quinta-feira, 1 de maio de 2025

DIZEDELAS E GALIMATIAS

 
No post-agradecimento “Meu Desafeto Predileto” eu publiquei o texto da capa do livro Bíblia do Caos, de Millôr Fernandes. Deu um trabalhinho lascado copiar cada uma das sessenta e duas palavras que formam o que eu chamei de “humor de saturação”. Eu só não precisava ter tido esse trabalho se imaginasse que o Millôr tinha feito no final do livro um pequeno dicionário com elas, comentando seu significado (outra forma de fazer humor). Talvez ninguém se interesse em ler esse tipo de coisa, mas para mim o Millôr foi aquele tipo de sujeito que você diz –“quando eu crescer quero ser igual a ele”. Então, quem quiser, que leia.
 
CAPA EXPLICAÇÃO DESNECESSÁRIA Para que o leitor não corra aos dicionários, com risco de acidente físico-cultural, e pra que não pense que algumas palavras da capa são invencionices filológicas, tipo fi-lo porque qui-lo, o autor desvenda aqui os significados:
 

PENSAMENTOS – função cerebral. Reflexão que envolve todos os sentidos e atos do ser humano. Lupicínio Rodrigues achava: “O pensamento parece uma coisa à toa mas como é que a gente voa quando começa a pensar.”;

PRECEITOS – princípios, prescrições, tentativa de impor aos outros aquilo que assumimos como certo e que, possivelmente, nunca nos serviu pra nada;

MÁXIMAS – basicamente de caráter moral, comumente popular, sempre com aparência de verdade definitiva. Isso não existe; a máxima é uma mentira absoluta, quase sempre conservadora ou reacionária;

RACIOCÍNIOS – constante esforço humano para provar a si próprio uma impossibilidade – a de que é um animal racional. Só isso já prova a irracionalidade humana, sem a feliz, porque completa, irracionalidade dos outros animais;

CONSIDERAÇÕES – jeito de refletir que acaba por nos trazer respeito pelos outros pobres diabos como nós e levar a tratá-los com a devida...consideração;

PONDERAÇÕES – espécie de reflexão tão detalhista e lenta, que leva o ponderador a ser devagar;

DEVANEIOS – fantasia cerebral, própria de pensadores amadores;

ELUCUBRAÇÕES – passar longo tempo ponderando, pensando, antigamente à luz de velas bruxuleantes. Edgar Poe quando lucubrava em suas madrugadas drogadas acabava dialogando com corvos inexistentes. Dizem que inicialmente era um papagaio;

CISMAS – preocupação, reflexão tendente à desconfiança e à suspeita. Cisma-se com tudo e com todos;

DISPARATES – o sentido vem de um jogo de salão em que ouvindo uma coisa (nome, substantivo) segredada num ouvido e uma definição aleatória segredada no outro, o ouvinte revelava aos circunstantes os dois enunciados juntos, provocando gargalhadas;

IDÉIAS – Augusto dos Anjos: “Vem do encéfalo absconso que a constringe”. Uma coisa de que as pessoas geralmente são meras repetidoras. Quando alguém tem duas idéias por semana, como acreditava Shaw, é considerado um gênio;

INTROSPECÇÕES – mergulho que o cavalheiro faz em si mesmo numa busca de verdades interiores, já que aqui fora estamos em falta. Psicanálise sem psicanalista;

TRESVARIOS – desvario potenciado;

OBSESSÕES – Idéia fixa: o que dá ao obsessivo o conforto de não ter que mudar de idéia;

MEDITAÇÕES – concentração profunda e prolongada do espírito. Espremido bem, o cara acaba confessando: estava era mesmo pensando em sacanagem;

APOTEGMAS – dito econômico sentencioso, curto e grosso;

DESPROPÓSITOS – coisa inteiramente deslocada da realidade ou do que se está falando, dita fora de hora, de lugar, de meio. Sempre divertido de usar, sobretudo em velórios;

APODOS – zombaria, apelido, dito depreciativo. Quem usa apodos não tem recalques. Ou se livra deles ao usar os apodos;

DESVARIOS – parente do tresvarios, já citado;

DESCOCOS – descaramento, puro e simples;

COGITAÇÕES – essa é fácil por causa do Descartes que a popularizou: “cogito, ergo sum.” O cara que cogita é cogitabundo;

PLÁCITOS – Achar bom, aprovar; donde beneplácito. Simples, no, mamita?

