Como disse na primeira parte, este texto é o resultado de uma troca de e-mails com um ex-colega que foi meu chefe no período imediatamente anterior a essa troca de mensagens. Depois de mandar para ele o texto "O Direito ao Foda-se" (equivocadamente atribuído ao Millôr Fernandes), começou a me bombardear com perguntas de todo tipo, sempre em linguagem "engravatada" (ele falava como escrevia). Cada resposta que eu dava gerava novas perguntas. E eu, claro, respondia a todas, mimetizando seu estilo empolado. Fico pensando que por eu ter um nível cultural ligeiramente melhor que a maioria dos colegas e por ele ter sido meu superior hierárquico, tratava-me como se eu fosse um animal amestrado, como um hamster que fica correndo indefinidamente dentro de uma roda em sua gaiola. Mas ele quebrou a cara.
Essa maluquice durou até o dia em que escrevi que me portava como uma rolha em um riacho, indo para onde as águas me levavam. E esclareci: tal como um camaleão, eu me adaptava ao estilo da pessoa com quem interagia. Operário? Linguagem tosca, muitos palavrões e erros de concordância. Intelectual? Olha eu lá raspando a cultura de orelha de livros e cadernos "B" de jornais. Carola? Mais piedoso e beato que o papa. E concluí dizendo que era mais fácil para mim entender as pessoas que elas a mim.
Imagino que esse cinismo tenha caído como uma bomba em sua cabeça, pois, na prática, o hamster era ele. Depois disso, nunca mais recebi nenhum e-mail dele, o que acabou sendo bom, pois gastava um tempo filhadaputa respondendo a suas perguntas. E a continuação do que guardei desses "diálogos de plantão" (pois eram escritos em pleno horário de trabalho) está na sequência. Pau na máquina!
E as ameaças?
Essa maluquice durou até o dia em que escrevi que me portava como uma rolha em um riacho, indo para onde as águas me levavam. E esclareci: tal como um camaleão, eu me adaptava ao estilo da pessoa com quem interagia. Operário? Linguagem tosca, muitos palavrões e erros de concordância. Intelectual? Olha eu lá raspando a cultura de orelha de livros e cadernos "B" de jornais. Carola? Mais piedoso e beato que o papa. E concluí dizendo que era mais fácil para mim entender as pessoas que elas a mim.
Imagino que esse cinismo tenha caído como uma bomba em sua cabeça, pois, na prática, o hamster era ele. Depois disso, nunca mais recebi nenhum e-mail dele, o que acabou sendo bom, pois gastava um tempo filhadaputa respondendo a suas perguntas. E a continuação do que guardei desses "diálogos de plantão" (pois eram escritos em pleno horário de trabalho) está na sequência. Pau na máquina!
E as ameaças?
Lembra-se
da história da roupa invisível do rei? Imagine-se que o rei tivesse consciência
que estava efetivamente nu, que intimamente soubesse que os súditos também
sabiam disso, mas não diziam por medo. Se isso acontecesse, o menino que disse
"o rei está nu" seria uma ameaça seriíssima. Se quiser um exemplo
bíblico, basta lembrar a história de Herodes que, ao ser informado do
nascimento de um novo rei, manda matar os nascidos naquela data. (tenho a
sensação que isso é um relato um pouco entusiasmado e fantasioso dos
evangelistas). Ou seja, o novo, o que não dominamos nos amedronta e ameaça.
A sorte e seus protegidos e os
esquecidos pela sorte;
Tive
um chefe que nasceu rico e era chefe justamente por ser filho do dono. Esse
sujeito era uma besta quadrada, embora excelente contador de casos e piadas.
Mas era uma toupeira quando se irritava (o que era fácil de acontecer). Um
colega disse sobre ele: "esse cara nunca passou necessidade. Se já tivesse
passado, não agiria assim". É a esse tipo de coisa que me referi quando
falei de "sorte", etc.
