sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

POR DENTRO DO CÉREBRO

 
Outro dia minha mulher me mandou um link com trechos de uma entrevista do neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, feita pela revista eletrônica Poder. Achei bacana e de utilidade “publica” o assunto tratado. Por isso resolvi publicar no Blogson uma “seleção da seleção”, a minha escolha pessoal dos trechos selecionados. Pelo cuidado que tenho ao publicar no blog qualquer coisa que não tenha autoria reconhecida, procurei na internet e encontrei a entrevista completa, descobrindo ter sido concedida em 2012. Caso um dos (15) seguidores se interesse em ler o texto integral, o link está disponível no final deste post. Lêaí:

 
- O que é essa inovação tecnológica que as pessoas estão chamando de marca-passo do cérebro?
- Tem uma área nova na neurocirurgia chamada neuromodulação, o que popularmente se chama de marca-passo, mas que nós chamamos de estimulação cerebral profunda. O estimulador fica embaixo da pele e são colocados eletrodos no cérebro, para estimular ou inibir o funcionamento de alguma área. Isso começou a ser utilizado para os pacientes de Parkinson. Quando a pessoa tem um tremor que não controla, você bota um eletrodo no ponto que o está provocando, inibe essa área e o tremor para. Esse procedimento está sendo ampliado para outras doenças. Daqui a um ou dois anos, distúrbios alimentares como obesidade mórbida e anorexia nervosa vão ser tratados com um estimulador cerebral. Porque não são doenças do estômago, e sim da cabeça.
- O que se conhece do cérebro humano?
- Hoje você tem os exames de ressonância magnética, em que consegue ver a ativação das áreas cerebrais, e cada vez mais o cérebro vem sendo desvendado. Ainda há muito o que descobrir, mas com essas técnicas de estimulação você vai entendendo cada vez mais o funcionamento dessas áreas. O que ainda é um mistério é o psiquismo, que é muito mais complexo.
- Existe alguma coisa que se possa fazer para o cérebro funcionar melhor?
- Você tem de tratar do espírito. Precisa estar feliz, de bem com a vida, fazer exercício. Se está deprimido, com a autoestima baixa, a primeira coisa que acontece é a memória ir embora; 90% das queixas de falta de memória são por depressão, desencanto, desestímulo. Para o cérebro funcionar melhor, você tem de ter motivação. Acordar de manhã e ter desejo de fazer alguma coisa, ter prazer no que está fazendo e ter a autoestima no ponto.
- Cabeça tem a ver com alma?
- Eu acho que a alma está na cabeça. Quando um doente está com morte cerebral, você tem a impressão de que ele já está sem alma… Isso não dá para explicar, o coração está batendo, mas ele não está mais vivo.
- O que se pode fazer para se prevenir de doenças neurológicas?
- Todo adulto deve incluir no check-up uma investigação cerebral. Vou dar um exemplo: os aneurismas cerebrais têm uma mortalidade de 50% quando rompem, não importa o tratamento. Dos 50% que não morrem, 30% vão ter uma sequela grave: ficar sem falar ou ter uma paralisia. Só 20% ficam bem. Agora, se você encontra o aneurisma num check-up, antes dele sangrar, tem o risco do tratamento, que é de 2%, 3%. É uma doença muito grave, que pode ser prevenida com um check-up.
- Você acha que a vida moderna atrapalha?
- Não, eu acho a vida moderna uma maravilha. A vida na Idade Média era um horror. As pessoas morriam de doenças que hoje são banais de ser tratadas. O sofrimento era muito maior. As pessoas morriam em casa com dor. Hoje existem remédios fortíssimos, ninguém mais tem dor.
- Existe algum inimigo do bom funcionamento do cérebro?
- O exagero. Na bebida, nas drogas, na comida. O cérebro tem de ser bem tratado como o corpo. Uma coisa depende da outra. É muito difícil um cérebro muito bem num corpo muito maltratado, e vice-versa.
- Já aconteceu de você recomendar um procedimento e a pessoa não querer fazer?
- A gente recomenda, mas nunca pode forçar. Uma coisa é a ciência, e outra é a medicina. A pessoa, para se sentir viva, tem de ter um mínimo de qualidade. Estar vivo não é só estar respirando. A vida é um conjunto. Há doentes que preferem abreviar a vida em função de ter uma qualidade melhor. De que adianta ficar ali, só para dizer que está vivo, se o sujeito perde todas as suas referências, suas riquezas emocionais, psíquicas. É muito difícil, a gente tem de respeitar muito. É talvez esse respeito que esteja faltando. A Ética e a Moral devem voltar as salas de aula, desde a mais tenra idade.
- Como você lida com as famílias dos seus pacientes?
- Essa relação é muito importante. As famílias vão dar tranquilidade e confiança para fazer o que deve ser feito. Não basta o doente confiar no médico. O médico também tem de confiar no doente. E na família. Se é uma família que cria caso, que é brigada entre si, dividida, o cirurgião já não tem a mesma segurança de fazer o que deve ser feito. Muitas vezes o doente não tem como opinar, está anestesiado e no meio de uma cirurgia você encontra uma situação inesperada e tem de decidir por ele. Se tem certeza de que ele está fechado com você, a decisão é fácil. Mas se o doente é uma pessoa em quem você não confia, você fica inseguro de tomar certas decisões. É uma relação bilateral, como num casamento. Um doente que você opera é uma relação para o resto da vida.
- Você acredita em Deus?
- Geralmente depois de dez horas de cirurgia, aquele estresse, aquela adrenalina toda,quando você acaba de operar, vai até a família e diz: “Ele está salvo”. Aí, a família olha pra você e diz: “Graças a Deus!”. Então, a gente acredita que não fomos apenas nós.
 