DITOS – Mexerico e também obscenidade. Se você não encontrar essas definições em seus dicionários, dê o dito pelo não dito;

SANDICES – parvoíce, coisa de maluquete;

ESPECULAÇÕES – considerar minuciosamente, para errar com absoluta certeza;

CONCEITOS – avaliação de atitude ou pronunciamento;

GNOMAS – afirmativa de caráter moral. Geralmente é conservadora, proclamada há tantos anos que pode ser considerada imoral. O mundo já girou, a Lusitana rodou e o gnoma permaneceu o mesmo;

MOTES – divisa, lema de brasão, afirmativa altaneira de cavalheiros templários, hoje reduzida à tema pelos cantadores de feira: “Me dá o mote”;

PROPOSIÇÕES – pensamento com caráter provisório, proposto para ser confirmado ou negado; muito comum é a proposta indecorosa. Quase sempre tentadora. Geralmente aceita;

ARGUMENTOS – indícios com que se procura provar (defender) alguma coisa;

FILACTÉRIOS – espécie de breve ou amuleto usado pelos judeus pendurado no pescoço, ou no braço, contendo sentenças da lei mosaica. Dito, portanto, irretorquível, xiíta;

REFLEXÕES – o pensamento deixando de ser reflexo do exterior e voltando-se sobre o próprio refletidor. Em física a modificação da propagação de uma onda, fazendo-a voltar ao ponto inicial. Não ficou mais claro?;

ESCÓLIOS – explicação de um texto clássico. Ou a complicação de um texto novo a fim de que ele se torne clássico;

CONCLUSÕES – é isso aí, e não se toca mais no assunto. Falei, tá falado;

AFORISMOS – conceito, em geral de caráter moralístico. Donde preconceito;

ABSURDOS – que foge à qualquer convívio com o raciocínio de pessoas dignas e bem pensantes. Pior só o abmudo. Ou, ainda mais, o absurdomudo;

MEMÓRIAS – geralmente aquilo que se esquece;

ESTULTILÓQUIOS – palavrório, discurso estulto, tolo, néscio, imbecil, insensato, inepto, estúpido; espera aí vocês vieram pra me ler ou pra ofender?;

ALOGIAS – contra-senso, incapacidade de expressão por lesão dos centros nervosos ou por falta de lógica pura e simples;

DESPAUTÉRIOS – besteira sem tamanho, asneira desmedida. Dizem que a palavra vem de Van Pauteren, filósofo flamengo do século XV, famoso por formulação de teorias lingüísticas idiotas. A gente conhece o tipo;

AQUELAS – você conhece aquela do Antônio Houaiss?;

INSULTOS – ofensa, injúria que as vezes ataca a própria pessoa, e se chama insulto cerebral;

NECEDADES – pacovice, barbaquice, bertoldice, bernardice; pronto, ficaram na mesma;

DISLATES – asneira pura e simples, sem mais enfeites;

PARADOXOS – ir contra o senso comum, contra a própria lógica aparente, contradizer se contradizendo. Não é bom?;

PRÓTASES – depois da prótase, como ninguém ignora, vem a epítase e logo depois, como qualquer menino sabe, a catástase. Ou vocês, na gramática, não aprenderam também a prótese, a epêntese e a parágoge?;

SOFISMAS – argumento que parte de premissas corretas para conclusões perfeitamente mentirosas, mas irrefutáveis. Tipo silogismo crítico; “Todo bom e barato é raro. Todo raro é caro. Logo todo bom e barato é caro.”;

SINGULARIDADES – como me afirmou Camilo Castelo Branco: “Ora, o senhor Millôr está a dizer coisas que parecem de doudo.”;

MIOPIAS – estreiteza de opinião que leva fatalmente à estreiteza de visão;

ESTULTÍCIAS – aquilo em que se compraz o estulto;

SILOGISMOS – forma filosófica de duas premissas e uma conclusão para embatucar todos nós: “Nenhum homem é perfeito. Todo prefeito é homem. Logo nenhum prefeito é perfeito.”;

TERGIVERSAÇÕES – subterfúgios, fuga aos compromissos, explicações pra brochuras.

