quarta-feira, 28 de junho de 2017

"MEU CASACO DE GENERAL"


Uma coisa puxa outra e assim vai-se desenrolando o novelo da vida. Começar um post com uma frase assim é sacanagem, pois o texto ficará impregnado de naftalina. Mas danem-se as convenções, as ênclises, próclises e mesóclises.

Estimulado por um comentário feito pelo titular do blog "A Marreta do Azarão" (“um porra louca? Ora, ora... isso tá com cara é do Livro das Revelações. Uma curiosidade : chegou a ser hippie, JB?”), estava tentando dar forma a mais um trecho das minhas ridículas e risíveis lembranças, quando escrevi “meu casaco de general”, expressão contida na letra da música "Vapor Barato", do Jards Macalé e Waly Salomão (que no princípio da década de 1970 gostava de assinar "Sailormoon".

Aí o novelo desenrolou-se mais um pouco, pois precisava criar um parêntese para explicar o significado daquela expressão. Mais uma desenroladinha e bateu a vontade de ouvir de novo essa música tantas vezes tocada no violão. Mesmo que tenha sido gravada em 1971, alguns versos combinam bem com minha cabeça de vento totalmente em harmonia com o "zeitgeist" da época. Resultado: arranquei o parêntese do texto de origem e decidi transformá-lo na introdução deste post. Aliás, um texto introdutório que precisa de introdução é bem o estilo do Blogson.

Para complicar ainda mais, o que deveria ser um comentário sobre a magnífica interpretação da Gal Costa em uma gravação ao vivo, acabou virando o texto principal do post e "Vapor Baratofoi rebaixada à categoria de música incidental. Se ninguém entendeu nada, melhor ainda. Por isso, bora lá:

O tal "casaco de general" era na verdade, uma jaqueta, parte de um uniforme militar de algum exército estrangeiro, que foi comprada na "Galeria Ouvidor", um centro de compras mais popular, instalado no hipercentro de BH. Na década de 1970 o prédio era ocupado por lojas de discos, livrarias, lanchonetes e pequenas butiques que vendiam produtos importados, provavelmente muamba trazida do Paraguai.

Um dia vejo um conhecido com um dólmã na cor cáqui, bacanérrimo, cheio de insígnias e visivelmente usado. Perguntei como conseguira e fiquei sabendo que uma butique da Galeria estava vendendo. Fui conferir e descobri um verdadeiro brechó de casacos, jaquetas e dólmãs militares. A maioria absoluta era na cor cáqui, mas havia um ou dois na cor azul e um de lã cinza, com um furo pequeno em algum lugar e puído.

Um bando de malucos estava por lá revirando tudo, experimentando e comprando as peças. No meio daquela zona toda descobri uma jaqueta que deduzi ser de alguma patente mais alta, não só pelo estilo mas também pelas insígnias nela costuradas e por estar mais bem conservada que a maioria das outras. Experimentei e serviu certinho. Comprei. Imagino que aquelas roupas teriam sido objeto de doação para desabrigados ou vendidas a preço de pano de limpeza por algum país estrangeiro - os Estados Unidos, talvez.

Quando cheguei em casa com minha compra, meus pais manifestaram seu desagrado: era roupa usada, questionaram a origem, a higienização, a desinfecção e, principalmente, as insígnias. Talvez fosse apenas excesso de zelo de meu pai, mas o fato é que estávamos em plena ditadura e o presidente era o Médici. Daí o medo de eu ser confundido com militar por eventuais terroristas ou como terrorista por militares mais "zelosos". Não tive opção a não ser, muito contrariado, descosturar todos os símbolos. Mesmo assim ficou bacana.

Durante bom tempo usei essa jaqueta, "descendo por todas as ruas", andando "sem lenço e sem documento, nada nos bolso ou as mãos", até perceber que ficava meio brega vestido com ela, pois não combinava mais com meu perfil de engenheiro pai de família. Durante muitos anos ficou esquecida em um armário, até ser definitivamente descartada. Nessa época eu já tinha engordado uns vinte quilos e, mesmo que quisesse, não conseguiria mais vesti-la, nem mesmo para ir a uma festa à fantasia.

A seguir, duas imagens que comprovam ser essa jaqueta um verdadeiro "casaco de general". A mais nítida mostra o general Eisenhower na época da Segunda Guerra. A segunda, bem apagada e convenientemente pouco nítida, é um "retrato do artista quando jovem". Agora, posso voltar ao post original.






2 comentários:

  1. em cima da bela Vapor Barato, Zeca Baleiro fez a também bela À Flor da Pele.
    https://www.youtube.com/watch?v=LR2pD2DRrvw

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    1. Rapaz, não conhecia! E que bonito ficou! Eu não curtia o Zeca Baleiro, pois sua voz de quem acabou de fumar um baseado me incomodava, mas hoje gosto muito, pois ele é muito bom. Suas recriações de outros autores são sofisticadas e muito bonitas. Valeu a dica!

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