Não
adianta querer passar a imagem de puritano. Vivo dividido, fragmentado, entre
sentimentos nobres e outros nem tanto assim. Nasci pobre, de pai que teve bens
e perdeu tudo. Prá você ter uma ideia, todos, literalmente todos os filhos de
meu avô paterno que chegaram à idade adulta, homens e mulheres, tinham curso
universitário. Isso na década de 30, primeira metade do século XX!! Duas de
mInhas tias falavam francês (uma) e inglês (a outra). A que falava inglês era
pintora - acadêmica. Meu pai e seu irmão caçula, os mais novos, tinham uma "baratinha"
conversível (Ford - 29? de bigode?). O que quero dizer com isso? Que a vida em
seu início, foi boa para meus tios, para meu pai, do ponto de vista material.
Sem serem abastados, tinham um conforto material que nunca tive. Logo que meu
pai casou-se, veio a derrocada. Ele nunca gostou de falar sobre isso, embora,
ao longo dos anos, fosse soltando frases esparsas que, costuradas, pintaram um
cenário de bonança e tranquilidade primeiro, desolação e privação depois. Essa
experiência fez-me temer o dia de amanhã, fez-me ver quão frágil pode ser a
situação profissional (financeira) das pessoas (experiência vivida por mim mais
tarde). Isso também já levou-me a dizer em tom de brincadeira e seriedade que
cômodo é ser filho, difícil é ser pai (se quiser, pode ler invertido que também
dá certo). Ou seja, a partir do momento que se tem filhos, o que se deseja é,
primeiramente (no meu caso, pelo menos), que sejam felizes. Em segundo lugar,
que tenham uma vida confortável, que nunca passem por privações de espécie alguma.
Percebe que não coloquei o aspecto material em primeiro lugar? Assim penso eu.
Realmente, de nada adiantam posses se vivemos acabrunhados, infelizes. Mas não
posso deixar de lembrar que nunca
tive um carro zero, que a última vez que fui à praia, meu filho, que hoje tem
26 anos, tinha apenas um ano de idade, que adoraria conhecer outros países, que
adoraria poder ir a bons restaurantes, assistir bons espetáculos, comprar
livros e discos com frequência e quando assim desejasse. Pior: que meus filhos
pudessem ter continuado a estudar em escolas particulares de qualidade, tal
como foi no início, em vez de vê-los estudar em escolas públicas em uma época
onde o Ensino (com letra maiúscula) nesses lugares extinguiu-se. Então, meu
caro guru, você pergunta onde está meu coração... Eu respondo cândida e
sinceramente: não está junto com os estoicos. Não quero dinheiro pelo que
significa. Quero pelo que proporciona. Quero nunca passar fome, quero nunca ter
que andar a pé pelo simples fato de não ter dinheiro nem para a condução, quero
nunca ter que desmanchar as baganas (guimbas) de cigarro que já havia fumado,
para remontá-las em outro, pelo simples fato de não ter dinheiro para comprar
outro maço (como vi meu pai fazer). Quero, resumidamente falando, ser feliz,
quero segurança. Se para isso contribui, ainda que remotamente, (não estou
falando de monges e ascetas) a posse de alguns bens materiais, se isso é
ajudado por uma conta bancária mais fornida, tudo bem. O dinheiro, sabidamente,
não compra a felicidade. Mas pode comprar a passagem até lá, dizem os cínicos
(sábios?).
Esse
negócio de destino ou "destino", já cansei de tentar entender (O que
eu quis dizer com isso é que falar em destino ou não é quase como ficar
divagando sobre o sentido da vida, da existência. Você pode exercitar sua
mente, mas ficará sempre uma dúvida no ar: “e
se eu estiver errado?") ou pensar sobre. Como não tenho sua mente
lúcida, o máximo que consegui foi aborrecer-me e, macunaimamente falando,
deixar para lá. Apenas conto a história de um nissei que conheci através de
minha cunhada. Os dois trabalharam por anos na estação de piscicultura da
CODEVASF, em Três Marias. Esse cidadão contou-me que sua vida sempre seguira
seu curso independente de sua vontade ou planejamento. Contou que morara em uma
cidadezinha de São Paulo onde não havia 2º grau (o científico de minha época).
Assim, ele acordava todo dia às 4 ou 5 horas, para pegar um trem (de carga) que
parava nesse horário em sua cidade. A família mudou-se depois para outra
cidade, melhor, mas que não tinha faculdade de engenharia, que era seu sonho.