ENORMIDADES – Absurdo sem tamanho. “O Millôr nesse livro só disse enormidades”;

PARANÓIAS – afirmativas que revelam mania de grandeza, ambições suspeitas, ou mesmo insuspeitas, por que não?;

LEVIANDADES – ligeireza, irresponsabilidade, incapacidade de levar o leitor a sério, mesmo quando ele compra um livro de 500 páginas;

IMPRUDÊNCIAS – falar o que não deve, ou o que deve em momento indevido, uma forma de firmeza de caráter desconhecida por políticos;

INCOERÊNCIAS – em física a propriedade de um ciclo de ondas com fases que não guardam relações constantes entre si. É por aí;

DESABAFOS – quando a pessoa mente ou conta vantagens a isso se chama bafo. Desabafo é exatamente o contrário;

GALIMATIAS – palavras incompreensíveis, como se fossem pronunciadas em Babel, em todas as línguas;

HERESIAS – qualquer coisa de que a gente não gosta e da qual não consegue se defender;

HIDROFOBIAS – os latidos precursores da mordida.

DIZEDELAS – Ditos.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

HOMO HOMINI LUPUS EST

 
Este país é mesmo uma tristeza! Já não bastava o Carlos Lupi ter deixado o cargo de ministro do Trabalho da Dilma Roussef cercado de acusações de corrupção? Tinham de dar para ele o cargo de ministro da Previdência Social no governo Lula?
 
Dizem que “o homem é o lobo do homem” (Homo homini lupus est, em latim). Mas no Brasil talvez possa ser dito que o Lupi é o lobo do “Homem” (aquele!), um lobo plural (Lupi) que parece adorar um treta gorda.

MEU DESAFETO PREDILETO

Ele é o mais antigo leitor do Blogson Crusoe, já foi “seguidor”, deixou de ser, voltou outra vez, deixou novamente de ser. Talvez por termos mais diferenças que “parecenças”. Ele entrou na melhor idade, e eu já estou quase saindo – dela ou de qualquer outra; ele faz questão de beber cerveja barata mas boa, eu só como bombom de licor; ele é fã do Raul Seixas, eu não consigo mais escutá-lo; eu e ele somos heterossexuais e gostamos de falar palavrões (ele gosta mais que eu); ele parece ser muito culto, eu levo mais jeito para carroceiro; ele é pós graduado em ironia e sarcasmo, eu só cheguei até a quinta série;ele se chama Ricardo, e eu também (não tente entender!); ele odeia o PT e eu também; ele baba de ódio pelo Lula, eu faço o mesmo pelo Bozo; já se enfureceu comigo e eu já fiquei puto com ele; ele é conservador, eu quero ser apenas livre (ou anarquista, se preferir).
 
Creio que poderia defini-lo como meu desafeto predileto, pois mesmo que não o conheça pessoalmente (e espero que continue assim), tenho uma genuína simpatia por ele, talvez maior que muito “amigo” da vida real.
 
E esse sujeito, o irascível Azarão do blog “A Marreta do Azarão”, deu-me dois preciosos presentes, dois livros do meu ídolo Millôr Fernandes – um verdadeiro filósofo que utilizou o humor e a ironia para expor sua visão de mundo. Definindo-se como um “livre atirador”, Millôr disse verdades lapidares como esta: “Não existe pensador católico. Não existe pensador marxista. Existe pensador. Preso a nada. Pensa, a todo risco.” E definia a ideologia, qualquer ideologia, como uma "bitola estreita para orientar o pensamento".
 
Tendo circulado por todo tipo de humor, utilizou no livro a “Bíblia do Caos” uma de suas formas mais curiosas e sofisticadas, que eu chamo de “humor de saturação”, obtido com o uso exaustivo de sinônimos e palavras correlatas, tal como se lê na capa de um dos presentes que recebi, que ele assim definiu:
 
5.142 Pensamentos, Preceitos, Máximas, Raciocínios, Considerações, Ponderações, Devaneios, Elucubrações, Cismas, Disparates, Ideias, Introspecções, Tresvarios, Obsessões, Meditações, Apotegmas, Despropósitos, Apodos, Desvarios, Descocos, Cogitações, Plácitos, Ditos, Sandices, Especulações, Conceitos, Gnomas, Motes, Proposições, Argumentos, Filactérios, Reflexões, Escólios, Conclusões, Aforismos, Absurdos, Memórias, Estultilóquios, Alogias, Despautérios, Aquelas, Insultos, Necedades, Dislates, Paradoxos, Prótases, Singularidades, Miopias, Estultícias, Silogismos, Tergiversações, Enormidades, Paranoias, Leviandades, Imprudências, Incoerências, Desabafos, Galimatias, Heresias, Hidrofobias e Dizidelas, da dialética do irritante Guru do Meyer.
 
