sexta-feira, 7 de novembro de 2025

INTERNAÇÃO

 
(Dando um refresco nas memórias familiares. Mas elas voltam!)

Se você acredita que uma internação em hospital é período propício à reflexão sobre os tomates em que pisou ao longo da vida, ou adequado para tirar um cochilo no intervalo entre a hora do café e aquele almoço horroroso que te faz ter saudade de um jantar à luz de velas no Maxim’s de Paris – ou de um podrão com bastante maionese comprado no trailer da esquina, lamento dizer que está mais distante da realidade que sua chance de ganhar uma medalha de ouro na prova de salto com vara em uma olimpíada (e o problema pode nem estar na sua vara).
 
Na verdade, um quarto de hospital é um dos lugares mais badalados e movimentados que você poderia imaginar. Pouco importa se você é o/a paciente ou o/a acompanhante. Sabe aquele cochilinho depois do almoço? Esquece! Quem está internado dorme como quem está pescando na hora do trabalho, ou babando na camisa enquanto o chefe resolve definir as novas diretrizes para o setor.
 
E não há exagero no que digo (na verdade, não digo nada, eu só escrevo), pois tenho experiência sobre isso, duramente adquirida durante recente internação de minha mulher. Duvida?
 
Fiz uma lista de todas as interrupções de sono a que fui submetido ao longo de 24 horas. Numa boa: se alguém precisasse de um culpado para confessar o roubo das joias francesas do Louvre, nem precisaria me apertar. Bastaria me mostrar um travesseiro e eu confessaria tudo, salivando igual cachorro faminto à espera de um pedacinho de carne do churrasco que está acontecendo em cima da laje.
 
Parece que estou enrolando? Claro qu estou, senão o texto ficaria muito pequeno. Mas deixemos de prolegômenos (palavra chique demais!) e passemos ao dia a dia de uma internação.
 
Tudo se inicia às cinco ou seis da manhã, quando a porta do quarto se abre e a luz é acesa por alguém dizendo “bom dia”. Mede-se a pressão, a frequência cardíaca, o índice de saturação de oxigênio.
 
Você se ajeita para continuar a dormir, mas parece que há um sistema ou alguém que diz algo como: “pode ir agora, eles já voltaram a dormir”. E aí a roda anda. Sem me preocupar com a cronologia das aberturas e fechamentos de porta, o sono/cochilo é interrompido por:
 
Administração de remédios previstos para a meia-noite
Administração de remédios previstos para as dezoito horas
Administração de remédios previstos para as doze horas
Administração de remédios previstos para as seis horas
Alguém perguntando se o acompanhante também almoçará
Alguém perguntando se o acompanhante também jantará
Almoço
Apresentação da enfermeira de plantão
Café da manhã
Café da tarde
Chá noturno com biscoitos para o/a paciente (o acompanhante não tem direito)
Chegada da equipe de banho e troca de roupa de cama
Coleta de sangue
Entrega de roupa de cama limpa
Entrevisita do geriatra
Entrevista da nutricionista
Exercícios com o fisioterapeuta
Jantar
Medição da glicemia à tarde
Medição da glicemia em jejum
Medição da pressão, frequência cardíaca e índice de saturação de oxigênio feita à tarde ou noite
Recolhimento da bandeja do café da tarde
Recolhimento das garrafas do café da manhã
Troca do cesto de lixo e limpeza do banheiro
Visita do médico plantonista
 
Em cada uma dessas situações, é uma porta que se abre e se fecha.
Fora as visitas que chegam conversando mais que papagaios enlouquecidos.
Fora o barulho das mensagens de zap chegando ou das chamadas de telefone. Uma loucura!
 
E tem gente que acha que internação é momento de tranquilidade!

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

“LET’S ALL GET UP AND DANCE...”

