As investigações e
delações premiadas da Operação Lavajato iluminaram o que todos ou quase todos os
engenheiros civis já sabiam, suspeitavam ou tinham ouvido falar que existiu, existe
e provavelmente continuará a existir na penumbra de alguns gabinetes climatizados
dos órgãos públicos: corrupção, acordos e conchavos para beneficiar esta ou aquela
construtora de obras públicas.
Mesmo assim, fiquei
vivamente impressionado com a extensão e abrangência da corrupção no Brasil de
hoje, exibida em apenas uma das delações premiadas da Odebrecht, pois o que eu já
imaginava existir superou muito minhas expectativas mais negativas. É como se
esse relacionamento viciado e promíscuo entre contratantes e contratados, entre padrinhos e
apadrinhados lembrasse a ação de um câncer e suas metástases, pois é como se um
foco dessa doença terrível fosse descoberto tarde demais, quando suas ramificações
já tivessem se espalhado e se instalado em outros órgãos (órgãos públicos, por
que não?). Confesso que essa é uma imagem muito forte para mim, pois, em um corpo
humano, isso normalmente significa a perda de pessoas queridas. Então, preferi abandonar
essa comparação, até porque os órgãos públicos tomados por “doença” desse tipo não
morrem, continuam vivinhos da silva e operacionais.
Acho também importante
lembrar que as pequenas obras normalmente estão (ou deveriam estar) imunes às práticas
desonestas, pois, há (ou havia) uma briga de foice generalizada entre as pequenas
empreiteiras para ganhar a licitação dessas obrinhas. Em termos práticos (e cínicos)
é fácil imaginar que ninguém quererá se sujar e correr riscos se o retorno financeiro
ilícito for desprezível.
Para organizar os
pensamentos e tentar entender melhor práticas orgiásticas onde só o povo paga
boquete ou fica de quatro, fui buscar nas ciências biológicas uma analogia que
facilitasse a compreensão dessa sujeira toda, pois, embora tenha
optado por uma profissão mais relacionada à área de Exatas, eu sempre gostei de
estudar a velha e boa Biologia, que foi uma das matérias da minha predileção
quando estava me preparando para o primeiro vestibular unificado da história da
UFMG (velhice, meu caro, velhice). Talvez por isso ainda me lembre de muitos
assuntos dessa área. Um dos que mais despertaram minha curiosidade tratava dos
diversos tipos de convivência e associações de organismos diferentes.
Dias desses
lembrei-me dos nomes de algumas dessas interações, mas não consegui passar
muito disso (afinal, lá se vão 47 anos!). Parasitismo,
Comensalismo e Simbiose foram os
nomes que consegui lembrar, mas as sinapses não estavam ajudando muito no
resgate de definições mais precisas desses tipos de convivência ou interação.
Como não pretendo mais prestar vestibular nem dar aula preparatória para o
ENEM, achei que as informações da Wikipédia serviriam.
Para acabar com o
suspense, o que eu sinto que acontece no relacionamento suspeitíssimo entre
políticos esfomeados, empreiteiros de bom coração e técnicos enlameados é um
misto de parasitismo e simbiose.
Basta prestar
atenção nas informações obtidas na internet e substituir “organismos” ou “seres
vivos” (e assemelhados) por “políticos corruptos”, “empreiteiros de obras
públicas” ou “dirigentes de órgãos e empresas públicas”, que o resultado fica
bacanérrimo. Claro está que essa suspeita recai apenas sobre uma minoria de funcionários
e dirigentes públicos, jamais sobre a totalidade dos empregados desses órgãos e
empresas. O problema é o estrago que essa minoria provoca. Por isso, façam a
experiência nos textos a seguir (o grifo é meu):
“Dentro de um ecossistema encontram-se várias
formas de interações entre os seres vivos (...) Essas relações se
diferenciam pelos tipos de dependência que os organismos mantêm entre si.
Algumas dessas interações se caracterizam pelo benefício mútuo de ambos os
seres vivos ou de apenas um deles, sem o prejuízo do outro. Outras formas de
interações são caracterizadas pelo prejuízo de um de seus participantes em
benefício do outro. Esses tipos de relações recebem o nome de desarmônicas
ou negativas”.
“Parasitismo
é a associação entre seres vivos, na qual existe um ser apenas que se
beneficia, sendo um dos associados prejudicado nessa relação. Desse modo, surge
o parasita, agente agressor e o hospedeiro, agente que abriga o parasita. O
parasita por sua vez, retira os nutrientes do ser o qual está hospedado,
representando uma relação desarmônica (...)”
“Simbiose ou mutualismo é uma relação mutuamente
vantajosa entre dois ou mais organismos vivos de espécies diferentes.
Há alguma indefinição nos conceitos associados a
este termo. Assim, dever-se-á ter presente que a simbiose implica uma
inter-relação de tal forma íntima entre os organismos envolvidos que se torna
obrigatória (mutualismo). Quando não existe obrigatoriedade na relação,
dever-se-á utilizar antes o termo/conceito protocooperação. (...) Os
conceitos oriundos da dinâmica apresentada nos sistemas simbióticos, também têm
sido aplicados no âmbito das ciências sociais e econômicas. Nestas abordagens
as organizações e indivíduos são entendidos como diferentes agentes que podem
estar intimamente associados, como nos processos de simbiose no mundo natural”
Resumidamente,
vamos dar nomes aos boys:
Parasita é o
funcionário corrupto de um órgão ou empresa pública (que seria o hospedeiro), seja ele
presidente, diretor ou um simples técnico, que utiliza sua posição e funções
apenas para pedir e receber suborno de empresas contratadas pelo órgão ao qual
pertence. Voltando ao texto teórico, vemos que “o parasita retira os nutrientes do ser no qual está hospedado”.
E se existem os
“parasitas” (e como existem!), o relacionamento mais perfeito entre
contratantes corruptos e contratados dispostos a pagar propina é a Simbiose.
Assim como acontece na natureza, essa é “uma
relação mutuamente vantajosa entre dois ou mais organismos vivos de espécies
diferentes”, ou melhor, entre as empreiteiras e os paulos robertos, renatos duques e demais coleguinhas.
Por tudo isso que
foi dito, eu creio que essa simbiose e esse parasitismo provavelmente nunca
acabarão, pois são interações quase biológicas que devem ter vindo desde a
chegada do Cabral (refiro-me ao “Cabral
um”, o Pedro, não ao “Cabral dois”,
o Serginho). Os empreiteiros dependem das obras e órgãos públicos para viver e vice-versa.
O problema são os parasitas, os cáftens da administração pública. Qual a solução para isso, eu não sei. Talvez uma mudança comportamental e cultural em toda nossa sociedade, com a revogação definitiva da Lei de Gérson (coitado do cara!), talvez uma revisão geral de toda a legislação que, de alguma forma, (des)regula
a contratação de obras públicas.
Apesar de ser fã incondicional da Operação Lavajato e suas ramificações virtuosas, tenho minhas dúvidas de que isso cure o Brasil da doença autoimune chamada corrupção. Porque, do jeito
que está, a minha suspeita é de que se resolverem estender a Lavajato pelo país
afora, poderá faltar água potável no planeta.
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