Agora, chega de conversa fiada, pois o que eu quero é mergulhar no Caos do Millôr. Obrigado, Marreta.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

PARABÉNS, TIO DANI

 
Hoje nosso filho mais novo comemora seus 38 anos de vida. Sempre me surpreendo ao pensar nessa idade, pois, até outro dia, ele era um menino que me dava um abraço demorado, dizendo com um sorrisinho maroto “- Colou!”. Eu achava aquilo uma delícia. Hoje, quem às vezes o abraça demoradamente e diz “- Colou!” sou eu.
 
“Tio Dani” – como é chamado pelas sobrinhas –, é um fenômeno de inteligência emocional, pois é impossível não gostar dele e de seu sorriso tranquilo e sedutor. Manda super bem na cozinha e até criou o blog “Mixidão”, ideal para os analfabetos culinários, aquele pessoal que confunde alcachofra com Cochabamba e que mal, mal consegue fritar um ovo ou preparar um miojo. Além disso, já publicou dois livros de receitas lindissimamente ilustradas (a propaganda é a alma do negócio!), O primeiro volume está esgotado, mas ainda é possível adquirir o segundo através de seu blog (https://mixidao.com.br/).
 
 É difícil para um pai coruja e babão ter isenção para falar dos filhos a quem ama tanto sem se derramar em elogios. Mas ele e seus irmãos merecem isso, tal o carinho e preocupação que demonstram por nós. Em 2016 eu publiquei um texto em sua homenagem, cujo link é este:
https://blogsoncrusoe.blogspot.com/2016/04/o-bom-selvagem.html.
 
Parabéns, Tio Dani!

FALANDO DE RELIGIÃO E RELIGIOSIDADE

 
A morte do Papa Francisco tornou ainda mais visíveis o ódio e o preconceito que hoje contaminam as redes (anti)sociais. Ao ler mensagens recebidas por minha mulher – enviadas ou comentadas por algumas de suas amigas de juventude e faculdade – só consegui sentir nojo, repulsa e ódio. O ódio, no meu caso, como consequência natural do princípio da ação e reação. Contra as amigas de minha mulher, senti apenas decepção e pena. Mas o que elas replicaram e compartilharam, meu Deus! Foi por isso que resolvi fazer uma colagem de pensamentos mais ou menos antigos para falar um pouco sobre religião, religiosidade, catolicismo, perda de fiéis e temas afins – tudo, claro, a partir da minha visão atual de católico-ateu. Quer viajar comigo?
 
Para mim, as religiões surgiram como resposta ao medo e à fragilidade. Quando começou a pensar, o Homo sapiens passou a sentir medo do desconhecido e das ameaças, reais ou imaginárias. Percebeu também sua própria fragilidade diante de forças que não entendia ou não podia controlar – fenômenos da natureza, morte, fome, dor, doenças, ataques de predadores, investidas de tribos inimigas. Precisava de conforto, de esperança, de explicações que não encontrava nem dentro de si mesmo nem em sua comunidade.
 
Assim nasceu o impulso de divinizar animais, árvores, fenômenos meteorológicos – qualquer coisa que fosse temida ou que pudesse ser venerada ou manipulada para obter proteção. Pelo que consigo imaginar, pelo menos no início da caminhada humana, nunca houve admiração ou amor pelos deuses, havia apenas medo, respeito, desejo de proteção e, claro, pedidos de ajuda para eliminar os inimigos.
 
Não demorou muito, e todos os povos já possuíam seu(s) deus(es) de estimação – cujos préstimos eram sempre solicitados em caso de guerras de conquista ou de defesa, tipo assim: “Jeová, Jeová, olhe também pra mim que eu estou mais pra lá do que pra cá” (Juca Chaves).
 
Obviamente, os deuses cobravam pelos serviços prestados na forma de templos, estátuas e monumentos em sua homenagem, além da realização de sacrifícios e uma fidelidade incondicional.  A existência de tantos deuses podia levar a conflitos de interesse, um povo pedindo coisas que entravam em choque com as necessidades de outros, por mais idiotas, sacanas ou injustos que fossem esses pedidos, o desejo de uns ignorando as necessidades de outros. Talvez a crença de consequências mais perniciosas tenha sido a de um povo se considerar o escolhido desse ou daquele deus, porque uma coisa é você escolher um deus para adorar e outra bem diferente é se imaginar o "povo eleito" desse deus, com mais direitos que os demais povos.
 