Para não ficar parado e instado por uma colega, resolveu fazer vestibular para
biologia, que era o curso existente na cidade. A amiga deu-lhe uma pilha de
livros para ler, tarefa impossível de cumprir em virtude do pouco tempo
disponível. Por isso, resolveu ler um livro sobre a origem das espécies ou
coisa parecida. Passou (e a amiga, não). Quando me contou essa historieta, já
era considerado, segundo minha cunhada, a maior autoridade brasileira em peixes
de água doce. Ou seja, a vida fez com ele o que um rio faz com uma rolha.
A
propósito dessa imagem, hoje me vejo como uma rolha na correnteza (Tento viver
hoje ao sabor do momento, comportando-me conforme cada situação). "Em Roma, como os romanos"
(particularmente, prefiro as romanas, se "como" for visto como verbo). Vou para onde a água me levar.
Quanto
à felicidade, vejo-a como um estado de plenitude, de plena harmonia consigo
mesmo (isso é mais ou menos como a divagação sobre "destino" ou coisa
semelhante. Cada um tem sua opinião sobre isso (ou não), podendo mudar a visão
conforme os sacolejos da vida), um gostar-se tal como se é: sei das minhas
falhas e defeitos, mas gosto de mim o suficiente para saber também das minhas
qualidades (Essa é fácil. Sou vaidoso, acho-me muito inteligente (culpa talvez
de algumas pessoas que disseram isso de mim). Tenho uns trezentos mil defeitos,
mas, basicamente, gosto de mim). Significa também não levar-se a si mesmo nem
aos outros muito a sério (Essas coisas a idade e a vivência vão nos ensinando
(caso queiramos). Não creio em nada que se me apresente como absoluto ou
verdade eterna. Sou mineiro, tenho intimidade com o respaldo, com o topo do
muro. Além disso, as pessoas são manipuladoras. Assim, no contato do dia-a-dia,
vejo com condescendência as falhas, omissões e defeitos das pessoas (e os
meus). Ninguém é totalmente mau, ninguém é totalmente bom (menos ainda,
"boníssimo") na certeza que a verdade é como um elétron em sua
orbital. Impossível de definir com certeza absoluta. Um estar em paz consigo
mesmo e com o mundo. Uma paz de ruminante pastando (Sinceramente, foi uma boa
imagem, concorda? Eu adoro ver bois. Eles me dão a impressão de uma placidez
impressionante, uma calma, um silêncio interior total – lembrando que silêncio
interior não significa necessariamente falta de "som"
no cérebro, mas falta de ruídos, de estática. Poderia até dizer que quando se
alimentam estão "paztando").
Você
fala de “ingente necessidade material”,
mas esse negócio não é tão simples assim. Depende da escala que estiver sendo
usada. Não estando passando fome nem frio nem doente, as necessidades variam (Isso
não é difícil de entender: Estou alimentado, agasalhado e descansado). Então,
assemelho-me aos bois aí de cima. Mas vejo, de repente, um carro zero, por
exemplo (já citado anteriormente). Eu penso que seria legal ter um. Agora,
imagine um sujeito que acabou de comprar um carro zero, um Uno Mille, todo
feliz. Aí passa uma BMW à sua frente. Ele certamente pensará: "Pô, já pensou ter uma igual?" Aí o
dono do BMW lê sobre o jatinho (ou helicóptero ou o escambau) que o Fulano
acabou de comprar, e pensa: "Esse
filha da mãe tá com dinheiro! Já pensou eu com um igual?" Então, é assim
que vejo as necessidades. Tirando o essencial, o resto é supérfluo (isso é uma
afirmação acaciana, concorda?). Lembro ainda de uma historinha que um amigo
gostava de contar: o lord inglês acordando, seu criado cortesmente diz: "Parece que teremos um lindo dia, não Milord?"
Ao que o nobre responde "Errado,
James. Você terá o seu
lindo dia. Eu terei o meu
lindo dia.
Mineiramente
despeço-me, olhando de soslaio, ramo de capim no canto da boca, de
"coca" (cócoras).
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