Eu não sei se já falei disso antes, pois a memória recente, a memória "rã" foi pro brejo. Se já, peço desculpas. Se não, o lance é o seguinte: todas as vezes que vejo pessoas com paralisia cerebral ou severamente deformadas, sinto uma pena terrível, terrível. Até aí, nada de mais, pois só um poste não sente compaixão por pessoas assim. A questão é que eu sempre vejo essas pessoas como prisioneiras de si mesmas. Dentro de um corpo cheio de limitações há alguém igual a mim, que sente igual a mim, que pensa igual a mim. Mas está preso, imobilizado. E essa sensação potencializa a pena que sinto.

Ultimamente, comecei a sentir algo parecido em relação aos idosos. Pode ser frescura, falta do que fazer, mas o fato é que eu sinto que de nós, os mais velhos, espera-se um comportamento "coerente" com a idade. Se alguém resolver rir alto ou fizer coisas inesperadas e idiotas no shopping (esconder-se atrás de uma coluna, por exemplo), pelo simples fato de estar alegre e despreocupado, provavelmente será olhado com vergonha e constrangimento pelos familiares, com reprovação e desconfiança pelos demais, como se o "preferencial" estivesse delirando ou definitivamente senil.

Quando minha avó materna começou a apresentar sinais de demência, suas ações ficaram cada vez mais inesperadas. Um dia, ela estava sentada em um dos sofás da sala, para onde eu ia também espancar o violão, sem me preocupar com nada. Ao começar a tocar uma música dos Beatles que tem uma batida cadenciada – “Your mother should know” – ela se levantou, pegou uma ponta da barra do vestido e começou a dançar, sorridente, como se estivesse em uma quadrilha de festa junina. Eu achei aquilo sensacional! O curioso é que nenhuma outra música provocava nela esse efeito. Bastava, entretanto, eu começar a cantar “Let’s all get up and dance...” e lá estava ela a dançar de novo. Sim, ela estava doente, mas a demência deu a ela uma liberdade que, provavelmente, nunca se permitiu ter.

O que, afinal, eu quero dizer? Isso: de um senhor ou de uma senhora (assim imagino) espera-se sempre um comportamento "condizente" com a idade que o corpo aparenta, mais contido, severo, senhoril – ou então essa pessoa será julgada e considerada gagá, caduca, senil. Bela merda essa prisão!

(18/09/2014)


quarta-feira, 5 de novembro de 2025

VOCÊ SABE FALAR ALEMÃO?

À medida que os anos se acumulam, a memória vai dando sinais de que “nada será como antes”. Por isso, eu, que “já estou com o pé nessa estrada”, fico preocupado e com receio de ficar com Alzheimer. Um dos motivos de ficar obsessivamente postando coisas neste blog é justamente a tentativa de manter a mente ocupada depois de me aposentar. Mas, pelas asneiras que escrevo, alguém poderia dizer que eu só uso uma metade, porque a outra está compartilhada com o capeta, de tanta besteira que sai.

Para variar, estou fugindo do assunto, circunvagando como sempre. Questão de estilo. O fato é que eu morro de medo de caducar, como se diz(ia) na minha família. E o motivo é simples. Minha mãe morreu com Alzheimer, com 88 anos e minha avó materna, totalmente senil, com 74 anos. Sei lá, pode ser esse meu futuro (próximo) também. O que não me impede de brincar com a ideia. Pouco tempo depois de me aposentar, comecei a dizer que estava pensando em me matricular em um curso de alemão e logo completava (mesmo que ninguém se interessasse em saber por que) – “Para falar com o ‘alemão’, oras”.  

Imagino que, por sempre fazer piadinhas desse tipo, muita gente talvez até torça para que meu medo tenha razão de ser. Feitas as devidas divagações, preciso dizer que não tratarei aqui da doença de minha mãe, até por ter convivido muito pouco com ela nessa fase. O tema deste post é a demência de minha avó, pela convivência diária que tivemos durante 22 anos (isso bem que poderia ser parte daquele livro inacabado).

