terça-feira, 15 de maio de 2018

PALIMPSESTO EMOCIONAL


Graças ao livro “Deuses, Túmulos e Sábios” lido e relido na adolescência e já citado aqui no blog, fiquei sabendo um pouco da história (ou aventura) de um arqueólogo (ou sonhador) alemão, de nome Schliemann, Heinrich Schliemann. O livro fala das escavações que fez para descobrir as ruínas de Tróia, baseado apenas na crença da veracidade dos relatos contidos na Ilíada. E, apesar de ser essa uma aposta fadada ao mais absoluto fracasso – por absoluta improbabilidade –, o sujeito estava certo (apesar de errado nas conclusões).

Segundo o livro, ele descobriu vestígios de várias ocupações (ou cidades) superpostas, erguidas sobre as ruínas das anteriores.  Nessa brincadeira, acabou concluindo que a Tróia homérica estava em um nível diferente do que arqueólogos posteriores entenderam ser o correto. Achei a história fascinante, pois nunca seria capaz de imaginar essa superposição de épocas e civilizações.

Anos depois,em uma das centenas (ou milhares) de conversas que tive com meu amigo Pintão nos treze anos em que trabalhamos na mesma empresa, fiquei sabendo dos palimpsestos. Meu amigo tinha uma baita cultura e contou-me do costume na Idade Média de se raspar um pergaminho para reutilizá-lo. Explicou-me que os pergaminhos eram material caro e de obtenção nem tão fácil assim. Por isso, era mais simples raspar o texto original e registrar um novo. Contou ainda que muitos estavam sendo relidos graças a técnicas de raio X ou coisa parecida.

Recentemente, fui incluído (sem prévia consulta) em um grupo fechado do Facebook, formado por quase 20.000 pessoas que amam fotos antigas de BH. O mais legal desta inclusão é descobrir que os participantes conhecem muito da história da cidade e de suas construções, ruas, personalidades e viadutos, pesquisam arquivos públicos, etc.

A coisa mais comum nesse grupo é alguém postar fotos de casas e prédios que já não existem mais, demolidos para a construção de edifícios maiores e mais modernos (?). Em uma dessas ocasiões um dos participantes publicou a foto de uma casa lindíssima do início do século XX, já demolida e substituída por outra construção. Muitos elogiaram, centenas “curtiram”, outro tanto lamentou a demolição e alguém fez o seguinte comentário: “Palimpsesto...” Achei genial essa associação de ideias.

Lembrei-me da Tróia do Schliemann e de tantas outras ruínas e edificações mundo afora, demolidas ou destruídas para dar lugar a palácios, igrejas e outros monumentos. E me dei conta da pertinência e utilidade do significado de palimpsesto quando também aplicado às cidades e construções, transformadas em verdadeiros palimpsestos urbanísticos e arquitetônicos.

Mas algumas ideias colam mais que outras na minha cabeça, justamente por estar sempre pensando através de associações e releituras de conceitos, palavras e (repetindo) ideias. E uma dessas releituras que fiz é a extensão do conceito de palimpsesto à Vida de um modo geral (ou, pelo menos, à minha vida). Afinal, há muito tempo venho tentando raspar conceitos ultrapassados, emoções rançosas, sentimentos em desuso e crenças equivocadas, tentando escrever e registrar novas ideias, novos pensamentos, novas emoções, outras crenças.

Nessa caminhada ziguezagueante confesso que nem sempre consegui bom resultado, pois já rasguei ou danifiquei pergaminhos, registrei textos de qualidade inferior e relevância duvidosa, a caligrafia saiu tremida, borrada ou ilegível. Mesmo assim, continuo tentando entender o sentido desse palimpsesto emocional.


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