Sou a pior pessoa para comprar presentes,
pois erro todos, independente de quem é a pessoa a ser presenteada. Não sei escolher nada e o máximo que consigo é saber que uma calça não é um vestido e que uma sandália, afinal, nunca foi uma botina. Sou péssimo mesmo, minha mente paralisa diante de uma arara de roupas. Por isso,
já desisti de conseguir comprar alguma coisa que surpreenda e agrade o meu
Amor. Entre namoro, noivado e casamento, temos quase 46 anos de relacionamento
sem interrupção. Por isso, as possibilidades de acerto seriam imensas, não?
Façamos as contas:
Aniversário de namoro, noivado e casamento:
45 presentes;
Aniversário de nascimento: 45 presentes;
Dia dos namorados: 45 presentes;
Dia das mães (temos quatro filhos): uns 100
presentes, por baixo;
Natal: uns 150 presentes, no barato.
A soma desses números resulta em uns
quatrocentos presentes comprados. Como houve momentos de grande dureza, algumas dessas datas passaram de liso. Em compensação, houve ocasiões em que
foram comprados dois ou mais presentes “por cabeça”. Por isso, fiquemos com
esse número: quatrocentos presentes. Isso resultaria em quatrocentas
oportunidades de dar um presente legal para minha Amada. Só que a dura realidade
é bem diferente.
Ao longo desse tempo todo, consegui comprar
apenas uns cinco presentes que fizeram sucesso. Acreditem, esse número de acertos é real! Pior
ainda é o fato de pelo menos uns três desses terem sido comprados com o auxílio
de amigas ou irmãs de minha mulher. Resumindo, eu sou horroroso para escolher
presentes (e isso vale para qualquer presenteado!). Então, foi também esse o
número de vezes que tive de trocar ou tentar trocar os presentes errados que comprei para meu Amor.
Foram tantas as vezes em que me vi obrigado a
tentar trocar ou devolver roupas, calçados, discos, livros e todo tipo de
objetos de uso doméstico que fiquei especialista em trocas. Tão especializado
que passei a ser requisitado por sogra, cunhados e filhos para trocar as tralhas ganhas de outras pessoas. Cor, tamanho, modelo, defeitos, tudo isso eu traço
sem problemas. Até acredito que isso é meio genético, porque minha mãe também
era foda para trocar as coisas.
É lógico que a maioria das trocas é feita sem
nenhum problema, bastando apenas que se apresente a nota fiscal. Mesmo assim,
eu amarro o maior papo com a pessoa, sorrindo e brincando o tempo todo ou,
dependendo do clima, lamentando a má sina de não saber comprar presentes, de estar dando trabalho para o funcionário e por aí. Sei
lá, vai que o prazo para realizar a troca pode já ter vencido (isso já aconteceu
uma ou duas vezes e, ainda assim, eu consegui fazer a troca).
Mas o diferencial, o meu “plus” é que
eu sou completamente sem noção quando preciso fazer alguma troca mais
complicada. É como se houvesse uma transmutação, como se baixasse em mim um “Mr.
Hyde”. Já mencionei que sou introvertido, tímido e um pouco antissocial,
fruto em parte de uma criação repressora. Além disso, creio ter também
puxado um pouco a esquisitice da família de meu pai. Por tudo isso,
eu sou quase um shrek, um ogro recluso e mal-humorado (mesmo que não aparente).
Só isso me faria a pessoa menos indicada para
encarar um SAC de grandes lojas ou um(a) gerente de butique na hora de trocar
alguma coisa. Mas é nessas horas que o “Dr. Jekyll” desaparece e
surge um sujeito desinibido, que fala pelos cotovelos, bastante cínico, capaz de dizer
os maiores absurdos com a expressão mais cândida possível. E, principalmente, se auto-desqualificando o tempo todo (a lógica disso é simples: quem se interessa em ajudar um "rei da cocada"?). E quanto mais
difícil ou impossível a tarefa, mais eu enlouqueço, ao ponto de pedir que minha
Amada nem se aproxime, para que eu possa dizer o que vier à minha cabeça, por
mais surreal que seja.
É impressionante ver como as pessoas acreditam em
barbaridades de todo tipo, quando ditas de forma natural e com uma expressão de
rosto coerente. Uma vez, a maluquice que inventei foi dizer que tinha me
separado no dia anterior, depois de uma briga homérica. E que estava, naquele
momento, morando em um hotel fuleiro, pois o dinheiro estava curto. Colou.
Alguém poderá se escandalizar com esse cinismo, mas eu nunca sei com antecedência o que vou dizer, é como se eu
entrasse em transe. Mas creio que o que acontece no momento de uma troca
complicada é o despertar de um instinto predador, que deixa todos os meus
sentidos mobilizados para o sucesso total do que me propus a fazer.
