico, já fui obrigado a engolir alguns
sapos, muitos deles batráquios de tamanho respeitável. Essa é a prostituição
light a que me referi. Senti-me como imagino que se sintam as profissionais do
sexo (pelo menos, a maioria): puto da vida, deprimido ou com vontade de mudar
de emprego.
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