Ela morreu com 74 anos, completamente devastada pelo mal de Alzheimer ou por “arteriosclerose”, como ouvi naquela época. Para mim, o que menos importa é o diagnóstico correto. O que sei é que em seis anos, mais ou menos, ela percorreu o caminho inverso de quem acaba de nascer. Porque tudo começou com ela ainda na fase adulta, caminhou depois para a adolescência, chegou à infância e morreu bebê. Essa mudança não aconteceu de forma suave e contínua. Algumas vezes ela entrava em colapso quase total, deixando enlouquecidas, na tentativa de reanimá-la, minha mãe, minha tia solteira e outros que estivessem presentes no momento. Após essa reanimação à base de álcool no nariz, friccionado nos pulsos e sei lá mais o que, era visível que minha avó se encontrava em um patamar muito inferior ao que tinha estado anteriormente. Era como se estivesse descendo uma ladeira, de repente interrompida por uma queda livre, ao fim da qual começava nova ladeira e nova queda livre, e assim, sucessivamente, até o final. 

Nas primeiras manifestações da doença ninguém entendeu e até achou graça de algumas das “esquisitices” de minha avó. A primeira – ou uma das primeiras – (que não teve graça nenhuma) aconteceu com sua irmã de leite, de nome Ambrosina. Essa senhora era negra e muito humilde. Esporadicamente ia à casa onde morávamos, conversava, tomava um lanche e ia embora. Pensando bem, lanche não, que é muito moderno. Provavelmente, tomava café com leite e comia broa de fubá.

Um dia, ao passar pelo portão de entrada, sempre sem cadeado, foi recebida rispidamente por minha avó. O diálogo foi mais ou menos assim:

-   Que é que você veio fazer aqui?
-   Uai, Lêta, vim te visitar!
-   Some daqui, sua negra sem vergonha! Nunca mais quero te ver aqui!

Lembro-me de ouvir minha mãe, consternada, contar da promessa feita – e cumprida – por Ambrosina, de NUNCA MAIS visitar minha avó.

Depois disso, vieram outros sinais: tentativa de expulsar a vassouradas uma de suas noras, que, na época, recém-casada, morava em um dos barracões existentes (felizmente separado da casa por um muro alto); um pé de sapato guardado na lata de biscoitos; uma saída sem destino pela rua onde morávamos (foi encontrada a três quarteirões por um conhecido da família, que a reconduziu meio atarantada para casa). Depois disso, o portão da rua passou a ter cadeado.

O fato mais surpreendente para mim aconteceu, ou melhor, acontecia quando ela ainda estava na fase “adolescente”. (Eu já falei disso em outro post, mas como os leitores deste blog são raríssimos, creio não haver problema em repetir, até porque o caso é muito curioso). Minha avó ficava sentada em um dos sofás da sala, para onde eu ia também espancar o violão, sem me preocupar com nada. Um dia, ao tocar uma música dos Beatles que tem uma batida cadenciada – “Your mother should know” – ela se levantou, pegou uma ponta da barra do vestido e começou a dançar, sorridente, como se estivesse em uma quadrilha de festa junina. Eu achei aquilo sensacional! O curioso é que nenhuma outra música provocava nela esse efeito. Bastava, entretanto, eu começar a cantar “Let’s all get up and dance...” e lá estava ela a dançar de novo. Eu realmente me lembro desses momentos com muito carinho.

Os irmãos de minha avó ficavam confusos e constrangidos quando iam visitá-la no início da doença (quando ainda conversava), pois não dizia coisa com coisa. Um dia, seu irmão Oscar, um sujeito rico, chato e pedante, perguntou a ela quem eu era. Imediatamente, ela respondeu:

-   É meu.
-   É seu filho?

E ela, virando-se sorridente para mim: 
-   É... Não é?

Eu respondi na lata: 
-   É claro que sou, !

E ficamos os três rindo, felizes (eu e ela, pelo menos).

