sexta-feira, 21 de agosto de 2015

MINHA EXPERIÊNCIA NUCLEAR - PARTE 2/6

Se comparada às maiorais da construção pesada, a construtora em que eu trabalhava era uma empresa de porte médio (ou "grandinha"). Mesmo assim, resolveu encarar a briga. Durante seis meses, mobilizou uma equipe de engenheiros, projetistas, desenhistas, datilógrafos, secretárias e xeroqueiros com dedicação exclusiva a essa concorrência. Quem tinha direito a férias no período foi obrigado a adiar ou cancelar os passeios programados. Boa parte da execução dos desenhos construtivos foi terceirizada para uma empresa de desenhistas-projetistas, contratou-se um consultor para a “garantia da qualidade” (esse é um caso hilário), contratou-se também um engenheiro alemão que havia trabalhado na Nuclebrás e, crème de la crème, para atender um dos pré-requisitos eliminatórios do edital, foi contratada a consultoria de uma empresa alemã que já tinha construído usina nuclear com a mesma tecnologia das usinas de Angra 2 e Angra 3. Resumindo: uma baba cósmica foi gasta na elaboração da proposta. Mas, estou me antecipando muito.

Como é praxe em qualquer licitação, logo que o edital foi adquirido, uma equipe foi designada para visitar o local onde seria construída a usina. Dependendo da importância da obra, às vezes vai apenas um engenheiro. No caso de Angra, foi mandado um “exército”: mais de vinte engenheiros, mandados em grupos de três ou quatro, inspecionaram o local. Dentre eles, esse vosso criado.

E o que eu vi foi de encher os olhos. Não vou me deter em detalhes sobre o local das futuras instalações, até porque não havia nada lá, exceto as estacas de fundação que já estavam sendo cravadas. O grande barato foi conhecer a infraestrutura existente e a visita à primeira usina nuclear construída no Brasil.

Ciceroneados por um geólogo da Nucom que já havia trabalhado na Açominas, eu e mais dois colegas fomos visitar a usina de Angra 1, já em fase de montagem e testes finais. Todos os funcionários e operadores da usina usavam uma espécie de caneta sinalizadora de radioatividade pendurada no pescoço. Caso o sujeito fosse contaminado de alguma forma, a caneta indicava e seria iniciado um processo de limpeza e “desinfecção”. Todo e qualquer tipo de lixo contaminado era colocado em barris de ferro que depois eram preenchidos com concreto e levados para uma área especial. 

Para entrar no prédio do reator, tivemos de vestir roupas e sapatos especiais, usados por todos para preservar a limpeza absoluta do lugar. Creio que havia algum precipitador eletrostático de poeira ou coisa semelhante na entrada do prédio. Não tenho dúvida que poderia lamber o chão sem achar nem o menor sinal de poeira!

Depois de passados tantos anos, não me lembro de nenhum detalhe mais relevante, exceto o fato de que era uma construção magnífica e muito imponente, com destaque para o prédio do reator. A “epifania” mesmo aconteceu quando fomos levados às vilas dos operadores, já prontas. Eram como que "Ilhas da Fantasia" de tão espetaculares (só que sem o Tatoo e o Ricardo Montalbán).

Praia Brava foi a primeira a ser construída. Nela, além das casas geminadas (se não me falha a memória), encontravam-se uma igreja ecumênica, supermercado, hospital, cinema, clube, autoescola(!), um pequeno centro comercial e um hotel destinado a funcionários em trânsito. As ruas eram asfaltadas e a área do acampamento, toda cercada, contava com portaria e vigilância 24 horas por dia. Como ficamos dois dias na região, fomos autorizados a dormir no hotel da vila. Para um sujeito de origem humilde como eu, aquele hotel poderia tranquilamente receber uma classificação três estrelas. Tirando a praia, que vimos apenas à noite e nos pareceu realmente “brava” (imagino que isso inviabilizava sua utilização por banhistas), o lugar era um paraíso de conforto, tranquilidade e segurança.

No dia seguinte, depois de um ótimo café da manhã, fomos apanhados pelo geólogo gente boa, que nos levou à outra vila dos operadores, construída em Mambucaba. Nessa vila havia quase tudo que eu tinha visto em Praia Brava, exceto o hotel. Além disso, as casas de Mambucaba eram de madeira, ao contrário das casas em alvenaria de Praia Brava. O grande, imenso diferencial era a praia, magnífica. 

Esse geólogo morava em uma casa que ficava à beira da praia (imagino - porque não me lembro mais - que os funcionários mais graduados da fiscalização das obras ocupassem outras casas desse acampamento, já que Angra 2 ainda estava praticamente nas fundações).

Para dar uns mergulhos e pegar um bronze na areia, bastava atravessar a “Avenida Atlântica” do acampamento e o belo calçadão, ideal para fazer uma caminhada. A casa, grande e confortabilíssima, só tinha um defeito: toda vez que a onda quebrava, o deslocamento de ar fazia as janelas de vidro e madeira da frente da casa vibrar um pouco. Muito sofrimento!



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