quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

AH, CRETINA!

 
Com a Eliany não havia meio termo: ou você odiava o que ela fazia ou adorava de joelhos, tão visceral era seu jeito de viver. E uma das suas discutíveis qualidades ou defeitos era seu perfeccionismo exacerbado, amplificado por um TOC que às vezes extravazava.
 
Gostava de artesanato, mas não era coisa de “mulherzinha”, gostava mesmo era de fazer maluquices e tarefas “de homem”, como quando resolveu laquear as portas de uma casa humilde que compramos com o dinheiro de uma indenização (mais 36 notas promissórias pagas com o dinheiro do aluguel).
 
A casa estava uma ruína só, forro de madeira com cupim, madeiramento do telhado com cupim, quarto entrando dentro de quarto, louça sanitária em pior estado que as que às vezes se vê em postos de gasolina à beira da estrada.
 
Começamos a reformar do jeito mais sofrido, com material proveniente de demolição. Trocamos janelas, portas, fiação elétrica (encontramos tomadas alimentadas com aquele fiozinho fino de telefone), mudamos o banheiro e a cozinha de lugar, fechamos as passagens de um quarto para o outro.
 
Chegamos ao ponto de pintura. E foi aí que seu perfeccionismo se manifestou. Para laquear as portas antigas previamente lixadas, comprou um compressor com caneco de pintura e mandou bala, com resultado espetacular. Algumas paredes estavam muito feias e irregulares. A solução encontrada por ela foi aplicar uma camada grossa de massa corrida e ficar fazendo arabescos e movimentos aleatórios com a mão. Novo gol de placa.
 
Mas as paredes da casa precisavam ser pintadas. Nessa época eu ainda trabalhava. Por isso, compramos tinta (próxima do vencimento, mais barata), rolo, cabo extensor e lixa, e ela pintou 90% da casa toda.
 
Assim era a louca da Eliany. Aprendeu a manejar serra tico-tico, comprou duas lixadeiras, uma parafusadeira e uma furadeira semiprofissional, que manejava com gosto e prazer.
 
Comprou uma máquina de cortar cabelo e passou a dar um trato na cabeça dos irmãos, filhos e marido.
 
Só mais um caso antes do final: um dia, quando nossos filhos mais velhos tinham no máximo onze, doze anos, fomos ao Carrefour para compras normais, até ela bater o olho em uma promoção de aparelho tipo prestobarba (qualquer promoção a enlouquecia):
- Zé, está barato demais!
- OK, Eliany...
- Vou comprar!
 
Levou setenta. Os filhos mais velhos usaram bastante quando, alguns anos depois, a penugem do rosto começou a aparecer.
 
Fico imaginando este diálogo dela com São Pedro:
 
- Entre, Eliany, seja bem-vinda!
- São Pedro, este portão está precisando de uma pintura nova. Se me arrumar  material, eu pinto para o senhor.
- Heim? Não precisa! Agora você gozará do merecido descanso eterno.
- Se o senhor quiser e me arranjar uma tesoura de barbeiro, eu posso dar um trato nessa sua barba. Eu sei que ela existe há séculos, mas tenho certeza que gostará do resultado.
- Minha filha, relaxe, ouça as músicas tocadas pelos anjos!
- Posso fazer uma set list?
- Sete o quê?
- Eu queria ouvir “Boate Azul” e música francesa da década de 1960.
 
Comentário de uma das noras:
- Já, já, muda tudo lá em cima. Troca os móveis de lugar, faz almofadas... rs. Vai redecorar tudo, com certeza. .

Assim era a menina linda que me enfeitiçou de forma definitiva e se apaixonou por mim, por nunca gostar de “cara bonito”. Ah, cretina, que saudade!
 

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

NA CORDA BAMBA

 
Tenho tentado me manter na corda bamba dos sentimentos provocados pela doença e morte do Amor da minha vida, uma mulher com beleza de modelo, inteligência de cientista atômica, dedicação de Madre Tereza de Calcutá aos filhos e parentes, gênio forte de rinoceronte enraivecido.
 
Sua perda provocou uma cratera no meu coração e minha mente como se tivessem sido atingidos por um meteoro semelhante ao que extinguiu os dinossauros. Descobri e confirmei que ela foi a pessoa mais importante da minha vida, mais que nossos filhos, muito mais que meus pais. E isso está doendo muito.
 
Meu ex e novamente amigo Marreta escreveu esta frase lapidar: Livrarmo-nos da dor da perda de um amor deste nível, é desonrá-lo”.
 
E é isto que eu tenho evitado ao publicar até agora mais de quinze posts sobre ela ou que me fazem lembrar ou pensar nela. E como dói!
 
Além disso, comecei a garimpar desde os primórdios do blog tudo o que me remete a ela. Ao fazer isso comecei a pensar em publicar um novo e-book dedicado exclusivamente à memória da minha adorável e adorada Eliany. Não sei como fazer nem sei como sairá, mas é um tempo que gastarei com prazer e saudade.
 
Muitas músicas me fazem lembrar de sua presença elétrica. Acredito que talvez ela nem gostasse de algumas, mas todas dizem alguma coisa para mim, como a do link abaixo.
 