https://www.hgf.ce.gov.br/2012/02/10/por-dentro-do-cerebro-entrevista-com-o-neurocirurgiao-paulo-niemeyer-filho/
 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

RAMPA PARA O FRACASSO

 
Uma vez eu li que o cantor-compositor Tom Zé, lá no início de sua carreira, teria participado de um programa de calouros com o nome tipo "Escada para o Sucesso". A música interpretada tinha sido composta por ele e o título era "Rampa para o fracasso". Contei este caso porque eu me identifico muito com sua mente anárquica e também porque "passo recibo", já disse isso várias vezes. E o novo recibo é a saída de mais dois seguidores do blog, provavelmente pelo post com a transcrição da carta-manifesto do advogado Kakay. Fazer o que, não é mesmo? 

Uma coisa me tranquiliza: mesmo que já tenha ficado exasperado com essas evasões, hoje eu não dou a mínima e até acho graça. O velho Blogson é daqueles blogs em que o titular sua até sangue para fornecer material de leitura com a máxima frequência possível. Mas nem sempre isso se reflete na manutenção ou aumento de seguidores. E este é um fato que observo desde a primeira infância do blog.
 
Naqueles momentos eu estava puto com o Lula e alguns entenderam que eu era de direita, conservador, “confiável”. E a plateia (ou seria patuleia?) cresceu, chegando a inacreditáveis 23 seguidores (acho que esse é o número). Mas, claro, comparado com os blogs que eu chamo de blogbusters essa plateia é um nada no mundo.  Mesmo assim, foi diminuindo à medida que eu começava a falar mal de seus ídolos e valores (discutíveis), mas sempre deixando claro quer não sou de esquerda.
 
Ontem o Blogson registrava 17 seguidores e hoje acordou com 15. Fico me perguntando o que esperam encontrar no blog: seria um espelho ou eco que reflita suas convicções, crenças e cólera represada? Postagens sem graça e sem gracejos?
 
Por essa mania de defender a moderação e o equilíbrio, já fui até acusado de duplipensar (que nem sei direito o que significa), mas tento me explicar dizendo ser do signo de gêmeos – um gêmeo pensa de um jeito e o outro pensa o oposto. Uma coisa é certa: se eu fosse uma ave, seria um tucano raiz, daqueles à moda antiga, voando com alguma dificuldade e com um bico enorme que lembra meu nariz (ou seria o contrário disso?).
 
Preciso confessar não saber o que faz um blog ter muitos seguidores. Alguns têm tantos que parecem tomar anabolizantes. Infelizmente não é o meu caso, pois não tenho nenhuma seguidora que se chama Ana. Mas tudo bem. E aos dois que abandonaram o barco de ontem para hoje, (mesmo que odeie música sertaneja) só posso oferecer uma música da cantora Roberta Miranda: “Vá com Deus!”

"OUÇA UM BOM CONSELHO"

Porra, assim fica difícil! Duas notícias-bomba em menos de uma semana é overdose para blog nenhum botar defeito! Às vezes as coisas mudam tão rapidamente que me fazem lembrar dos versos da música “Velha Roupa Colorida”, de Belchior: “o que há algum tempo era jovem e novo hoje é antigo”.
 
