quinta-feira, 2 de março de 2017

PORTA-BANDEIRA

No último dia de carnaval, em vez de sair atrás de algum bloco que estivesse saracoteando pelas ruas do nosso bairro, resolvemos ir ao show de uma banda cover dos Beatles aqui de BH. Sem contraindicações, pois estava acontecendo na esquina da rua onde surgiu o Clube da Esquina. O palco ali montado ocupava a largura total da pista de rolamento, só deixando as calçadas livres – ou mais ou menos livres, pois algumas caixas de som estavam disputando o espaço com quem queria passar por ali.

Estava cheio pra caramba, muita gente fantasiada de forma absolutamente livre, bem humorada e improvisada. Eu, por exemplo, estava caracterizado de “Seu Madruga”, graças ao chapéu que minha mulher fez para mim e a um bigode adesivo comprado em uma dessas “lojas de R$1,99” (custou dois reais). Camiseta preta, calça jeans desbotada e tênis completavam a fantasia. Fiz um relativo sucesso, pois em determinado momento um bêbado sobe ao palco, começa a cantar junto com a banda e, ao sair, manda “um beijo para o Seu Madruga ali”. Achei super legal, mas desconfio que esse “sucesso” seja consequência do aspecto bizarro e híbrido que apresentava: indumentária igual à do Seu Madruga, a barriga proeminente do Senhor Barrica e a cara de idiota do Quico (contei essa piada para todo mundo que me dirigia um olhar ou sorriso cúmplice).

Lá pelas tantas aparecem quatro sujeitos com cara de filhos da puta, nitidamente hetero e meio bêbados, fantasiados de “Paquitas da Xuxa” – saiote branco, casaco, chapéu e botas laranja. E mais divertido ficou quando invadiram o palco para fazer uma coreografia hilária tipo “can-can”. Mas uma fantasia destoou do clima descompensado que estava rolando durante o show. 

Em algum momento do show, apareceu um sujeito que provocou em mim a mesma estranheza de ver um bode ou um porco na sala, pois não combinava nem um pouco com o clima descontraído que rolava. Vestia um uniforme tipo guerrilheiro das FARC ou de revolucionário de Sierra Maestra. Cabelos longos até o ombro, óculos e cara de bobo completavam um traje composto de chapelão de abas largas e moles, casaco estilo militar e calças camufladas, tudo na cor verde “exército”. O detalhe mimoso era uma bandeira presa a um cabo de vassoura que o mané manejava como se fosse porta-bandeira de uma escola mambembe de samba, samba do crioulo doido, pois era o estandarte de um país tão sem recursos quanto uma escola do grupo de acesso, era a bandeira de Cuba (confirmei na internet), onde estavam estampadas uma foto manjadíssima do Che Guevara e a frase “HASTA LA VICTORIA SIEMPRE”.

Aquele pedaço de pano me incomodou profundamente, por trazer implícita a admiração por um assassino cruel e por uma ditadura arruinada. E fiquei pensando nas pessoas que se iludem pela vida afora a levantar e defender bandeiras equivocadas, em defesa de ideias ultrapassadas, governos anacrônicos e pensamentos radicais caducos.

Depois, fiquei pensando que até que havia algum sentido nisso tudo. Afinal, era carnaval e cada um fantasia o que quiser, mesmo que seja só uma fantasia com cara de pesadelo.

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