(Introdução desnecessária: Estamos em 2015 e você quer que eu acredite que "o texto a seguir" foi escrito para não ser lido por ninguém? Então tá...)
INTRODUÇÃO NECESSÁRIA:
Estamos em agosto de 2011, tenho 61 anos e o
texto a seguir não é para ser lido por ninguém, especificamente. Ele serve
apenas para registrar e ordenar o que tenho pensado nos últimos tempos (anos?).
Talvez seja também uma tentativa mais ou menos inconsciente de exorcizar meus
“demônios” particulares que, volta e meia, cismam de me atazanar. Pra falar a
verdade, bem que eu gostaria de ser elogiado pelas coisas que escrevo (se
houvesse merecimento, claro), pela originalidade das ideias (idem) ou pelo estilo
bacana. Mas não é por aí. Como em geral são textos depressivos e melancólicos
(mesmo que tenham alguma piadinha aqui ou ali), não me sinto à vontade de
mostrá-los aos meninos agora, pois eles ainda têm - e merecem ter - muitos
sonhos pela frente. Minha mulher também não curte esse tipo de papo, então, não
sobra ninguém, a não ser eu mesmo.
Aliás, é bom deixar claro que neste texto não
há comentários ou críticas a ninguém especificamente, pois é apenas registro de
reflexões, não de lembranças. E o motivo disso é até bem ridículo: quando os
meninos eram pequenos, virava e mexia eles faziam coisas que me deixavam encantado,
impressionado ou estupefato. Pensei então em registrar esses casos em um diário
para que eles lessem quando estivessem adultos. Mas bateu uma paranoia, uma
superstição de que, se eu fizesse esse diário, alguém da minha família ou da
minha mulher morreria. Por isso, nunca tive coragem de registrar vários casos
sensacionais, hilariantes e surpreendentes protagonizados por eles. Com isso,
muita coisa eu esqueci. Só me lembro daqueles mais emblemáticos. A mãe deles,
que tem uma memória incrível, lembra muitos outros casos.
Talvez, daqui a uns 30 anos, o texto a seguir
possa ser lido pelos meninos e possa ser comparado com as experiências,
angústias e expectativas de cada um. Provavelmente já terei morrido. Até
porque, segundo uma estatística americana, as pessoas morrem em média 12 anos
após se aposentarem (pelo menos lá!). Então, por ter me aposentado em 2009, eu só (ou ainda) tenho dez anos
mais para viver.
E agora, sem mais delongas, passemos ao texto,
pois como escrevo de forma muito descontinuada, a linha de pensamento sempre se
interrompe e o que deveria ser uma introdução acaba quase sendo mais um texto.
Vamos lá.
SOBRE A VELHICE E O ENVELHECIMENTO
A partir dos cinquenta anos, alguns
pensamentos foram surgindo em minha mente, de forma esporádica no início, quase
obsessivamente algum tempo depois. Os assuntos eram sempre os mesmos – o
envelhecimento, a morte, o sentido e a transitoriedade da vida. Eu sei que isso
traduzia e traduz o medo de morrer, de perda. Mas era inevitável. Quando dava
por mim, estava eu lá pensando no avanço insuspeitadamente veloz das limitações
impostas aos que se aproximam da famigerada terceira idade.
Sinceramente, eu odeio essas expressões. "Melhor idade" é o caralho!
O Vinicius de Moraes (quando mais jovem, é bom
ressaltar) definiu bem essas expectativas em um de seus poemas, que diz o
seguinte:
Virá o dia em que eu hei de ser um velho experiente
Olhando as coisas através de uma
filosofia sensata
E lendo os clássicos com a afeição que
a minha mocidade não permite.
Nesse dia Deus talvez tenha entrado
definitivamente em meu espírito
Ou talvez tenha saído definitivamente
dele.
(...)Serei um velho, não terei
mocidade, nem sexo, nem vida
Só terei uma experiência
extraordinária.
Fecharei minha alma a todos e a tudo
Passará por mim muito longe o ruído da
vida e do mundo
Só o ruído do coração doente me
avisará de uns restos de vida em mim.
