Se tem uma coisa
que me deixa incomodado é ser mal entendido, mal interpretado. E isso aconteceu
recentemente quando disse me considerar um “ageless”. Os comentários que li me
fizeram sentir mais apedrejado que mulher adúltera da Bíblia. Por isso, para
tentar explicar o que para mim já estava claro, resolvi reunir trechos de
postagens feitas desde o início do Blogson. Parei em 2020 por já estar de saco
cheio e o texto resultante estar com quatro páginas, totalmente fora do padrão
do Blog. Eu não quero parecer ser o que não sou, o que eu quero é ter a
liberdade de pensar o que me der na telha. Quem quiser que leia.
“LET’S ALL GET UP AND DANCE...” (18/09/2014)
Ultimamente, comecei a sentir algo parecido em
relação aos idosos. Pode ser frescura, falta do que fazer, mas o fato é que eu
sinto que de nós, os mais velhos, espera-se um comportamento
"coerente" com a idade. Se alguém resolver rir alto ou fizer coisas
inesperadas e idiotas no shopping (esconder-se atrás de uma coluna, por
exemplo), pelo simples fato de estar alegre e despreocupado, provavelmente será
olhado com vergonha e constrangimento pelos familiares, com reprovação e
desconfiança pelos demais, como se o "preferencial" estivesse
delirando ou definitivamente senil.
O que, afinal, eu quero dizer? Isso: de um senhor
ou de uma senhora (assim imagino) espera-se sempre um comportamento
"condizente" com a idade que o corpo aparenta, mais contido, severo,
senhoril – ou então essa pessoa será julgada e considerada gagá, caduca, senil.
Bela merda essa prisão!
SUPEREGO (05/12/2014)
Um dos meus filhos disse recentemente que minha
geração “é mais largada". Segundo suas palavras “o que estranha não é uma
pessoa mais velha fora do padrão sério/sisudo, mesmo porque a sua geração é
mais largada. O que eu não entendo é uma pessoa querer se comportar como se
pertencesse a uma geração que não a sua. E isso vale até para o que já se
convencionou chamar de ‘adultescentes’.".
Achei graça, mas protestei veementemente, pois até hoje
padeço de falta de traquejo social, pois ou fico travado (como ficava antes de
começar a namorar minha mulher) ou fico muito "relaxado" tal como
aprendi a ficar, convivendo com meus cunhados. Além disso, não pertenço a essa
turma. Não quero parecer mais novo do que sou. Sou idoso, preferencial, mas não
da "melhor" idade, porque isso é hipocrisia (melhor porra
nenhuma!). Eu pertenço à turma da "gravidade", aquela onde tudo cai,
está caindo ou já caiu (por enquanto, estou me referindo apenas à pele, dentes,
cabelo e audição, pô!). Quanto ao resto, só o tempo dirá, mas imagino que o
futuro seja meio tenebroso (a força "gravitacional" tende a ficar
mais "intensa"...).
O que quero dizer é que dentro de mim (nada sei dos
demais) ainda vive uma parte do menino, uma parte do adolescente, uma parte do
jovem adulto. E esse Frankenstein mental às vezes pede atitudes de acordo com a
idade que estiver mandando na hora. Mas aí, eu tenho que segurar ao máximo para
não parecer retardado ou senil. Essa é a prisão dos idosos tidos como
saudáveis, uma prisão feita de normas de conduta e convenções sociais.
C' EST LA VIE (19/12/2014)
Natal chegando,
comprar no shopping é inevitável.
Sem paciência para escolher presentes,
meu olhar se perde entre pessoas e vitrines,
no burburinho próprio da época.
Distraído, olho com meus olhos de vinte ou trinta
anos.
Quando passo perto de algum espelho, no entanto,
a imagem que retorna é a de um senhor
de mais de sessenta anos,
com ar perplexo e apalermado. Sinistro.
ESPELHO (06/10/2016)
Que aconteceu com aquele menino
que sonhava viajar em um Vera Cruz prateado?
Onde se escondeu aquele adolescente inseguro
que queria aprender a beijar lendo um livro?
Onde foi parar aquele jovem ingênuo
que um dia encontrou o amor de sua vida?
Que fim levou aquele pai que dormia,
incapaz de ajudar seus filhos com os deveres?
Onde está aquele homem insensível
que pensava mais em si mesmo?
É esse, aquele velho espantado
que se vê refletido em espelhos paralelos?
O MUNDO
É DOS JOVENS (29/11/2016)
O mundo
é dos jovens. Eu sei que essa é uma frase clichê, mas o mundo é definitiva e
irrefutavelmente dos jovens. E isso ficou ainda mais patente com o surgimento
das mídias sociais. Mas não me refiro aos que ainda estão na fase da
adolescência. Os jovens de que estou falando têm entre dezoito e quarenta e
cinco anos. Você poderá me perguntar o que quero dizer com isso. Mas, mesmo que
não pergunte nada, já vou esclarecendo: esse é o mundo ao qual eu gostaria de
pertencer, essa é a minha tribo ideal.