Sinceramente, eu não consigo aceitar essa crença, a de um pai que privilegia um filho em detrimento dos outros. Existem pais assim no mundo real – eu mesmo conheci um –, mas nunca que um pai-deus ou deus-pai faria uma merda dessas, pois estaria condenando seus filhos ao conflito eterno, brigando pela herança divina. Se hoje (e sempre) a divisão de patrimônio material já provoca um caos desgraçado, como imaginar que isso não aconteceria com promessas divinas?
 
Para mim só duas opções existem: ou um deus não fez promessas apenas para seu povo predileto (tipo “terra prometida”), ou, se fez, não pode ser considerado o deus de todos os povos. Complicado, não? 
 
O grande problema é que essa crença se perpetuou ao longo dos milênios. Sinceramente, não dá para aceitar um deus exclusivista, injusto e parcial. Mas há milhares de cristãos que acreditam nisso (vamos nos manter no limite do cristianismo, ok?).
 
Outro problema que identifico hoje não é a crença de que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, mas o contrário disso. Ao longo da história, o homem imaginou um Deus à sua imagem e semelhança – a criatura modelando o criador. Isso explicaria todo preconceito, toda rejeição às mudanças, todo conservadorismo que floresceu (e ainda floresce) até hoje. Não sei de outras igrejas cristãs, mas alguns católicos são muito bons nisso (não todos, claro). Por isso, toda mudança no status quo proposta por quem a pode propor (um Papa) é tão mal recebida, tão mal interpretada.
 
Hoje eu vejo a Igreja Católica não como uma instituição decadente, mas como um equipamento gigantesco que gasta uma energia lascada para se movimentar. Essa inércia, essa dificuldade de se mover impede a autorização de ordenação feminina e para que os padres se casem , mesmo que a igreja anglicana esteja aí para provar que não há grandes problemas se isso acontecer. Há outros tabus que enlouquecem os muito conservadores – casamento gay, por exemplo. Mas numa igreja onde ainda existem os defensores da missa em latim com o celebrante de costas para os fieis, tudo é possível.
 
Esse conservadorismo, esse reacionarismo explica a perda de fieis para as igrejas evangélicas? Não, na minha opinião. No tempo em que eu ia todos os domingos à missa, comecei a pensar por que as igrejas estavam tão vazias e com poucos jovens. E cheguei a estas hipóteses:
 
Como sempre aconteceu, católico só recorre, só procura Deus se estiver precisando Dele. Se estiver com a vida mais ou menos tranquila, muito mais divertido é tomar cerveja, jogar bola ou assar uma carninha no domingo. Na minha infância as igrejas ficavam cheias e havia várias missas dominicais. Talvez o temor a Deus fosse maior, talvez as pessoas fossem mais ignorantes, mais crédulas. Essa situação de relativo conforto e o apelo à diversão talvez expliquem o sumiço dos que ainda se dizem católicos.
 
Mas e os que migraram para as igrejas evangélicas? Para mim a resposta é simples: ninguém que resolveu abandonar o catolicismo mudou para as igrejas protestantes tradicionais, (gente séria que merece todo o meu respeito); ninguém saiu por desacreditar nos santos e milagres aceitos pelo catolicismo. Os “migrantes” converteram-se à “fé” pregada nas igrejas pentecostais e neopentecostais, onde os "milagres" acontecem a rodo, e a esperança na cura ou solução imediata problemas financeiros são a promessa.
 
Pense bem, se alguém me promete solução imediata de algum problema, qual a vantagem de continuar fazendo promessas para santos católicos? As chamadas espórtulas da igreja católica durante a missa podem ser apenas moedas ou nada, mas ninguém que precisa ganha cesta básica. Estão aí os bispos e missionários evangélicos que não me deixam mentir sozinhos.
 
Então, dentre os que ainda se dizem católicos o conservadorismo é mais visível. Quando um papa surge falando em justiça social a reação é chamá-lo de "comunista" e idiotices do gênero. Aparentemente, todos os que o criticam são adeptos da frase “pra farinha pouca meu pirão primeiro”.
 
