Conheci o humor e os traços do premiado cartunista
Jaguar no Pasquim, semanário que praticamente reinventou o jornalismo brasileiro
durante a época mais repressora da ditadura militar. Eu tinha dezenove anos quando
esse jornaleco foi fundado. Para quem não viveu aquela época, é difícil imaginar
a importância de um jornal alternativo que chegou a atingir a tiragem de mais de
200.000 exemplares, graças à irreverência de um time de jornalistas e cartunistas
de língua afiada e traço demolidor e à sua coragem de criticar, incomodar e irritar
os generais-presidentes – a ponto de toda a redação ter sido presa por causa de
uma charge do Jaguar.
A matéria principal do semanário era sempre uma entrevista, quase sempre regada a uísque. Creio que as conversas gravadas em fita cassete não eram editadas. Uma delas, com Leila Diniz, ficou célebre: havia tantos palavrões que Jaguar, inexperiente na transcrição, simplesmente os substituiu por asteriscos, criando sem querer um padrão editorial.
Como cartunista, ele tinha um estilo tosco e ao mesmo tempo extremamente engraçado. Em entrevista ao pessoal do Casseta & Planeta, contou este caso, matando a plateia de rir:
“Chico (Buarque), que era amigo do Tarso (de Castro, um dos fundadores do Pasquim), virou inimigo do Millôr. Certa vez, num bar no Leblon, Chico foi tirar satisfação: ‘O que você tem contra mim?’. Millôr o ignorou. Chico reagiu com uma cusparada. Millôr atirou tudo o que tinha à sua frente – mas só acertou o garçom.”
“Contei essa história várias vezes sem citar nomes, apenas dizendo que o maior humorista brasileiro brigara com o maior compositor brasileiro. Um dia me ligaram para perguntar se eu tinha brigado com Martinho da Vila”.
Esse era o Jaguar, morto aos 93 anos. A notícia de seu falecimento trouxe-me uma sensação que só conheci depois de envelhecer: a morte de alguém a quem se admira tem peso diferente se somos jovens ou idosos. Na juventude, entristece, mas não nos abala tanto. Lamentei a morte do Henfil, mas senti mais com a de Ziraldo e, agora, de Jaguar. É como se pedaços do mosaico da minha vida se soltassem. Ou como se o pano de fundo, a paisagem por trás do que fui e do que sou, tivesse perdido nitidez.
Mas “deixemos de coisas, cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida”, como cantou Belchior. Para não passar batido e como uma sincera homenagem ao cartunista, tentei reproduzir uma de suas charges, uma HQ com fundo preto e só com os balões aparecendo, pois não consegui encontrar a original. O resultado é uma falsificação, uma adulteração grosseira, mesmo que bem intencionada. A vantagem é que não preciso desenhar nada. Será uma charge cover, do Paraguai. A original começava com essa frase: “Jaguar visitou a Bolsa de Valores e achou tudo muito excitante”.
Em seguida, viam-se vários quadrinhos totalmente pretos, visíveis apenas os balões de diálogo. Os nomes das ações de que me lembro eram Ferro Brasileiro, Sifco, Zivi e a hilária Bundy Tubing. Lembro-me também das expressões "Como dizia (não me lembro que pessoa era citada), Apaga!",“Argh!” e “É ferro na boneca”, de uso recorrente no jornaleco. O resto eu tive de inventar para tentar preservar o clima de sacanagem do original. Em tempo: o original era muitíssimo melhor! Salve, Jaguar – e perdoe-me! Olhaí o cover mambembe:
A matéria principal do semanário era sempre uma entrevista, quase sempre regada a uísque. Creio que as conversas gravadas em fita cassete não eram editadas. Uma delas, com Leila Diniz, ficou célebre: havia tantos palavrões que Jaguar, inexperiente na transcrição, simplesmente os substituiu por asteriscos, criando sem querer um padrão editorial.
Como cartunista, ele tinha um estilo tosco e ao mesmo tempo extremamente engraçado. Em entrevista ao pessoal do Casseta & Planeta, contou este caso, matando a plateia de rir:
“Chico (Buarque), que era amigo do Tarso (de Castro, um dos fundadores do Pasquim), virou inimigo do Millôr. Certa vez, num bar no Leblon, Chico foi tirar satisfação: ‘O que você tem contra mim?’. Millôr o ignorou. Chico reagiu com uma cusparada. Millôr atirou tudo o que tinha à sua frente – mas só acertou o garçom.”
“Contei essa história várias vezes sem citar nomes, apenas dizendo que o maior humorista brasileiro brigara com o maior compositor brasileiro. Um dia me ligaram para perguntar se eu tinha brigado com Martinho da Vila”.
Esse era o Jaguar, morto aos 93 anos. A notícia de seu falecimento trouxe-me uma sensação que só conheci depois de envelhecer: a morte de alguém a quem se admira tem peso diferente se somos jovens ou idosos. Na juventude, entristece, mas não nos abala tanto. Lamentei a morte do Henfil, mas senti mais com a de Ziraldo e, agora, de Jaguar. É como se pedaços do mosaico da minha vida se soltassem. Ou como se o pano de fundo, a paisagem por trás do que fui e do que sou, tivesse perdido nitidez.
Mas “deixemos de coisas, cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida”, como cantou Belchior. Para não passar batido e como uma sincera homenagem ao cartunista, tentei reproduzir uma de suas charges, uma HQ com fundo preto e só com os balões aparecendo, pois não consegui encontrar a original. O resultado é uma falsificação, uma adulteração grosseira, mesmo que bem intencionada. A vantagem é que não preciso desenhar nada. Será uma charge cover, do Paraguai. A original começava com essa frase: “Jaguar visitou a Bolsa de Valores e achou tudo muito excitante”.
Em seguida, viam-se vários quadrinhos totalmente pretos, visíveis apenas os balões de diálogo. Os nomes das ações de que me lembro eram Ferro Brasileiro, Sifco, Zivi e a hilária Bundy Tubing. Lembro-me também das expressões "Como dizia (não me lembro que pessoa era citada), Apaga!",“Argh!” e “É ferro na boneca”, de uso recorrente no jornaleco. O resto eu tive de inventar para tentar preservar o clima de sacanagem do original. Em tempo: o original era muitíssimo melhor! Salve, Jaguar – e perdoe-me! Olhaí o cover mambembe:
Grande perda para o mundo da arte e da comunicação. Seu registro soma. Abraço
ResponderExcluirSem dúvida! e obrigado pelo comentário.
ExcluirJaguar também não "sabia desenhar". Mas nem precisava...Um gênio, sem dúvida. Valeu sua homenagem.
ResponderExcluirEu tenho os dois volumes da coletânea que saiu com os melhores textos do Pasquim. Fiquei grato que o incêndio só borrou de fumaça mas não os queimou.