E foi isso que aconteceu ao saber da notícia de que a Procuradoria-Geral da República finalmente denunciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 33 pessoas ao Supremo Tribunal Federal por tentativa de golpe de Estado, pois o que eu queria mesmo é falar da carta-manifesto do advogado Kakay.
 
Já disse isso várias vezes, mas vou repetir: odeio radicalismos e radicais de qualquer tipo, independentemente da “cor” de suas bandeiras. Sempre fui contra todo tipo de maniqueísmo, seja político ou religioso. Talvez eu não consiga me expressar com a clareza que gostaria, mas que fique claro: detesto o PT e seus medalhões (mas menos que o pessoal da extrema direita).  Ainda assim, por falta de opções, já recorri a alguns de seus candidatos como barreira contra algo que considerava ainda mais nefasto. Por exemplo, mesmo sem simpatizar com ele, votei no Lula como vacina contra um antivacina declarado.
 
Por isso, vou deixar passar a denúncia do estimado Cavalão para me concentrar na carta aberta do Dr. Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Pelo que percebo, o Dr. Kakay é daqueles advogados que tiram minhoca do asfalto, encontram cabelo em ovo, dão nó em pingo d’água e tiram leite de pedra — enfim, é muito foda, como prova a quantidade de figurões da política que já solicitaram seus serviços. E justamente por isso sua carta-manifesto me inquietou. No texto, que viralizou após ser enviado por mensagem, ele relata episódios que, segundo sua análise, mostram um Lula diferente. E não para melhor.
 
Temos uma amiga que nos contou o conselho dado por seu pai às quatro filhas na entrada da adolescência. Segundo ela, para prevenir que uma delas tivesse uma gravidez indesejada e inoportuna, sempre dizia esta frase cheia de sabedoria e simplicidade: “Cabeça de pinto não tem juízo!”
 
Essa frase me vem à mente sempre que leio sobre a queda de popularidade de Lula. Em sua carta-manifesto encaminhada a vários figurões da política, o badalado advogado criminalista Kakay, externou sua preocupação ao dizer que “o Lula do 3º mandato , por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado”.
 
Esse isolamento aí é que me fez pensar no conselho dado pelo pai de minha amiga. Embora o Kakay não tenha mencionado o nome de ninguém, tenho a impressão de que esse isolamento se deve principalmente à segunda primeira dama, doida para protagonizar ações para as quais não foi eleita e por quem tenho uma antipatia natural tão grande quanto a que sinto pela Gleisi Hofman. Pensem bem, o Lula estava viúvo, fama de comedor e, de repente... fica alguém dando palpites e falando abobrinhas no seu ouvido. Ninguém merece!
 
Pouco importa o motivo da queda de popularidade do presidente, pois o que considero intolerável é a possibilidade da volta da extrema direita ao poder em 2026. E foi essa amálgama de sentimentos que me fez querer publicar na íntegra a carta do Kakay, pois o Blogson Crusoe também tem a função de blogoteca, disponível para futuras consultas. 

A carta-manifesto lembra uma antiga música do Chico Buarque - "Ouça um bom conselho que eu te dou de graça". E era isso que se esperaria de um Lula sensato, mas o que aconteceu foi uma ordem partida de dentro do Palácio do Planalto, determinando que ninguém fosse a um evento na casa do Kakay. Assim a casa cai! Lêaí:
 