Como aconteceu na vez em que comprei alguma
coisa em uma butique do shopping mais sofisticado de BH. Claro, errei a cor ou
o tamanho ou o modelo, não me lembro mais. Aí chegou a hora de trocar. Minha
Amada fez uma inspeção prévia das opções existentes, mas não gostou de nada, pois a loja era pequena e com pouca variedade e já me deu um esporro. Devidamente espinafrado e para resolver a situação, decidi tentar devolver a peça e reaver a grana paga. Isso sempre é uma total impossibilidade em noventa e nove por cento das vezes,
uma coisa dificílima de acontecer, mas lá fui eu.
Entrei na loja, cumprimentei a vendedora que
se aproximou e pedi para falar com o(a) gerente ou o(a) proprietário(a). Uma
jovem aproximou-se, identificou-se como gerente e perguntou em que poderia
ajudar. Aí, "o santo baixou":
- Eu... eu nem sei o que dizer...
Aliás, eu... tenho certeza que é impossível você conseguir me ajudar... (as pausas e a fala titubeante são assim mesmo).
- O senhor quer fazer uma troca e
perdeu a nota fiscal?
- Não, é um pouco mais complicado... Sabe o que é?
Eu comprei essas sandálias para dar de presente para minha mãe, que faz
aniversário na próxima quarta-feira... (pausa de três segundos) Quer dizer, faria, porque, infelizmente, sua missa de sétimo dia foi ontem.
- Nossa!!!
- Pois é, como eu sou divorciado e esta loja só tem artigos femininos, não tenho o que fazer com isso agora e gostaria de devolver. Mas acredito que isso é impossível, não é? (uma provocação clara à independência gerencial e à capacidade de resolver problemas complexos da coitada da responsável).
Durante uns dois minutos, vendedora e gerente conversam em voz baixa. E lá vem ela:
Durante uns dois minutos, vendedora e gerente conversam em voz baixa. E lá vem ela:
- Olha, senhor, eu lamento muito tudo isso. Nós
vamos abrir uma exceção e devolver o seu dinheiro.
- Puxa! Você merecia ser sócia desta loja! Eu nem sei como agradecer
tanta gentileza e solidariedade...
-Imagina!
- Ainda mais neste mês, em que meu saldo bancário já está negativo!
Peguei o dinheiro e saí com a cara mais séria do mundo, mais ou menos como aquela que um político faz ao negar enfaticamente seu envolvimento com o "Petrolão".
E minha mulher comprou o que quis em outra loja do mesmo shopping. O agravante é que, nessa época, minha mãe ainda estava viva!
Como disse antes, no dia a dia, mesmo que as pessoas nem sempre
percebam, sou um sujeito mal-humorado, meio sarcástico e sem paciência. Mas, no momento em que
preciso devolver ou trocar alguma coisa, sou quase uma dama, de tão gentil e simpático.
Ogro sim, mas muuuito cordial!
Ogro sim, mas muuuito cordial!
Então, você acaba de encontrar um seu igual. Sou terrível para presentear. Acho que o que acontece é que eu não gosto, não ligo, não faço questão, de comprar coisas nem para mim, aí fica difícil de encontrar o que o outro possa gostar. E só de pensar em entrar em uma loja, enfrentar tumulto de gente e aquele gerundismo todo dos vendedores, eu quase que surto. Não consigo dar um presente que agrade nem o meu filho de 5 anos, e olha que criança gosta de qualquer quinquilharia que lhes deem.
ResponderExcluirÉ por aí mesmo. Também não gosto de comprar coisas para mim, acho um desperdício. "Antigamente" (indicador de velhice), gostava de comprar discos, quadrinhos e livros. Hoje, nem isso.
ExcluirBom dia. Grato pela sua visita ao meu blogue. Pois faço minhas todas, mesmo todas as suas palavras, pois também eu tenho esse tempo de casado. A diferença é que tenho apenas uma filha e duas netas
ResponderExcluirTambém sou péssimo a comprar presentes mas gosto de comprar. Também raramente acerto naquilo que as pessoas compram. Para as netas nem me atrevo a comprar presentes. Dou dinheiro e elas compram, quando compram, o que gostam.
Fiquei seguidor e linkei o seu blogue à minha lista de visitas.
Cumprimentos poéticos.
Obrigado pela gentileza, Ryk@rdo. Você é o segundo Ricardo identificável entre os leitores que acessam este blog mambembe, coincidentemente o mais antigo e o mais novo a ler as bobagens que escrevo. Quando eu ainda não sabia da existência do primeiro, escrevi um texto com o título "Meu nome é Ricardo". Se quiser conhecer minha capacidade de ser ridículo dê uma olhada neste link: https://blogsoncrusoe.blogspot.com/2015/12/meu-nome-e-ricardo.html
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