Hoje eu acredito que a maioria dos “migrantes” é formada por gente humilde, temente a Deus sim, mas que acredita em milagres  por atacado, que precisa de soluções e auxílio material imediato. A Igreja Católica pretende oferecer isso? Duvido. Para mim, ela está mais preocupada com a "teoria" que com a "prática", mais sensível aos ensinamentos de Jesus que aos castigos, promessas e ameaças do Antigo Testamento. Mais no Deus Filho que no Deus Pai, o inverso das novas igrejas evangélicas. Quem deixa de ser católico parece estar mais interessado nas benesses materiais acenadas pelos pastores dessas igrejas (universais, mundiais, internacionais, malas falas e similares) que de conforto espiritual. Esse é o meu pensamento. Estou errado?

domingo, 27 de abril de 2025

ESSE PAPA ERA DO BALACOBACO!

 
Recebi pelo whatsapp de um amigo um excelente artigo sobre o Papa Francisco. Talvez o texto não atraia o interesse de quem não é católico, mas provavelmente deixará irritado que o chamou de papa comunista. Eu fiquei surpreso com as pedreiras que enfrentou em seus doze anos de papado. O autor é Jamil Chade (UOL) e o título provável é 
Luxo, heresia e guerra: reforma de Francisco será testada no conclave”.
Sirvam-se!
 
 
Assim que tomou posse em 2013, o papa Francisco convocou nove cardeais e lhes deu uma tarefa: limpar o lugar. Eles teriam a missão de identificar tudo o que existia de exagero, corrupto ou que desviasse da missão da Igreja. Mas, acima de tudo, desenhar uma nova constituição para a Santa Sé e transferir poder e responsabilidades da Cúria Romana para as conferências locais de bispos. Seria um verdadeiro terremoto.
 
Ele assumia no lugar de Bento 16, que ganhou o apelido de "Papa Prada" por seu gosto por itens de luxo e sapatos de pele. Dois meses depois, Francisco decidiu fazer uma "inspeção" de surpresa a sua própria garagem e teria ficado impressionado com o valor e luxo da frota. Sua ordem foi para que os carros fossem vendidos e trocados por modelos mais baratos.
 
Sete meses depois de assumir o trono de São Pedro, o pontífice decidiu que, pela primeira vez em 125 anos, o mundo saberia o que estava nos cofres do Vaticano e ordenou a instituição a publicar seu primeiro balanço. Outro terremoto.
 
Em encontros privados e públicos, Francisco não disfarçou seu desprezo pela Cúria. Num encontro com freiras, ainda no final de 2013, ele admitiu que não concordava com o grupo que administrava a Santa Sé e que, por séculos, acumularam direitos e luxo.
 
Os chefes da igreja sempre foram narcisistas, lisonjeados e emocionados por seus cortesãos. A corte é a lepra do papado, disse.
 
O momento mais crítico de sua luta contra esses privilégios ocorreu em dezembro de 2015. Ao se reunir com a Cúria para a mensagem de Natal, o papa os acusou de "hipocrisia".
 
Havia outro fato que Francisco considerava como intolerável: a existência de mendigos nos arcos do Vaticano, repleto de ouro e arte. Depois de instalar chuveiros, banheiros e de ordenar a distribuição de comida e roupas para as centenas de mendigos e sem-teto que dormem todas as noites sob as pilastras do Vaticano e por Roma, o papa abriu uma barbearia gratuita para os mais miseráveis.
 
Quando a iniciativa foi anunciada, cabeleireiros e voluntários de Roma deram à Santa Sé dezenas de tesouras, pentes, espelhos e cadeiras para que os novos clientes pudessem ser atendidos. Francisco ainda comemorou seu aniversário distribuindo 400 sacos de dormir para os mendigos e sem-teto, e convidou 200 deles para jantar no Vaticano.
 
O vendaval que causava Francisco parecia não ter fim. Quatro meses depois de sua posse, ele quebrou um tabu - mas não alterou dogmas - quando disse: "quem sou eu para julgar os homossexuais?". Ele continuou causando indignação das alas mais radicais da Igreja ao lavar os pés de uma refugiada muçulmana. Sua missão, dizia ele, era acolher e usava a imagem da Igreja como um hospital de campanha, que atendia a todos, sem perguntar.
 
O centro de sua reforma era simples: a Igreja deveria servir aos fiéis e ao mundo. E não a ela mesma, sob o risco de ser irrelevante.
 
A guerra interna
Os gestos foram amplamente aplaudidos fora de Roma. Mas houve quem tenha resistido. "Um palhaço". Foi assim que uma ala mais tradicional da Santa Sé começou a chamar Jorge Bergoglio.
 