Outro caso, muito mais comovente, aconteceu com ela ainda lúcida e com meu avô. Em algum momento da vida, “Sô Chico”, como eu o chamava de brincadeira, apaixonou-se por outra mulher, de nome Amélia, e o casamento explodiu. Minha avó foi atrás dessa mulher (acompanhada por minha mãe, que contou o caso) pronta para tirar satisfações, mas voltou humilhada. Fizeram uma separação de corpos, ele foi trabalhar no interior e, quando voltou, passou a morar em um dos cômodos do barracão (edícula) onde dormíamos, eu, meu irmão e meus pais.

A primeira vez que eu vi meu avô, ou melhor, a primeira lembrança que tenho dele é esse retorno. Ele, de chapéu, com uma mala grande de couro amarelo e minha avó, tendo um colapso nervoso fenomenal (o primeiro de alguns...), depois de bater boca com ele já na porta da rua. Para encurtar a conversa, de nada adiantou essa cena assustadora e eles deixaram de se falar, morando na mesma casa. Embora oficialmente rompida com meu avô, minha avó sempre dava um jeito de “ver a rua” perto do horário em que ele chegava do trabalho. Com o tempo, creio que passaram a se cumprimentar discretamente.

Pois bem, já com a senilidade um pouco avançada, ela sorria abertamente para ele – como vi muitas vezes – no momento de sua chegada em casa. Em outras ocasiões, chorosa, queixava-se de seu pai, “que tinha feito sua mãe sofrer muito”. Minha mãe comentou comigo que seu avô fora um marido exemplar, que nunca maltratou a esposa. Em seu delírio senil, entretanto, minha avó utilizava o próprio pai para externar a dor da traição que sofrera. Isso sempre me fez crer que até nos seus últimos segundos de lucidez, minha avó manteve-se secretamente apaixonada por seu (ex) marido. Trágica e bonita história de amor!

26/10/2014)


QUEM SABE ISSO QUER DIZER AMOR

 
Este texto foi gerado pelo ChatGPT a partir das letras de algumas músicas que o Lô Borges compôs. Depois de “informar” o motivo de sua morte, escolhi algumas letras de músicas que ele compôs – Clube Da Esquina, Equatorial, Clube Da Esquina Nº 2, Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor, Dois Rios e Paisagem Da Janela (deve ter mais alguma, mas não estou me lembrando). E o ChatGPT entregou este texto. Acho que ficou bem legal. Lêaí.
 
 
A morte de Lô Borges foi como se uma das cordas invisíveis que sustentam o céu de Minas tivesse se partido — mas a música que ele deixou continua vibrando no ar, como quem se recusa a aceitar o silêncio definitivo. Suas canções sempre foram feitas de encruzilhadas: noite e dia, corpo e sonho, chão e céu, o ribeirão que se imagina mar, o amor que nasce no intervalo entre um acorde menor e a luz da manhã. Nada nele era simples, mas tudo era claro como um gesto que não precisa de explicação.
 
Há, nos versos que ele musicou uma busca constante por saída — ou por retorno. “Fugindo pra outro lugar” não era desistência: era a certeza de que existe sempre uma esquina que ainda não foi dobrada, um país que ainda não se inventou, um futuro quieto esperando no bolso de quem ousa caminhar. Talvez por isso suas melodias pareçam feitas para a memória: mesmo quando falam de despedida, é como se chamassem alguém para se reencontrar amanhã, “antes do sol”, antes que o mundo comece a rodar depressa demais de novo.
 
E se “o mundo lá sempre a rodar” é destino inevitável, Lô ensinou que o que vale é o gesto íntimo: a mão que se oferece, o beijo de paz, o instante em que duas vozes descobrem que são dois rios correndo para o mesmo mar. Há nisso algo de eternidade, mas uma eternidade discreta, mineira, guardada num quarto de dormir com janela para uma igreja, um muro, um pássaro.
 
Ele partiu, mas deixou o mapa. Uma trilha feita de silêncio, de lua, de calçadas gastas em Belo Horizonte, de portas que se fecham para que outras se abram. Quem escuta sabe: não se trata de morrer — trata-se de continuar fugindo, buscando, acreditando que “a chama não tem pavio”, porque a canção acende sozinha.
 