(...) Serei um corpo sem mocidade,
inútil, vazio
Cheio de irritação para com a vida
Cheio de irritação para comigo mesmo.
O eterno velho que nada é, nada vale,
nada teve
O velho cujo único valor é ser o
cadáver de uma mocidade criadora.
(Eu me pergunto como ele escreveria este poema já na fase final de sua vida.
Provavelmente trataria ainda com mais ironia essa visão que se tem das pessoas
idosas. Ou, talvez, nem se lixasse em perder tempo com isso e preferisse tomar
uns uísques com os amigos e conversar fiado, falar sacanagem, contar piadas,
tocar violão e cantar.)
Nessa idade, tão devastadora quanto as dores e problemas físicos relacionados ao envelhecimento do organismo é a visão da sociedade, cultural, de que os mais velhos devem agir e pensar como se seus cérebros envelhecessem no mesmo ritmo em que suas juntas apresentam problemas. Ou seja, de um velho espera-se (pelo menos, assim imagino que a maioria das pessoas pense) que tenha ideias comportadas, atitude senhoril, respeitável, britânica, politicamente correta (ô expressão filhadaputa!) em tudo.
Pois não é assim que funciona. Pelo menos, não comigo. À medida que envelhecia,
percebi que a mente não envelhece por igual. Uma parte do cérebro ou do
conjunto de pensamentos teima em não mudar, em permanecer tal como estava 20,
30, 40 anos atrás. Em outras palavras, apesar da idade, eu tenho ainda muitas
formas de pensar iguais às da adolescência. Por isso é que eu questiono a visão
simplista de que os mais velhos não podem ou não devem se comportar como
jovens. Porque não? Não se trata de querer vestir-se igual, imitar ou mimetizar
os mais jovens. O que acontece é que algumas coisas, algumas situações são
vistas com olhos juvenis (apesar das pálpebras caídas e da vista cansada).
O grande drama de envelhecer é a sensação de
perda que chega junto com a idade: perda de sonhos, de esperança, de
entusiasmo, de motivação, de saúde, de visão, de memória. E os ganhos, quando
existem, são negativos: de peso, de irritabilidade, de ansiedade, de insônia.
Depressão, melancolia e desencanto andam de mãos dadas com os que envelhecem
(ou com grande parte deles).
Hoje não tenho mais sonhos, amigos que não
tenham algum grau de parentesco, esperança, objetivos, tesão de viver. Penso
que cumpri (bem ou mal) o que se esperava de mim, que era prover o sustento de
minha Amada e dos meninos (à custa de inumeráveis sapos que engoli ao longo da
vida). Como estou aposentado, não tenho mais nada pra fazer que não sejam
coisas domésticas, fazer sudoku para exercitar o cérebro, ir aqui e ali,
comprar isso ou aquilo – e esperar a morte chegar. Ou você acha que ficar
fazendo sudoku é uma atividade intelectualmente satisfatória e boa para a
autoestima?
Outro dia minha mulher disse, entre
preocupada e meio escandalizada, que eu estava entregando os pontos muito
rapidamente. Eu achei graça, mas depois pensei que não é de todo minha culpa,
pois meu processo de envelhecimento parece mais acelerado que outras pessoas de
minha faixa etária. Senão, vejamos: depois de fazer cinquenta anos, fiquei com
hipertireoidismo (trocado depois por hipotireoidismo), tive pneumonia, fui
operado de próstata, vesícula e hérnia, meu joelho passou a doer pra caramba
quando tento fazer caminhadas (artrose!), passei a escutar menos, a enxergar
menos, a dormir menos. Sem falar na obesidade.
Creio que, infelizmente, recebi de meu pai a
carga genética predominante. Se tivesse herdado de minha mãe e,
principalmente, de meu avô materno, estaria bem melhor. Por isso, apesar de a
mente ainda estar boa, o físico está uma bosta. Ironizando, eu não estou
entregando nada, estão é tomando de mim, na marra, apesar de meus protestos.