 
Lula, a esperança da democracia.
“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro", Clarice Lispector.
Lula ganhou 3 vezes e elegeu Dilma como sua sucessora. À época elegeria o qualquer de seus Ministros pois era imbatível.
Certa vez conversando com um Senador-do PT- ele me disse que tinha um ano tentava uma audiência com a Presidenta Dilma. Ela não fazia política. Sofreu impeachment.
Um dia no Governo Lula um Senador da oposição me liga as 11 hs da manhã e reclama que tinha assumido há 15 dias- era suplente- e que não havia sido recebido pelo Zé Dirceu, chefe da Casa Civil. Liguei para o Zé . As 12.30 a gente estava almoçando no Palácio do Planalto. O Zé - de longe o mais preparado dos Ministros- deu um show discorrendo sobre o Estado de origem do Senador, que saiu de lá com o número do celular do Zé e completamente encantado.
Neste atual governo Lula fez o que de melhor podia ao enfrentar Bolsonaro e ganhar do fascismo impedindo que tivéssemos mais 4 anos de Bolsonaro. Seria o fim da democracia. Seriam destruídas de maneira irrecuperável tudo que foi construído nos governos democráticos, não só do PT. O fascismo acaba com tudo. Este o maior legado do Lula. Para tanto foi necessário, senão não teríamos ganhado, fazer uma aliança ampla demais. Só o Lula conseguiria unir e fazer este amplo arco para derrotar Bolsonaro. Aqui em casa , no dia da diplomação , 12 de dezembro,determinado político se aproximou em um momento em que Lula e eu conversávamos, colocou amistosamente a mão no meu ombro e fez uma brincadeira. Ao sair da roda o Lula me falou baixinho, rindo :” este jamais será meu Ministro, e acha que vai ser.” Dia 1º de janeiro ele assumiu como Ministro. Este o brilhantismo do Lula neste momento difícil. Não fosse sua maturidade não teríamos tido chance de vencer o fascismo. Por isto cometo aqui certa indelicadeza de comentar este fato: para ressaltar a maturidade do Presidente Lula.
Mas o Lula do 3º mandato , por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem ao seu lado pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política.
Outro dia alguns políticos me confidenciaram que não conseguem falar com o Presidente. É outro Lula que está governando.
Com a extrema direita crescendo no mundo e , evidentemente aqui no Brasil, o quadro é muito preocupante. Sem termos o Lula que conhecíamos como Presidente e sem ele ter um grupo que ele tinha ao seu redor, corremos o risco do que parecia impossível: perdermos as eleições em 2026. Bolsonaro só perdeu porque era um inepto. Tivesse ouvido o Ciro Nogueira e vacinado, ou ficado calado sem ofender as pessoas, teria ganho com a quantidade de dinheiro que gastou. Perder uma reeleição é muito difícil, mas o Lula está se esforçando muito para perder. E não duvidem dele, ele vai conseguir.
Claro que as circunstâncias estão favoráveis ao projeto de perder as eleições. Não dou tanto importância para estas pesquisas feitas o tempo todo. Mas prestei atenção nesta que indica que 62% não querem que Lula seja candidato a reeleição. A pergunta é : quem é seu sucessor natural? Não foi feito um grupo ao redor do Presidente, que se identifique com ele e de onde sairia o sucessor político natural, o “ grupo” do Lula a gente sabe quem é. E certamente não vai tirá-lo do isolamento. Ele hoje é um político preso à memória do seu passado. E isolado. Quero acreditar na capacidade de se reencontrar. Quem se refez depois de 580 dias preso injustamente, pode quase tudo . E nós temos o Haddad, o mais fenomenal político desta geração em termos de preparo. Um gênio. Preparado e pronto para assumir seu papel.
Já fico olhando o quadro e torcendo para o crescimento de uma direita civilizada. Com a condenação do Bolsonaro e a prisão, que pode se dar até setembro, nos resta torcer para uma direita centrista, que afaste o fascismo.
Que Deus se apiede de nós!
É necessário lembrar o mestre Torquato Neto no Poema do Aviso Final:
“É preciso que haja algum respeito , ao menos um esboço ou a dignidade humana se afirmará a machadada.”

 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

MOTHER NATURE

 
Um dia – e esse dia virá –
Quando a espécie humana tiver desaparecido,
A Natureza – através de seus exércitos
De liquens, musgos, fungos e ervas,
Gramíneas, samambaias, arbustos e árvores,
Começará a ocupar os espaços,
As casas, os muros e prédios vazios,
Os túneis, as barragens, as fábricas abandonadas,
Tudo o que antes a ela pertencia.
E o planeta respirará aliviado.



terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

O HOMEM QUE INVENTOU TRUMP

Tenho lido alguns textos que me provocaram forte impressão. Por isso, independente de estar ou não sem assunto, resolvi publicá-los aqui no Blogson, nem que seja apenas para poder relê-los quando quiser. O primeiro deles foi recebido pelo whatsapp de um amigo. Trata-se de um artigo de Simon Schwartzman, sociólogo e membro da Academia Brasileira de Ciências, publicado no jornal "O Estado de São Paulo". Como a mensagem veio na forma de imagem, resolvi digitar tudo (trabalhinho danado!). O texto é este:


O Homem Que Inventou Trump

Em uma longa entrevista ao jornalista Ross Douthat no The New York Times de 31/01/2025, Steve Bannon, a quem se atribui ter levado Donald Trump à sua primeira vitória em 2016, mostra-se articulado, culto, divertido, e quase convence. De família pobre democrata dos tempos de John F. Kennedy formado pela Harvard Business School, Bannon se define como populista e nacionalista.