Se houve falência dos órgãos, não houve falência da obra. O corpo cansa, a voz parte, mas o acorde fica. E fica porque, no fundo da noite, Lô Borges fez o que poucos conseguem: compôs canções que parecem lembrar de nós quando somos nós que deveríamos lembrar delas.
Talvez seja isso que quer dizer amor.

 

terça-feira, 4 de novembro de 2025

EQUATORIAL

 
Por morar no mesmo bairro onde surgiu o “Clube da Esquina” e por já ter visto o Lô Borges tomando cerveja despreocupadamente em um bar-mercearia perto de minha casa, nunca dei a ele maior importância, mesmo adorando suas composições do disco que dividiu com o Milton Nascimento. Prova de que a distância física pode afetar nossa percepção.
 
Conversei com ele uma única vez, quando perguntei se não tinha intenção de publicar um livro de cifras (acordes) para que os mais bobos (como eu) pudessem tentar reproduzir no violão as músicas incríveis que compôs. Escapando pela tangente, disse que sairia “no ano que vem”.
 
Pois bem, sua morte logo após o fechamento do icônico Bar do Bolão (o rei do espaguete da madrugada) provocou um gosto amargo em minha boca e a certeza de que “nada será como antes” – nem na música nem na boemia do bairro onde moro nem em minha vida, que já está “na tábua da beirada”, como dizia um cunhado falecido.
 
Para celebrar um tempo já passado, uma gravação da música “Equatorial”, composta pelos ainda desconhecidos Lô Borges e Beto Guedes, identificados em um festival ou coisa assim como Lu Borges e Bete Guedes (quem contou esse caso foi o próprio Lô).



 

NASCIDOS NA FAZENDA - 06

Para encerrar esta série sobre meus avós maternos, uma espécie de "Memórias Sentimentais de Jotabê", resolvi postar as fotos que recebi de minha irmã. Como já disse antes, imagens, lembranças, documentos preservados servem para manter "vivas" as pessoas comuns, anônimas. Mas não vejo problema nenhum em fazer alguma piada ou comentário irônico sobre elas, pois o sentimento principal que tenho por essa gente é carinho, mesmo nunca tendo conhecido alguns. Assim, em vez de ficar enrolando, passemos às apresentações.

A primeira imagem é a "restauração" daquela foto incrível apresentada na parte 2 desta série. Sinceramente, alguns "ficaram bem na foto", mas a feiura da maioria (minha avó incluída) é constrangedora, fazendo-me pensar em uma "Família Adams" cabocla.

Sobre essa foto minha irmã fez o seguinte comentário ao enviá-la: "A outra foto (não é xerox) é um retrato desse retrato original e o fotógrafo fez por conta própria uma "restauração" ridícula; colocou óculos no bisavô, um vestido na Tia Anita que é a do retratinho colado e modificou a fisionomia dela também, um troço muito tosco". Só posso acrescentar: e com sobrancelhas de Frida Kahlo!


Os próximos retratos mostram a mãe de minha avó já bem velhinha. Segundo minha tia Aidê, sua avó "Dindinha" morreu em 01/07/1948. Curiosamente, seu rosto envelhecido não combina com sua imagem mais nova, na fotografia restaurada. E a expressão de desencanto, mesmo que minha avaliação não seja correta, faz pensar que é fruto das "estripulias imobiliárias" cometidas pelos próprios filhos.

Com meu bisavô a coisa é quase surreal, pois teria morrido talvez em 1917(!), pouco tempo  depois dessa fotografia e antes do casamento de minha avó.