Mais um pouquinho e não terei mais nada para dizer, mas poderei publicar um texto que ela escreveu para comemorar os cinquenta anos de sua irmã (o “anjo da guarda” já citado aqui). Dado o recado, escuta ai o velho e bom Tim Maia cantando a perda de seu amor.



DENTE SISO

 
Talvez as pessoas que acessam este blog já estejam cansadas de ler o que venho escrevendo sobre minha recentemente falecida mulher, esposa, companheira, amante, amada, namorada, mas confesso que está muito difícil suportar a dor, como se fosse igual à da extração de um dente siso sem anestesia.
 
Peço que me perdoem. Um dos meus desejos mais imediatos é doar suas roupas, bolsas, chapéus e sapatos, mas não estou conseguindo avançar, pois começo a chorar só de abrir uma gaveta, uma porta de armário. Por isso, disse a meus filhos que não estou com pressa, não tenho mais pressa para fazer nada.
 
Escrever sobre ela no blog funciona como uma espécie de calmante. Já estava programando voltar a postar as besteiras jotabélicas de novo a partir do dia 20/12, mas um filho encaminhou textos e poemas de sua autoria, onde aborda a dor de filho, a saudade de filho. Como deixar de publicar isso?
 
São textos bacanas que ainda precisarei digitar, pois ele é uma versão jovem do Marreta - que primeiro escreve seus textos em pergaminho e com pena de ganso, para só depois transpor para o computador. Em outras palavras, um senhor programa de índio, uma trabalheira do cacete.
 
Para fechar este aviso com um pouco de humor, transcrevo uma conversa muito engraçada mantida entre a Lulu e sua mãe.
 
A Lulu estava brincando com um bichinho de pelúcia, chamando-o de Popô. A mãe perguntou:
 
- Popó?
- Não, mamãe, é Popô!
- Ah, o nome dele é Popô!
- Não, mamãe, Popô é apelido.
- E qual é o nome dele?
- Porra.
- Lulu, isso é palavrão! Onde você ouviu isso?
 
O avô materno, que escutava a conversa e precisou esconder a boca para não rir, disse:
- Nome de batismo não pode ser mudado, mas esse precisa ser excomungado!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

SÓCIO REMIDO

 Durante o velório de minha mulher, fiquei fazendo piadinhas e conversando com um grupo de músicos amigos de um dos filhos. Em outro momento, depois de me afastar, disseram a ele que tinham gostado muito de mim e que criarão um fã-clube meu.
 
Ao saber disso e já em casa, de brincadeira, fiquei zoando com esse filho e sua namorada, dizendo que o nome do fã-clube poderia ser "A Banda do Clube do Coração Solitário de Jotabê". A namorada disse que será a sócia nº 001(uma puxa-saco profissional!).
 
E o Chat GPT devidamente abastecido de informações – e depois de muitas reclamações e revisões – gerou esta imagem da carteirinha de sócio (não houve meio do cretino colocar acento circunflexo no "E" de Jotabê):


SINCE I DON'T HAVE YOU


 
Eu não tenho planos e esquemas
E eu não tenho esperanças e sonhos
Eu não tenho nada
Desde que eu não tenho você
 
Eu não tenho desejos afetuosos
E eu não tenho momentos felizes
Eu não tenho nada
Desde que eu não tenho você
 
Eu não tenho felicidade e, acho,
Nunca mais terei
Quando você foi embora de mim
A miséria entrou, e está aqui desde então

sábado, 13 de dezembro de 2025

ANJOS DA GUARDA EXISTEM!

 
A Bebete foi o anjo da guarda da Eliany, quem fez de tudo para minorar seu sofrimento. Ajudou a dar banho, trocou roupa de cama, levava para lavar as camisolas usadas no hospital, comprou toneladas de cremes, óleos e produtos descartáveis que nossa amada Liane usou. Impossível deixar todo esse carinho invisível. e sem reconhecimento público. Publicou no whatsapp este texto delicado, emocionado e emocionante: 

No dia 8/12, dia de Nossa Senhora, você nos deixou. A saudade já dói, e sei que vai doer por muito e muito tempo.
 
Tive o privilégio de cuidar de você como se fosse uma filha, tentando inventar alguma coisa para você comer, te acompanhando nas consultas, nas internações, e você sempre me agradecia e falava com todos que eu era sua mãe, seu anjo da guarda.
 
Cuidar de você foi um dos maiores presentes que a vida me deu. Você me ensinou sobre ter força, resiliência e amor verdadeiro.
Quantas pessoas foram despedir de você! Passou um filme na minha frente, receber abraços de amigos da nossa infância, juventude, vizinhos antigos, seus alunos, suas colegas do Colégio de Aplicação, nossos primos e até suas netas, Catarina e Beatriz. Você construiu uma família linda.
 
Eliany, Liane, para todos da família, você seguirá viva em cada lembrança e em cada gesto seu que marcou nossa história.
Descanse em paz, minha irmã querida!
Obrigada por tudo o que você foi e sempre será na minha vida.
Te amo para todo sempre.

AH, CRETINA!

  Com a Eliany não havia meio termo: ou você odiava o que ela fazia ou adorava de joelhos, tão visceral era seu jeito de viver. E uma das su...