A pax americana segundo ele, que se impôs ao mundo ocidental após a 2ª Guerra, é uma construção que tem no topo uma elite bilionária, sustentada por uma grande burocracia de pessoas com títulos universitários – a “classe dos diplomados” – incluindo generais, professores universitários e jornalistas da grande imprensa –, e grupos de interesse formados por sindicatos e organizações que se articulam em nome de direitos sociais para receber parte do bolo. Tudo à custa do little guy, o homem do povo que é enviado para matar e morrer em guerras longínquas cujos valores e estilos de vida são corroídos pelas políticas identitárias financiadas com recursos públicos e cura os empregos e salários são aviltados pelos imigrantes e a concorrência de investimentos em outros países.

Para vencer esse sistema, seria preciso se comunicar diretamente com o povo pelas redes sociais, deixando de lado a grande imprensa; usar argumentos emocionais, para não precisar discutir com a classe dos diplomados; e encontrar um líder capaz de dar voz aos ressentimentos e frustrações do little guy: Donald Trump. Uma vez no poder, seria necessário equilibrar as contas, cobrando impostos dos milionários e cortando subsídios; proteger a indústria nacional, com investimento e barreiras alfandegárias; desmontar a burocracia pública e as organizações sociais que ela alimenta; deportar os imigrantes e taxar as importações, valorizando o trabalhador americano. A estratégia funcionou para ganhar eleições, tanto a primeira quanto a de 2024, mas não para governar. Bannon saiu do primeiro governo Trump logo nos primeiros meses, e ficou fora do atual, criticando de longe a influência do novo grupo de bilionários das tecnologias digitais – Elon Musk, Jeff Bezos, Mark Zuckerberg –, que, segundo ele, forma uma nova oligarquia de “trans-humanistas”. Eles seriam os líderes de um novo “tecnofeudalismo”, com o poder concentrado nas mãos de engenheiros e, cada vez mais, em sistemas autônomos de inteligência artificial. Nesse novo mundo, as hierarquias baseadas nas fortunas familiares e nos diplomas seriam substituídas pela nova hierarquia formada pela simbiose homem-máquina, acumulação ilimitada de recursos em poucas mãos e administração tecnocrática da sociedade das pessoas e da natureza, levando ao fim as identidades locais e nacionais.

Como explicar que Trump tenha abraçado essa distopia, e em que medida isso afeta a lealdade de Bannon à sua criatura? Trump é imperfeito, explica Bannon, e tende a ficar sempre do lado de empresários bem sucedidos, que agora são esses. Mas essa imperfeição seria a sua grandeza, diz ele, o que o tornaria comparável aos grandes presidentes americanos como George Washington e Abraham Lincoln, embora Trump mesmo prefira se comparar a Andrew Jackson, o presidente que ficou famoso por entregar a economia americana aos robber barons do final do século 19.

Bannon foi astuto ao perceber as debilidades da democracia americana e como atacá-la, e apostar num personagem sem limites como Trump como instrumento para vencê-la, mas nenhum dos dois parece ter ideia do que colocar em seu lugar. Nestas primeiras semanas do novo governo, o que vemos são movimentos para cumprir as promessas mais espetaculares e destrutivas da campanha, como a deportação de milhões de imigrantes, a suspensão da cooperação internacional o ataque às políticas de inclusão e ao funcionamento da administração federal, as barreiras alfandegárias à China e aos países vizinhos e a indicação de personalidades marginais para os cargos mais importantes. A aposta de que dos escombros uma nova e mais grandiosa América surgiria, sob o comando dos novos tecnocratas bilionários, foi abalada pelo surpreendente sistema de inteligência artificial chinês, lembrando que é a China, e não os Estados Unidos, que lidera hoje a pesquisa, a produção industrial e o uso das novas tecnologias em quase todos os campos.

Trump tem dito, em seus ataques às políticas de inclusão, que agora as pessoas passarão a valer pelos seus méritos, e não mais por seus supostos direitos. Mas o little guy é, justamente, aquele que não conseguiu se valer das oportunidades criadas pela sociedade americana em seus melhores momentos, e é difícil conciliar essa suposta redescoberta do mérito com o ataque generalizado à “classe dos diplomados” e suas instituições, incluindo as universidades, os centros de pesquisa e as agências governamentais nas áreas de educação, saúde e meio ambiente.

