domingo, 26 de março de 2017

MAIS EMBAIXO QUE O PRÉ-SAL

Recentemente, li na internet duas notícias de fazer cair o queixo (claro, para quem tem queixo, que não é o meu caso). Na verdade, trata-se apenas de uma mesma notícia, divulgada por dois veículos diferentes. Achei a primeira no portal G1, que publicou isto em sua edição do dia 08/03/2017:
“Odebrecht pagou R$ 10,5 bilhões em propina em 9 anos, diz ex-funcionário
Revelação foi feita à Justiça Eleitoral. Valor incluiu caixa 2 para campanhas eleitorais e propina para garantir obras”.

Um dia antes, em 07/03/2017 o site politica.estadao.com.br divulgou esta outra:
“'Departamento da propina' da Odebrecht movimentou US$ 3,3 bi entre 2006 e 2014
Hilberto Mascarenhas, um dos responsáveis pelo 'departamento de propina' da empreiteira, detalhou os pagamentos com recursos ilegais da empresa”

R$10,5 bilhões! É muita, muita grana. Nessas horas, eu sempre me lembro de um texto do Rui Barbosa, aquele que diz que “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

Grande Rui, grande cabeção! De tanto ver prosperar as grandes construtoras de obras públicas, de tanto ver seus nomes citados na Operação Lavajato, eu chego a desanimar-me do futuro do país e a ter vergonha de ser brasileiro. Sinceramente, eu penso que se um dia algum maluco resolver escrever a “História da Corrupção no Brasil”, poderá aproveitar os dados pesquisados e escrever simultaneamente uma “História das Obras Públicas Brasileiras”, pois estará quase que automaticamente descrevendo a relação simbiótica entre empreiteiros de obras públicas e toda sorte de “autoridades”. E é obra para dez volumes, no mínimo.

Mas, você já se perguntou qual o impacto do pagamento de propina ou o que isso representa no sobrefaturamento de uma obra pública? Não? Vou te dar uma dica, recorrendo à Matemática (vou fazer umas continhas) e algum bom senso. Mas, antes, preciso deixar claro que é apenas um exercício para não deixar o cérebro parado. Além disso, usarei não a Odebrecht, mas uma empreiteira hipotética – ou um grupo delas – para fazer minhas ilações. Utilizarei apenas o valor da propina que foi noticiado, mas deixo claro que não conheço ninguém da Odebrecht nem nunca trabalhei lá. Bora lá.


Só para simplificar, admitamos que uma propina alegremente cobrada e paga represente cinco por cento do valor de uma obra pública. É muito? É pouco? Sinceramente, imagino que seja uma taxa talvez modesta, pois ao longo de minha vida profissional ouvi falar de 2%, 5%, 10%, 15%, tendo chegado ao paroxismo de 20 ou 30% na era PC Farias. Seria isso verdade? Não sei, sinceramente, pois não atuava nessa área, mas engenheiros são pessoas que gostam de contar vantagem, gente muito fofoqueira.

Então, voltando aos nossos modestos 5% de propina paga, podemos estimar o valor contratado a partir de uma regra de três simples. Se R$10,5 bilhões correspondessem a 5% do valor total de uma carteira de obras contratadas,  100% corresponderia a... Se você ainda consegue fazer essa conta, descobrirá que esses 100% equivaleriam a contratos no valor de R$210,0 bilhões (uma merreca!).

Vamos agora para o senso comum: alguém, em sã consciência, aceitaria “molhar a mão” de uma “autoridade” tendo como contrapartida apenas um contrato que já começa deficitário? Deficitário? Claro, pois se uma empreiteira apresenta uma proposta justa e sem “gordura” nenhuma, tirar 5% desse preço suado seria o mesmo que cortar na própria “carne”. Isso é particularmente verdade no universo das pequenas construtoras. Ficar com apenas 95% de um contrato significaria exatamente cortar a própria carne, pois pequenas empresas que ganham uma licitação de obra com porte compatível à sua capacidade de executá-la, já tiraram toda a “gordura” porventura existente em sua proposta. Como dizia um ex-colega, “já ralou o cu nas ostras” para vencer os concorrentes.

- “Nunca perdi dinheiro por NÃO fazer uma obra”, era a frase que o presidente de uma empresa em que trabalhei gostava de repetir. Obviamente, essa reflexão surgiu por ter perdido dinheiro em virtude de um orçamento errado ou otimista demais. Assim, para prevenir esse problema, o mais lógico seria embutir no preço ofertado a propina previamente conhecida ou cobrada.

Ainda recém-formado, fiquei sabendo que a modestíssima empresa onde eu trabalhava aumentava em 2% o valor de sua proposta, sempre que entrava em licitações promovidas em um município da grande BH, pois essa era a taxa exigida pelo então prefeito. Detalhe: nunca mais ganhou nenhuma, pois sempre aparecia alguma “gatinha” que desconhecia o apetite do alcaide. Sabia de nada a inocente! A novata podia ganhar a licitação, mas só receberia suas faturas em dia se pagasse o pedágio já conhecido pelas demais. Corte na carne.

Se a coisa parasse só nisso, já teríamos uma obra com sobrepreço provocado apenas pela fome dos corruptos. Então, se até as micro-construtoras tomam essa “vacina”, porque as maiorzinhas e as gigantonas não tomariam? Me engana, que eu gosto.

Agora, viaje comigo e tente pensar com a cabeça de um presidente ou diretor de empreiteira. “Se eu tenho que pagar 5% a esse filho da puta só para viabilizar a assinatura do contrato e receber as faturas em dia, porque eu não subo um pouco mais meu preço, dou uma engordada nele? Assim, todo mundo sai ganhando. Até o valor dos 5% fica maior!

Está claro que ele não fala sozinho. Nesse caso, um interlocutor (de máxima confiança) poderia comentar que está tudo muito bom, está tudo muito bem, mas realmente agindo assim, o resultado seria perder a licitação. A menos que se conseguisse fraudar e alterar as condições do edital... Já viu que é mole fazer isso quando corruptos e corruptores são “amiguinhos”, não é mesmo?

Então, voltando à nossa hipótese inicial, imaginemos que o dono, presidente, diretor ou lobista de uma empreiteira tenha um apetite mais acentuado, uma “goela larga”, seja “fominha” ou apenas com ética zero. Ele poderá pensar (e certamente pensará) que se é obrigado a pagar 5% para o corrupto filho da puta, sua construtora poderá muito bem engordar seu preço em 10, 15% ou até mais. Afinal, “já está tudo combinado mesmo”...

Aí, já que é para “estragar a lavoura”, adotemos um aumento (modesto) de 20% na proposta da empresa. Nesse caso, imaginando que os contratos da nossa empreiteira genérica tivessem essa “vacina”, o preço JUSTO seria encontrado dividindo-se a merreca de R$210,0 bilhões por 1,20. O preço assim obtido seria igual a R$175,0 bilhões. O que se pode extrair disso? Olhaí:

Preço justo para os serviços:                             R$175,0 bilhões
Valor dos contratos “anabolizados”:                   R$210,0 bilhões
Propina paga:                                                     R$  10,5 bilhões
“Troco” embolsado pela empreiteira hipotética: R$  24,5 bilhões

Ficou escandalizado? Sinceramente, excluído o valor da propina já admitido, eu penso que os porcentuais utilizados são até conservadores. E se você se lembrar dos nomes e porte das diversas empreiteiras envolvidas na Lavajato, perceberá que o buraco é bem mais embaixo, mais fundo que as jazidas de petróleo do Pré-Sal.

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