segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

PSSC

 
Meu raivoso amigo virtual Marreta escreveu em seu blog "A Marreta do Azarão" um longo manifesto denunciando e condenando as práticas educacionais hoje em vigor. Falou com conhecimento de causa, pois é professor. Obviamente embrulhou tudo no papel ideológico de sua preferência. Sem problema! Por não ter formação nem informação sobre esse assunto, prefiro me abster de fazer comentários irrelevantes ou equivocados. Mas eu sou uma anta velha e sem rumo e resolvi contar sobre o ensino que se praticava quando eu era só uma anta jovem e sem rumo, ou melhor, um adolescente sem rumo.
 
Depois de me formar na quarta série do “grupo escolar”, fui matriculado em um colégio particular decadente (pois tinha saído do centro da cidade e mudado para o bairro de classe média baixa onde eu morava). Embora destinasse o turno da manhã apenas ao sexo masculino e o da tarde exclusivamente às meninas, era considerado um colégio "boate", pois o ensino era meia boca. A título de exemplo, nunca conseguimos chegar ao final do livro de português e nem nunca aprendemos como extrair uma raiz cúbica. Apesar disso, fomos (como todos os demais colégios) obrigados a desfilar na parada de sete de setembro de 1964 ou 1965. E nem preciso comentar o motivo.
 
Em 1965, ao me formar no curso “ginasial”, surgiu o dilema: onde fazer o curso colegial? Creio que nesse colégio o segundo grau só existia no turno da noite. O problema foi solucionado por uma providencial caxumba, que me deixou de molho na cama, sem poder fazer nada a não ser estudar. Com isso, consegui uma vaga no excelente “Colégio de Aplicação da Faculdade de Filosofia da UFMG”. Para os íntimos, apenas “Aplicação”.
 
A mudança foi brutal: se no glorioso Afonso Arinos eu estudava apenas na véspera das provas, foi necessário ralar muito para conseguir passar para o segundo ano colegial do Aplicação. Esse colégio era um balão de ensaio para teste das novidades pedagógicas e tecnológicas ensinadas na Faculdade de Filosofia (daí o nome “colégio de aplicação”).

Uma das novidades era o direcionamento dos alunos segundo seu interesse, já no início do segundo ano. Três eram as áreas oferecidas: CiEx (Ciências Exatas), CiBi (Ciências Biológicas) e CiSo (Ciências Sociais). Assim, esperava-se dos alunos um melhor aproveitamento do ensino. Havia também dois ou três laboratórios especializados. Lembro-me do cheiro absurdamente nauseabundo que um dia invadiu todo o colégio, proveniente de um caldo de baratas, que estavam sendo cozidas para estudo microscópico de parasitas ou coisa semelhante. 
 
Aliás, o laboratório de biologia era permanentemente fedorento, devido ao "combo" (xixi de rato, ração, serragem, etc.) relacionado aos camundongos brancos que seriam dissecados pelos alunos. A única vez em que tive o desprazer de participar de uma aula prática para ver o coração de um camundongo batendo não foi uma experiência muito "exitosa" (detesto esta palavra!), pois matamos o bichinho com uma overdose de éter ou coisa parecida. Assim, meu grupo ficou só pentelhando o que outros grupos menos rudes faziam.

Outra novidade foi a adoção de livros de física, biologia e química traduzidos do inglês. Eram livros impressos em papel couchê, cheios de imagens de ótima resolução e... quase nenhuma fórmula. O que se aprendia nesses livros eram conceitos teóricos sem a decoreba de fórmulas. Lembro-me um exercício sobre “ordem de grandeza”, onde se pedia a quantidade de bolinhas de ping-pong necessárias para encher o Maracanã.

Um dos professores de química era um entusiasta de experiências impactantes no laboratório. Seu guarda-pó mais que furado de ácido era prova disso e fazia pensar que os buracos estavam unidos por  frações de tecido. Um dia avisou que faria uma mistura que liberaria um gás letal, mas assim que o gás começou a surgir jogou tudo na pia, para alívio dos assustados alunos presentes.