Não,
não estou querendo parecer tiozão nem vestir bermudas com camiseta regata
(creio ser esse o nome). Longe de mim essa breguice. O que eu gostaria mesmo é
de estar nessa faixa etária. Já disse uma vez que não tenho saudade de épocas,
estilos, moda ou ritmos musicais, não curto nostalgia. O que eu tenho - e
isso é tristemente real - é saudade de mim mesmo, quando podia fazer as coisas
que não fiz ou fiz e não deveria ter feito.
Ser
jovem, ser ainda jovem é uma dádiva do Tempo. Aos mais velhos resta a
arquibancada, resta observar, criticar (inveja pura) e sentir-se como um
estrangeiro em um país ocupado e dominado por jovens.
Quando
eu ainda ouvia discos de vinil, às vezes derramava um pouquinho de álcool no
centro do disco, para tentar reduzir a chiadeira provocada pelo desgaste
decorrente das sucessivas audições. Gostava de ver o álcool ir-se espalhando em
direção à borda do LP, numa ótima demonstração da força centrífuga.
Pois
bem, hoje eu me sinto como aquele álcool, que vai sendo cada vez mais conduzido
para a borda, para a periferia da sociedade. Saudade de mim, entendeu?
Estrangeiro? Esse cara sou eu!
DOUPONE (14/12/2017)
A primeira empresa onde trabalhei seguia um
protocolo meio bizarro: os engenheiros, o único arquiteto e os estagiários de
engenharia eram indistintamente tratados por “doutor”, enquanto os demais
profissionais de nível universitário (psicólogos, administradores, contadores e
economistas) tinham de se contentar em ser chamados de “senhor”. E eu, um aluno
relapso, irresponsável e medíocre, um legítimo doupone, um verdadeiro doutor
em porra nenhuma, adorava ser tratado com essa reverência equivocada.
Hoje, aposentado - e, pior, idoso -, espanto-me
quando alguém me chama de "senhor" ou de "Seu Zé", pois não
é essa a imagem que tenho de mim. Minha carteira de identidade mental ostenta
ainda o retrato de um homem mais jovem e mais sonhador. Mas cheguei à conclusão
de que preciso me ajustar e atualizar meu perfil, aceitar e assumir
definitivamente a idade cronológica que tenho.
Antes que isso aconteça, preciso resolver um
paradoxo: quanto mais me chamam de "Seu Zé" mais eu vejo que
"Meu" Zé não existe mais, talvez nunca tenha existido. A cada dia que
passa sou menos Senhor de mim mesmo, cada vez mais distante dos
sonhos e desejos irrealizados. Não sou senhor de nada! Como ser chamado de
"Senhor" se nada mais tenho de meu, intrinsecamente meu? O
"meu" Zé verdadeiro perdeu-se há muito tempo e nada pode agora
resgatá-lo. Assim, quando alguém me chamar de "Seu Zé", pode
acontecer de ficar tentado a perguntar "Cadê ele?", onde está ele,
o meu Zé desaparecido, talvez até mesmo o doupone que eu
fui um dia?
REFLEXOS (09/09/2020)
O espelho da sala me olha assustado
Carrancudo é o reflexo na janela
O espelho do banheiro manda um recado
É melhor comportar-me como se espera
De um senhor que tem a minha idade
Minha mente nem se toca e pondera
Que desdenha de normas tão austeras
Que circunspecta senioridade
Exibir é a mais vã das vaidades
É tentar ser o que não se é
E que é inútil ocultar o que se é
Isso sim, um gasto de energia pueril
Pois não há mal em fingir-se infantil.
CONFRARIA DAS HIENAS (16/11/2020)
Eu não tiro selfies e sou pouco fotografado em
festas (não por vontade própria, talvez por julgamento estético de quem maneja
a câmera), mas me atiro no blog com toda a falta de vergonha possível. Se isso
faz com que eu pareça ser um tolo, um ingênuo ou alguém digno de pena, não
estou nem aí. Quando o número de “seguidores” (detesto essa palavra!) do
Blogson passou de dois para nove eu me assustei e comecei a me autopoliciar
para não “manchar” minha imagem. Comecei a escolher textos e assuntos (melhor
forma de se castrar a criatividade) que pudessem estar à altura dos novos
amigos.
Mas resolvi mudar. Vou cada vez mais focar em
piadas idiotas, trocadilhos deploráveis e comentários que um idoso nunca
deveria fazer. Foda-se! Como minha expectativa de tempo de vida é baixa, eu
quero é rir, mesmo que seja sozinho, mesmo que seja de mim mesmo, em qualquer
lugar. Back to basic! Porque agora o que eu quero mesmo é
entrar para uma confraria que cultive e aprecie o riso. E que ele seja crítico
e politicamente incorreto, provocado pela ironia, sarcasmo, deboche ou
maledicência. Se não existir, vou acabar criando uma. E, lembrando-me de uma
piada antiga sobre um grupo de crianças no zoológico, já tenho até
nome: Confraria das Hienas.