Francisco tinha pressa. Desde o início de seu pontificado, ele confessava a pessoas próximas a ele que temia que seu percurso seria curto. Precisava, assim, agir em dois sentidos: abrir o debate sobre temas sensíveis dentro da Igreja e, ao mesmo tempo, nomear cardeais progressistas para que sua obra não terminasse com o fim de seu pontificado.
 
Francisco, assim, acelerou a escolha desse novo governo da Santa Sé, proliferando nomeações de mais de cem religiosos de um total de 71 países, algo jamais visto na história do Vaticano.
 
O papa ainda usou um documento publicado por João Paulo 2º, Donum Veritatis, como base de um processo de demissões. O texto, que pedia a submissão da vontade e do intelecto e impedia que teólogos discordassem em público de seus superiores, tinha sido elaborado para permitir ao polonês uma ação contra dissidentes.
 
Alguns dos herdeiros de João Paulo 2º descobriram que a arma tinha, agora, se virado contra eles. Num dos gestos mais enfáticos, o papa argentino excomungou uma comunidade de franciscanos, acusados de manipulação do evangelho, de ensaiar uma aliança com a extrema direita e que promovia missas apenas em latim.
 
Mas fez muitos inimigos quando iniciou o debate sobre temas de fundo. Atacou o capitalismo, saiu em defesa de imigrantes e questionou toda a teoria econômica pela qual a liberdade do mercado garantiria que a pobreza fosse combatida. Ele ainda montou uma intensa campanha pela defesa do meio ambiente, acolheu e abraçou o cacique Raoní e transformou seu gabinete num espaço de diálogo com outras religiões.
 
Em 2019, ao organizar o Sínodo da Amazônia, permitiu que os documentos trouxessem a ideia de flexibilizar protocolos.
 
Algumas das propostas aprovadas pelos bispos chacoalharam a Praça São Pedro: a avaliação de uma eventual participação das mulheres na liturgia, a criação de um pecado ecológico e a possibilidade de que homens casados possam ser ordenados padres.
 
Tudo isso para que a Igreja volte a ter um papel na Amazônia. Se não bastasse, a presença de pessoas de pele escura, com outras tradições e vestimentas pelas salas do Vaticano deixaram os mais conservadores incomodados, e a crise entre tradicionalistas e reformistas ainda mais explícita. Uma estátua indígena que representava a fertilidade e que fora usada numa igreja de Roma ainda foi roubada e jogada num rio.
 
As propostas não vingaram. Mas, pela primeira vez, entraram nas discussões oficiais.
O argentino deixou claro que não aceitaria ser "prisioneiro de um seleto grupo", classificando seus adversários de "elite católica". Para questionar esse grupo, o papa citou os trabalhos de Charles Péguy que, há um século, escreveu "Nota Conjunta sobre Descartes e Filosofia Cartesiana".
 
Por que lhes falta a coragem de assumir assuntos terrenos, eles acreditam que estão assumindo os de Deus. Por que têm medo de fazer parte da humanidade, pensam que são parte de Deus. Por que não amam ninguém, iludem-se pensando que amam a Deus, disse.
 
Divórcio dividiu a Igreja
Foi, acima de tudo, sua exortação apostólica Amoris Laetitia que causou uma rebelião. No documento, estrategicamente ambíguo, a nota de rodapé 351 deixa uma sugestão de que pessoas divorciadas e casais que tenham se casado de novo possam comungar.
 
Nela, o papa afirma que algumas pessoas vivendo num segundo casamento "podem estar vivendo na graça de Deus, podem amar e também podem crescer na vida de graça e caridade, enquanto recebem a ajuda da Igreja para esse fim".
 
Em certos casos, isso pode incluir a ajuda dos sacramentos. Por isso, quero lembrar aos sacerdotes que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas sim um encontro com a misericórdia do Senhor. Eu também gostaria de salientar que a Eucaristia não é um prêmio para os perfeitos, mas um poderoso remédio e alimento para os fracos, completou. "Ao pensar que tudo é preto e branco", acrescenta Francisco, "às vezes fechamos o caminho da graça e do crescimento", alertou.
 
Não demorou para que os grupos se organizassem. O mal-estar era de tal dimensão que, ainda em 2015, a revista Newsweek estampou em sua capa uma manchete que causou um profundo mal-estar no Vaticano. A publicação americana trazia uma foto do papa com uma pergunta. "Francisco é mesmo católico?".
 
