Já falei da família de meu pai aqui nesta
bagaça, mas talvez por esquecimento ou desinteresse, deixei passar dois
pequenos detalhes que iluminam um pouco mais essas pessoas queridas.
Nos quatro posts que dediquei a essa família
que viveu em um século só deles, mencionei o contraste – e essa é apenas minha
opinião – entre a modernidade de sua educação formal, ainda no início do século XX, todos formados em
faculdade, com seu comportamento arredio, tímido e introvertido de matutos
nascidos no interior de Minas Gerais entre o final do século XIX e início do
século XX. Daí a ideia de terem vivido no século 19,4 ou 20,3, por exemplo.
Pois bem, apesar da cultura humanista a que
tiveram acesso, eram profundamente formalistas e conservadores quando se tratava de pintura e
poesia. Minha tia Sinhá era uma pintora acadêmica bastante boa, qualidade que
deixou de explorar quando os negócios da família foram para o brejo. Mas
recusava-se a aceitar como arte a pintura moderna de Portinari, Picasso e todos
que viraram pelo avesso o estilo com que se identificava. Lembro-me de tê-la ouvido contar
a reação de espanto e consternação que algum intelectual que conhecia esboçou ao ouvi-la comentar de forma depreciativa (-"Deveras, Sinha?) os painéis de Portinari que estão na igrejinha
da Pampulha, em BH.
Já com meu pai o problema eram as poesias
modernas. Para ele, poesia tinha de ter métrica e rima. Sem isso, era prosa ou bobagem
modernosa. Creio que tinha especial antipatia pelo poema “No Meio do Caminho”, de Carlos Drummond de Andrade. Aquele negócio de “Nunca me esquecerei que no meio do caminho Tinha uma pedra Tinha uma
pedra no meio do caminho” era demais para ele.
Lembrei-me desses casos remexendo em coisas
guardadas há mais tempo. Uma delas é um livro de sonetos de Camões, que ganhei
de uma ex-nora. Como o livro tinha servido apenas para que ela fizesse algum
trabalho escolar, perguntou-me se eu o queria. E aí, pimba.
Lembrando-me das rimas e métricas dos
sonetos, redondilhas, e alexandrinos “d’antanho”,
tão ao gosto de meu pai e de seus irmãos, resolvi encerrar este post com um
soneto que achei no tal livro. Certamente teriam apreciado, pois o sujeito entendia muito do assunto.
Amor é
um fogo que arde sem se ver,
é
ferida que dói, e não se sente;
é um
contentamento descontente,
é dor
que desatina sem doer.
É um
não querer mais que bem querer;
é um
andar solitário entre a gente;
é nunca
contentar-se de contente;
é um
cuidar que ganha em se perder.
É
querer estar preso por vontade;
é
servir a quem vence, o vencedor;
é ter
com quem nos mata, lealdade.
Mas
como causar pode seu favor
nos
corações humanos amizade,
se tão
contrário a si é o mesmo Amor?
Para mim é justamente "a bobagem mordernosa", pode parecer espantoso ou pura ironia, mas eu abomino rima.
ResponderExcluir"J"