Se comparada às maiorais da construção
pesada, a construtora em que eu trabalhava era uma empresa de porte médio (ou
"grandinha"). Mesmo assim, resolveu encarar a briga. Durante
seis meses, mobilizou uma equipe de engenheiros, projetistas, desenhistas,
datilógrafos, secretárias e xeroqueiros com dedicação exclusiva a essa
concorrência. Quem tinha direito a férias no período foi obrigado a adiar ou
cancelar os passeios programados. Boa parte da execução dos desenhos
construtivos foi terceirizada para uma empresa de desenhistas-projetistas,
contratou-se um consultor para a “garantia da qualidade” (esse é um caso
hilário), contratou-se também um engenheiro alemão que havia trabalhado na
Nuclebrás e, crème de la crème, para atender um dos pré-requisitos
eliminatórios do edital, foi contratada a consultoria de uma empresa alemã
que já tinha construído usina nuclear com a mesma tecnologia das usinas de
Angra 2 e Angra 3. Resumindo: uma baba cósmica foi gasta na elaboração da
proposta. Mas, estou me antecipando muito.
Como é praxe em qualquer licitação, logo
que o edital foi adquirido, uma equipe foi designada para visitar o local onde
seria construída a usina. Dependendo da importância da obra, às vezes vai
apenas um engenheiro. No caso de Angra, foi mandado um “exército”: mais de
vinte engenheiros, mandados em grupos de três ou quatro, inspecionaram o local.
Dentre eles, esse vosso criado.
E o que eu vi foi de encher os olhos. Não vou
me deter em detalhes sobre o local das futuras instalações, até porque não havia
nada lá, exceto as estacas de fundação que já estavam sendo cravadas. O grande
barato foi conhecer a infraestrutura existente e a visita à primeira usina
nuclear construída no Brasil.
Ciceroneados por um geólogo da Nucom que já havia trabalhado na Açominas, eu e mais dois colegas fomos visitar a usina de
Angra 1, já em fase de montagem e testes finais. Todos os funcionários e
operadores da usina usavam uma espécie de caneta sinalizadora de radioatividade
pendurada no pescoço. Caso o sujeito fosse contaminado de alguma forma, a
caneta indicava e seria iniciado um processo de limpeza e “desinfecção”. Todo e
qualquer tipo de lixo contaminado era colocado em barris de ferro que depois
eram preenchidos com concreto e levados para uma área especial.
Para entrar no prédio do reator, tivemos de vestir roupas e sapatos especiais, usados por todos para preservar a limpeza absoluta do lugar. Creio que havia algum precipitador eletrostático de poeira ou coisa semelhante na entrada do prédio. Não tenho dúvida que poderia lamber o chão sem achar nem o menor sinal de poeira!
Para entrar no prédio do reator, tivemos de vestir roupas e sapatos especiais, usados por todos para preservar a limpeza absoluta do lugar. Creio que havia algum precipitador eletrostático de poeira ou coisa semelhante na entrada do prédio. Não tenho dúvida que poderia lamber o chão sem achar nem o menor sinal de poeira!
Depois de passados tantos anos, não me lembro
de nenhum detalhe mais relevante, exceto o fato de que era uma construção magnífica
e muito imponente, com destaque para o prédio do reator. A
“epifania” mesmo aconteceu quando fomos levados às vilas dos operadores, já
prontas. Eram como que "Ilhas da Fantasia" de tão espetaculares
(só que sem o Tatoo e o Ricardo Montalbán).
Praia Brava foi a primeira a ser construída.
Nela, além das casas geminadas (se não me falha a memória), encontravam-se uma
igreja ecumênica, supermercado, hospital, cinema, clube, autoescola(!), um
pequeno centro comercial e um hotel destinado a funcionários em trânsito. As
ruas eram asfaltadas e a área do acampamento, toda cercada, contava com
portaria e vigilância 24 horas por dia. Como ficamos dois dias na região, fomos
autorizados a dormir no hotel da vila. Para um sujeito de origem humilde como
eu, aquele hotel poderia tranquilamente receber uma classificação três
estrelas. Tirando a praia, que vimos apenas à noite e nos pareceu realmente
“brava” (imagino que isso inviabilizava sua utilização por banhistas), o lugar
era um paraíso de conforto, tranquilidade e segurança.
No dia seguinte, depois de um ótimo café da
manhã, fomos apanhados pelo geólogo gente boa, que nos levou à outra vila dos
operadores, construída em Mambucaba. Nessa vila havia quase tudo
que eu tinha visto em Praia Brava, exceto o hotel. Além disso, as
casas de Mambucaba eram de madeira, ao contrário das casas em
alvenaria de Praia Brava. O grande, imenso diferencial era a praia,
magnífica.
Esse geólogo morava em uma casa que ficava à beira da praia (imagino - porque não me lembro mais - que os funcionários mais graduados da fiscalização das obras ocupassem outras casas desse acampamento, já que Angra 2 ainda estava praticamente nas fundações).
Para dar uns mergulhos e pegar um bronze na areia, bastava atravessar a “Avenida Atlântica” do acampamento e o belo calçadão, ideal para fazer uma caminhada. A casa, grande e confortabilíssima, só tinha um defeito: toda vez que a onda quebrava, o deslocamento de ar fazia as janelas de vidro e madeira da frente da casa vibrar um pouco. Muito sofrimento!
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