Nas aulas teóricas ouvimos falar de moléculas de DNA, adenina, timina, RNA, de orbitais e da ordem de entrada dos eletrons nos subníveis s, p, d, f, palavras estranhas que estavam relacionadas a todo tipo de novidade que alunos de segundo grau poderiam assimilar. Outra curiosidade eram os títulos desses livros: PSSC para o livro de física, BSCS para o de biologia e CBA para o de química.

Procurei na internet o significado dessas siglas e encontrei o seguinte: PSSC: ''Physical Science Study Committee”; BSCS: “Biological Sciences Curriculum Study” e CBA: “Chemical Bond Approach”. Eram livros iguais aos utilizados pelos gringos, era o país curvando-se à excelência técnica buscada e praticada nos Estados Unidos! 

Segundo um texto que encontrei na internet (parcialmente transcrito a seguir),  
O PSSC é um projeto de ensino de física desenvolvido na década de 1950 pelo MIT e posteriormente trazido ao Brasil em 1962 por meio do IBCC-UNESCO com apoio do MEC.(...)
 
O projeto PSSC foi elaborado nos EUA, e teve abrangência Nacional, sendo que contou com colaboração de mais de 600 professores e pesquisadores de diversas instituições (PSSC - Apêndice 3),em torno de 20 por cento dos professores de ensino médio segundo a AAPT (American Association of Physics Teachers).(...)

O PSSC tem como proposta abordar os conteúdos físicos de uma maneira menos abstrata que os livros da época, tentando expor exemplos mais conceituais e menos matematizados, com isso buscando despertar o interesse dos jovens para a área da física. Além disso é um dos primeiros materiais pedagógicos que buscam dar o suporte total ao professor desde o conteúdo até a parte experimental.(...)
 
No Brasil o PSSC chega através do IBECC ( Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura) , que segundo Abrantes(2010), foi criado como Comissão Nacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no Brasil, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de atuar em projetos naquelas áreas. Nesse contexto o PSSC foi importado e traduzido, bem como outros materiais já mencionados, produzidos nos EUA como produto dos mesmos investimentos.
 
E acho que por hoje chega, pois este post é um textão sobre assunto que talvez não interesse a ninguém. Por isso, continuarei no “próximo número”.

4 comentários:

  1. Complicada situação! Acabei de postar um vídeo inacreditável que encontrei no site Metrópoles e você verá dois dos otários acampados em ação. Chega a ser patético. Abraços.

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  2. Você tem razão, mas fica uma certeza: mesmo que não espere nada do novo mandatário, pelo menos não torce contra. E isso prova o seu bom senso.

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  3. Você foi muito claro no seu comentário. Eu já escrevi várias vezes que odeio o PT pela sacanagem de que fui vítima. Não me lembro mais se foi no governo Lula ou Dilma que algum maluco resolveu que o pais precisava de mais destaque na arena global. Para isso, criaram um programa de incentivo para empresas consideradas "campeãs nacionais". Na prática, linhas de crédito com valores subsidiados através do BNDES.
    Mas não só isso. Os fundos de pensão de empresas públicas foram estimulados ou obrigados a investir nessas empresas, mesmo que uma análise técnica não recomendasse. Infelizmente, o fundo de pensão da empresa onde trabalhei investiu nas empresas do Eike Batista e esse investimento virou pó. Hoje, graças aos governos petistas, todo mês descontam uma grana fodida da minha complementação de aposentadoria para cobrir o rombo do investimento mal feito. E sabe até quando? No meu caso, até o fim da vida.
    Apesar disso, engoli meu ódio contra o PT e votei no Lula, pois até um pedaço de pau seria melhor que a reeleição de um provável psicopata. E tem gente que não entende isso (e ainda duvida das urnas eletrônicas).

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