A praia é pequena, tendo pouco mais de
quinhentos metros de extensão. Está confinada entre dois morros rochosos e
escarpados e é de acesso restrito, o que faz suas areias finas e brancas ser
muito pouco frequentadas.
Naquele dia, estava inesperadamente deserta.
Para ser sincero, não totalmente deserta, pois ali estávamos nós três e um
senhor de feições orientais, que com determinação e seriedade nipônicas corria
para lá e para cá na areia fofa, cobrindo toda a extensão da praia.
Havia também dois funcionários uniformizados
que com seus rastelos e sacos enormes de plástico preto tentavam manter a praia limpa, removendo da areia o lixo deixado pelos eventuais frequentadores ou trazido pelas ondas. Não posso deixar de mencionar a
simpática companhia de duas gaivotas e uma garça que petiscavam aqui e ali,
onde as ondas se espraiavam. Resumindo, éramos apenas nove os viventes que ocupavam
aquele paraíso deserto engastado na cidade enorme.
Era ainda bem cedo e o mar estava particularmente cheio de detritos, com vários objetos que podiam ser vistos flutuando antes da rebentação das ondas e que, aos poucos, iam sendo lançados à praia. Perguntei a um dos funcionários encarregados da limpeza o que isso significava. Depois de mencionar que o mar estava mais agitado, explicou-me que a maré estava vazante - ou baixa. À medida que fosse subindo, essa sujeira sumiria.
Aceitei aquilo como verdade eterna, mistério
insondável e comecei a andar despreocupadamente pela praia, tentando não
espantar as aves. Mesmo assim, caminhava na linha demarcada pelas ondas
anteriores, experimentando uma sensação muito agradável de calma e
tranquilidade enquanto as ondas que chegavam lambiam meus pés com sua água fria.
Algumas eram mansas e afetuosas enquanto outras batiam estabanadamente nas
pernas a um palmo abaixo do joelho.
Comecei a observar os detritos que o mar
caprichosamente lançava na areia, espalhando-os por toda a praia como se fizessem
parte de uma exposição de arte manicomial ou de uma instalação feita com
objetos perdidos ou descartados - restos de plantas aquáticas, pedaços de tábua,
a sola de um tênis, uma escova de dente, uma argola de plástico, um pedaço de
corda muito grossa que deve ter sido utilizada para amarrar embarcações.
Podiam ainda ser vistas pequenas conchas, pedaços pequenos
de vidro com as bordas já sem corte devido ao atrito com a areia no vai e vem
das marés, um colchonete de plástico, um baiacu, uma lancheira infantil e
garrafas, muitas garrafas. Os objetos eram como que souvenirs que o mar
oferecia aos poucos frequentadores da praia, cada um remetendo a um momento, um
local, uma lembrança. Às vezes uma onda mais impetuosa se encarregava de
levá-los de volta, como se reclamados por um Netuno enciumado e cioso de seus
domínios e posses.
Enquanto caminhava, tive a atenção despertada
por dois objetos. Um deles era uma garrafa de vidro, provavelmente de uísque,
fechada cuidadosamente com um pedaço de plástico antes de ter sido recolocada a
tampa original. Dentro, um bilhete escrito à mão. A um passo de distância, uma
caixinha metálica com tampa tipo "caixa de sapato", em formato de coração, dimensões equivalentes a uma lata de atum e já
praticamente sem tinta e dizeres que indicassem seu fabricante, graças à ação abrasiva
da água salgada combinada ao atrito da areia.
Peguei primeiro a garrafa, tentando ler sem óculos
o que estava escrito, mas sem retirar o bilhete. O pouco contraste entre a cor azul
da tinta de caneta esferográfica e o pedaço de papel cor de rosa, provavelmente
arrancado de um caderno escolar, tornava difícil a leitura da mensagem escrita
em letra cursiva caprichosamente desenhada.
Ainda com a garrafa na mão, aproximei-me do
coraçãozinho de lata. Movimentando-o com o pé, supuz que não havia nenhum
objeto dentro dele. Talvez estivesse vazio, talvez tivesse um cartão com
dedicatória, já deteriorado e se desmanchando, não sei.
Tenho uma natureza um pouco sonhadora e romântica. Por isso, fiquei pensando o que estaria escrito no bilhete da garrafa. Uma jura de amor eterno, uma maldição imprecada contra uma ex-paixão, um pedido de ajuda
divina? E o coração, em que momento teria sido dado a alguém? Teria sido recusado e
atirado com desprezo ou raiva na água? Fiquei ali durante alguns minutos, imaginando a história por trás de cada um deles, em quem os haveria jogado na
água e o significado de cada um dos gestos.
Sentindo que eles deveriam continuar
guardando as lembranças de quem os entregou ao mar, decidi não abrir nenhum dos dois objetos, pois não me vi no direito de
tentar desvendá-las. Coloquei a garrafa de volta na areia ao lado do
coraçãozinho e continuei a caminhar. Quando voltei, o mar já os tinha
resgatado.
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