A reportagem mostrava quanto ele e seus dissidentes estavam distantes nas ações públicas sobre tantos temas. Não era possível, segundo a revista, que ambos os grupos fossem da mesma religião.
 
Papa herético?
A partir de 2016, essa oposição decidiu ir ao ataque. Numa carta naquele ano, um grupo de teólogos denunciava Francisco por "heresia" no documento Amoris Laetitia.
 
Em 2019, uma segunda carta surgiu, acusando o papa por uma "rejeição abrangente do ensino católico sobre o casamento e a atividade sexual, sobre a lei moral e sobre a graça e o perdão dos pecados". Assinada por mais de mil teólogos e religiosos, ela insistia que Francisco teria cometido o "delito canônico de heresia", definido como o ato de alguém agir contrariamente a um ensinamento revelado por Deus.
 
Se Francisco não se arrependesse publicamente, a carta pedia que os bispos declarassem que ele cometeu heresia e deveria "sofrer as consequências canônicas desse crime". Essas consequências deveriam incluir a destituição do cargo.
 
Meses depois, surgiu nas livrarias romanas o livro Papa Ditador, escrito por um pseudônimo que escolheu um nome renascentista: Marcantonio Colonna. A obra, supostamente de um detrator, contava uma suposta ditadura imposta por Francisco, sem provas ou evidências.
 
A acusação de heresia também foi costurada por um cardeal que se transformou, na primeira metade do pontificado de Francisco, como seu adversário mais vocal. Raymond Burk havia sido demitido pelo papa do sistema de cortes do Vaticano e foi colocado no conselho de uma obscura entidade de caridade. Mesmo em seu novo cargo, Burke voltou a se chocar com o papa e teve seus poderes ainda mais reduzidos.
 
Sua retaliação foi publicar uma lista de perguntas e abrir o debate sobre Amoris Laetitia e se o papa estava violando as escrituras sagradas.
 
Ultraconservador, Burke mantinha uma relação de amizade com Steve Bannon, articulador de Donald Trump. Foi o cardeal quem convidou o estrategista americano de extrema direita a proferir um discurso no Vaticano, em 2014.
 
Quatro anos depois de assumir, o papa vinha ainda sofrendo uma campanha de desinformação e de ataques públicos. Numa certa manhã de 2017, postes e muros da cidade de Roma acordaram com cartazes criticando o pontífice.
 
Escritos em dialeto romano local, os pôsteres acusavam o papa de ter "removido padres; decapitado os Cavaleiros de Malta e ignorado os cardeais". Dias depois, o argentino rebateu: "Não perco o sono por isso".
 
Ao longo de seu percurso, Francisco manteve seu plano de reforma. Não realizou todas as transformações que desejava. Os escândalos não desaparecem por completo, com casos de corrupção envolvendo um prédio comprado pelo Vaticano em Roma avaliado em 140 milhões de euros, suspeitas de abusos sexuais persistentes e o uso de recursos para renovações milionárias de residências de cardeais.
 
Ainda assim, Francisco rompeu com uma estrutura de poder, de luxo e de privilégios que marcaram a Santa Sé nas últimas décadas.
 
É isso que está em jogo no Conclave, uma vez mais, admitiu um cardeal latino-americano, na condição de anonimato.
 

sexta-feira, 25 de abril de 2025

CINCO DÉCADAS DE MÃOS DADAS

Depois de publicar links de postagens antigas sobre minha mulher, depois de escrever um texto original sobre os cinquenta anos, eu já não sabia mais o que fazer para comemorar nossa vida entrelaçada. Por isso resolvi pedir à IA um "brinde" para dar a ELA. Mas o ChatGPT resolveu me sacanear quando pedi isso a ele:
 
- Poderia fazer uma caricatura preto e branco desta imagem? Mas não quero minha mulher feia, porque ela é muito linda!



Fiquei irritado com o resultado e tentei de novo:
 
- Você conseguiria fazer uma caricatura preto e branco desta imagem? Mas não deixe minha mulher feia!
 
E ele sacaneou mais ainda. Aí eu desisti. Não dá para confiar em quem não tem cabeça!



(imagens anteriores a 2023. Hoje o rosto está um pouco mais fino, mas continua linda, como sempre foi)



DIZEDELAS E GALIMATIAS

  No post-agradecimento “ Meu Desafeto Predileto ” eu publiquei o texto da capa do livro Bíblia do Caos , de Millôr Fernandes. Deu um trabal...