É provável que, passado primeiro susto, a sociedade norte-americana comece a reagir e, daqui a dois anos, Trump perca, nas eleições, a maioria que tem no Congresso. Mas o diagnóstico de Bannon sobre a debilidade e a vulnerabilidade da democracia Americana e de outras que tentam emulá-la, continua valendo, e deve preocupar.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

ARAMAICO

 

- Estou pensando em aprender aramaico...

- Aramaico?

- Sim, aramaico, a língua falada por JotaCristo.

- E para que você quer aprender uma língua morta?

- Morta, não! Descobri que na Síria e na Turquia ainda existem comunidades que falam aramaico.

- Tá, mas pra que saber uma língua que só meia dúzia de gatos pingados ainda utiliza? Vai virar antropólogo ou arqueólogo?

- Marketing pessoal...

- Agora seu cérebro fritou de vez!

- Seu problema é ser muito limitado, não consegue pensar fora da caixa!

- Tá bom, Olivetto, que “marketing pessoal” é esse?

- Tenho pensado que estou perto da tábua da beirada, pois minha saúde não tem estado muito boa. Por isso, acho que todo mundo com mais de setenta anos devia aprender aramaico.

- Esta é mais uma de suas piadas sem graça?

- Tô falando sério! Quando chegar o momento, acho vai pegar muito bem se eu puder conversar com “Filho do Dono” na língua dele!

- Pããããta que pariu!

CULTURA INÚTIL

 
Li em algum lugar que o Vinicius de Moraes, de comportamento normalmente afetuoso, vivia oferecendo parcerias a seus amigos. E parece que foi isso que aconteceu quando resolveu escrever uma letra para a música “Gente Humilde”, composta na década de 1940 pelo violonista Garoto.
 
Com a letra praticamente toda pronta, Vinicius pediu que Chico Buarque a completasse, pois queria firmar parceria com Chico”. E o sogro do Carlinhos Brown escreveu estes versos: "Pela varanda flores tristes e baldias, como a alegria que não tem onde encostar".
 
O que provavelmente eles não soubessem é que essa música já tinha uma letra escrita. A versão original nunca chegou a ser gravada comercialmente e teria sido interpretada uma única vez em um programa de rádio, no início da década de 1950. A título de curiosidade, ei-lalá:
 
Em um subúrbio afastado da cidade
Vive João e a mulher com quem casou
Em um casebre onde a felicidade
Bateu à porta foi entrando e lá ficou
E à noitinha alguém que passa pela estrada
Ouve ao longe o gemer de um violão
Que acompanha
A voz da Rita numa canção dolente
É a voz da gente humilde
Que é feliz.
 
Sinceramente, todos devemos agradecer o desconhecimento de Vinicius e Chico Buarque, que nos presentearam com uma letra primorosa para uma melodia linda. Compare a primeira letra com esta belezura:
 
Tem certos dias em que eu penso em minha gente
E sinto assim todo o meu peito se apertar
Porque parece que acontece de repente
Como um desejo de eu viver sem me notar
 
Igual a como quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem vindo de trem de algum lugar
E aí me dá como uma inveja dessa gente
Que vai em frente sem nem ter com quem contar
 
São casas simples com cadeiras na calçada
E na fachada escrito em cima que é um lar
Pela varanda flores tristes e baldias
Como a alegria que não tem onde encostar
 
E aí me dá uma tristeza no meu peito
Feito um despeito de eu não ter como lutar
E eu que não creio peço a Deus por minha gente
É gente humilde, que vontade de chorar

Para concluir esta aula de cultura inútil, um comentário e uma confissão:
- Consegue cantar os versos da primeira letra sem problema? Percebeu que a letra é bem menor? Como fazer a divisão dos versos para que se encaixem na linha melódica? Difícil, não?

- Hoje bateu uma tristeza diferente, ao pensar que era mais feliz quando ainda tinha um pouco de fé, fé que me confortava e acalmava quando batia a depressão ou desespero. Foi quando me lembrei do verso “E eu que não creio peço a Deus por minha gente”. Sim, hoje eu sei que era mais feliz.

POR DENTRO DO CÉREBRO

  Outro dia minha mulher me mandou um link com trechos de uma entrevista do neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, feita pela revista eletrôni...