quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

SIMBIOSE E PARASITISMO

As investigações e delações premiadas da Operação Lavajato iluminaram o que todos ou quase todos os engenheiros civis já sabiam, suspeitavam ou tinham ouvido falar que existiu, existe e provavelmente continuará a existir na penumbra de alguns gabinetes climatizados dos órgãos públicos: corrupção, acordos e conchavos para beneficiar esta ou aquela construtora de obras públicas.

Mesmo assim, fiquei vivamente impressionado com a extensão e abrangência da corrupção no Brasil de hoje, exibida em apenas uma das delações premiadas da Odebrecht, pois o que eu já imaginava existir superou muito minhas expectativas mais negativas. É como se esse relacionamento viciado e promíscuo entre contratantes e contratados, entre padrinhos e apadrinhados lembrasse a ação de um câncer e suas metástases, pois é como se um foco dessa doença terrível fosse descoberto tarde demais, quando suas ramificações já tivessem se espalhado e se instalado em outros órgãos (órgãos públicos, por que não?). Confesso que essa é uma imagem muito forte para mim, pois, em um corpo humano, isso normalmente significa a perda de pessoas queridas. Então, preferi abandonar essa comparação, até porque os órgãos públicos tomados por “doença” desse tipo não morrem, continuam vivinhos da silva e operacionais.

Acho também importante lembrar que as pequenas obras normalmente estão (ou deveriam estar) imunes às práticas desonestas, pois, há (ou havia) uma briga de foice generalizada entre as pequenas empreiteiras para ganhar a licitação dessas obrinhas. Em termos práticos (e cínicos) é fácil imaginar que ninguém quererá se sujar e correr riscos se o retorno financeiro ilícito for desprezível.

Para organizar os pensamentos e tentar entender melhor práticas orgiásticas onde só o povo paga boquete ou fica de quatro, fui buscar nas ciências biológicas uma analogia que facilitasse a compreensão dessa sujeira toda, pois, embora tenha optado por uma profissão mais relacionada à área de Exatas, eu sempre gostei de estudar a velha e boa Biologia, que foi uma das matérias da minha predileção quando estava me preparando para o primeiro vestibular unificado da história da UFMG (velhice, meu caro, velhice). Talvez por isso ainda me lembre de muitos assuntos dessa área. Um dos que mais despertaram minha curiosidade tratava dos diversos tipos de convivência e associações de organismos diferentes.

Dias desses lembrei-me dos nomes de algumas dessas interações, mas não consegui passar muito disso (afinal, lá se vão 47 anos!). Parasitismo, Comensalismo e Simbiose foram os nomes que consegui lembrar, mas as sinapses não estavam ajudando muito no resgate de definições mais precisas desses tipos de convivência ou interação. Como não pretendo mais prestar vestibular nem dar aula preparatória para o ENEM, achei que as informações da Wikipédia serviriam.

Para acabar com o suspense, o que eu sinto que acontece no relacionamento suspeitíssimo entre políticos esfomeados, empreiteiros de bom coração e técnicos enlameados é um misto de parasitismo e simbiose.

Basta prestar atenção nas informações obtidas na internet e substituir “organismos” ou “seres vivos” (e assemelhados) por “políticos corruptos”, “empreiteiros de obras públicas” ou “dirigentes de órgãos e empresas públicas”, que o resultado fica bacanérrimo. Claro está que essa suspeita recai apenas sobre uma minoria de funcionários e dirigentes públicos, jamais sobre a totalidade dos empregados desses órgãos e empresas. O problema é o estrago que essa minoria provoca. Por isso, façam a experiência nos textos a seguir (o grifo é meu):

“Dentro de um ecossistema encontram-se várias formas de interações entre os seres vivos (...) Essas relações se diferenciam pelos tipos de dependência que os organismos mantêm entre si. Algumas dessas interações se caracterizam pelo benefício mútuo de ambos os seres vivos ou de apenas um deles, sem o prejuízo do outro. Outras formas de interações são caracterizadas pelo prejuízo de um de seus participantes em benefício do outro. Esses tipos de relações recebem o nome de desarmônicas ou negativas”.

 “Parasitismo é a associação entre seres vivos, na qual existe um ser apenas que se beneficia, sendo um dos associados prejudicado nessa relação. Desse modo, surge o parasita, agente agressor e o hospedeiro, agente que abriga o parasita. O parasita por sua vez, retira os nutrientes do ser o qual está hospedado, representando uma relação desarmônica (...)”

“Simbiose ou mutualismo é uma relação mutuamente vantajosa entre dois ou mais organismos vivos de espécies diferentes.
Há alguma indefinição nos conceitos associados a este termo. Assim, dever-se-á ter presente que a simbiose implica uma inter-relação de tal forma íntima entre os organismos envolvidos que se torna obrigatória (mutualismo). Quando não existe obrigatoriedade na relação, dever-se-á utilizar antes o termo/conceito protocooperação. (...) Os conceitos oriundos da dinâmica apresentada nos sistemas simbióticos, também têm sido aplicados no âmbito das ciências sociais e econômicas. Nestas abordagens as organizações e indivíduos são entendidos como diferentes agentes que podem estar intimamente associados, como nos processos de simbiose no mundo natural

Resumidamente, vamos dar nomes aos boys:
Parasita é o funcionário corrupto de um órgão ou empresa pública (que seria o hospedeiro), seja ele presidente, diretor ou um simples técnico, que utiliza sua posição e funções apenas para pedir e receber suborno de empresas contratadas pelo órgão ao qual pertence. Voltando ao texto teórico, vemos que “o parasita retira os nutrientes do ser no qual está hospedado”.

E se existem os “parasitas” (e como existem!), o relacionamento mais perfeito entre contratantes corruptos e contratados dispostos a pagar propina é a Simbiose. Assim como acontece na natureza, essa é “uma relação mutuamente vantajosa entre dois ou mais organismos vivos de espécies diferentes”, ou melhor, entre as empreiteiras e os paulos robertos, renatos duques e demais coleguinhas.

Por tudo isso que foi dito, eu creio que essa simbiose e esse parasitismo provavelmente nunca acabarão, pois são interações quase biológicas que devem ter vindo desde a chegada do Cabral (refiro-me ao “Cabral um”, o Pedro, não ao “Cabral dois”, o Serginho). Os empreiteiros dependem das obras e órgãos públicos para viver e vice-versa. O problema são os parasitas, os cáftens da administração pública. Qual a solução para isso, eu não sei. Talvez uma mudança comportamental e cultural em toda nossa sociedade, com a revogação definitiva da Lei de Gérson (coitado do cara!), talvez uma revisão geral de toda a legislação que, de alguma forma, (des)regula a contratação de obras públicas.

Apesar de ser fã incondicional da Operação Lavajato e suas ramificações virtuosas, tenho minhas dúvidas de que isso cure o Brasil da doença autoimune chamada corrupção. Porque, do jeito que está, a minha suspeita é de que se resolverem estender a Lavajato pelo país afora, poderá faltar água potável no planeta.



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