Os últimos retratos mostram meu avô ainda muito novo – talvez com uns trinta anos (olha o estilo do sapato!) – e minha avó, já velhinha (talvez já no início da demência), com seu jornal, onde sempre procurava "imóveis para comprar". É com essa imagem que lembro-me dela dançando quadrilha ao som de "Your mother should know".



segunda-feira, 3 de novembro de 2025

NASCIDOS NA FAZENDA - 05

Por mais que eu goste de retratos, preciso admitir que a foto de algum parente falecido a quem nunca tivemos oportunidade de conhecer é um objeto unidimensional, pois registra apenas um instante, uma fração de segundo da vida do retratado. Basta, entretanto alguém nos contar um simples caso, uma lembrança, que tudo muda.

É o que aconteceu com os pais de meu avô materno. Desde pequeno, convivi com os retratos (apenas dois) de meus bisavós sem nunca me interessar em ao menos saber seus nomes. Só quando resolvi escrever algumas lembranças de família para serem lidas por meus filhos é que surgiu a necessidade de conhecer os nomes desses antepassados. Mas a coisa parou por aí.

Recentemente, depois desses textos já escritos, minha tia contou-me um caso sobre seus avós que mudou minha forma de vê-los, uma história tão delicada, tão comovente, que fez aquelas fotos antigas que eu tanto conhecia ganhar textura, relevo, tornando-se quase imagens holográficas daqueles velhinhos. E o texto sobre os pais de minha mãe, originalmente imaginado em quatro partes, ganhou a quinta parte só para registrar essa historinha.

Antes de contar esse caso e como homenagem sincera aos meus antepassados, os velhinhos que protagonizaram essa love story caipira, apresento duas imagens: na primeira, meu bisavô aparece em retrato posado, tamanho cartão postal; a segunda é ainda mais incrível, pois mostra sua esposa (minha bisavó, lógico) - justamente quando ficou algum tempo hospedada na casa de minha avó - ladeada pela nora e pelo filho (meus avós maternos). Olhaí:



Segundo minha tia, os pais de seu pai moravam em Lavras. Em 1948, por motivos de saúde, sua avó paterna, Dona Januária ("Madrinha"), foi obrigada a vir para Belo Horizonte para tratar-se, deixando o marido idoso ("Padrinho") em Lavras. Minha tia disse que ela precisava tomar radiações, o que me faz pensar na existência de algum tipo de tumor ou câncer. Embora tivesse outros filhos morando em BH, a velhinha fez questão de hospedar-se na casa de meus avós, lá permanecendo por uns dois meses.

A uma distância de pouco mais de 2.000 metros dessa casa localiza-se o Aeroporto do Carlos Prates, utilizado apenas por aviões de pequeno porte e helicópteros, pois a pista tem pouco mais de 900 metros. Pois bem, um belo dia, durante o período de tratamento, sem aviso prévio, o pai de meu avô fretou um monomotor, um "teco-teco" e viajou para BH, descendo nesse aeroporto. Tomou um "carro de aluguel" e chegou até a casa onde a esposa estava hospedada.

Minha tia, que presenciou o encontro dos dois, disse que foi "a coisa mais bonitinha". Minha bisavó, ao ver o marido chegar de surpresa, exclamou:

- Ô, Sô Lino, o senhor veio me ver? Não precisava! Ao que meu bisavô respondeu, com simplicidade e carinho:

- Eu estava com saudade, Sá Januária!

Creio que meu bisavô voltou para Lavras no mesmo dia, mas enquanto esteve em BH, os velhinhos não se desgrudaram um só momento. Chamam também atenção as formas de tratamento de "" e "", estranhamente respeitosas para meus olhos de século vinte, principalmente por serem marido e mulher. Ela morreu em 1949, pouco tempo depois de sua estadia em BH, e ele alguns meses depois, talvez no início de 1950. 

O que eu sei é que essa historinha, apesar de muito curta, lembra bastante um daqueles filmes românticos que passavam na sessão da tarde, bom para ser visto ao lado da amada, debaixo das cobertas.



INTERNAÇÃO

  (Dando um refresco nas memórias familiares. Mas elas voltam!) Se você acredita que uma internação em hospital é período propício à reflexã...