domingo, 8 de janeiro de 2023

UMA CLÁUSULA PÉTREA

 
Outrora eu era daqui, e hoje regresso estrangeiro,
Forasteiro do que vejo e ouço, velho de mim.
Já vi tudo, ainda o que nunca vi, nem o que nunca verei.
Eu reinei no que nunca fui. (Fernando Pessoa)
 
Aqueles que acessam o blog há muito tempo já estão de saco cheio de me ver recontar a origem do Blogson Crusoe. Paciência. Eu sou bastante repetitivo, mas talvez esta possa ser a última. O que (não) importa saber é que este blog teve sua infância despreocupada (mesmo que solitária), uma adolescência entusiasmada, uma fase adulta adulta e uma decadência galopante (mas sem nenhuma elegância, pois não me chamo Lobão).
 
A bem da verdade, essas fases se alternaram e se misturaram ao longo de toda a vida do blog, em total desacordo com a linha da vida de uma pessoa do mundo real. Essa alternância desenfreada de fases talvez seja a explicação para uma piada de quinta série ser antecedida por um texto mais reflexivo e melanchólico e sucedida por uma poesia ou um dezénho minimalista e de humor mínimo.
 
Nunca houve regras rígidas neste blog da solidão (cada vez mais) ampliada, com apenas duas exceções. A primeira foi minha permanente intenção e objetivo de sempre tentar divertir e/ou encantar os leitores. A segunda foi o registro da verdade mais absoluta, “duela a quien duela”, como diria o Collor.
 
Ultimamente, graças à decadência, à minha erosão física e mental, há total falta de assuntos relevantes e a consequente abundância de repetições, frescuras e lamúrias. Se houvesse pelo menos um mínimo de humor de qualidade eu poderia repetir o Lobão dizendo que o blog enfrenta uma décadence avec elegance, mas não. O Blogson está derretendo mais que o permafrost, mais que as geleiras do Polo Sul. E esse derretimento está pondo à mostra as canelas finas que o sustentam. Por isso, mais uma vez (já deve ser a terceira ou quarta vez), o velho Blogson está caminhando para fazer seu balanço final. Por mais que isso me Doha, ou melhor, me doa.
 
Desde 2014 o Blogson foi minha diversão mais constante, meu brinquedo diário, meu pau de arara mais torturante, o absorvente de toda minha atenção. Por culpa dele parei de tocar violão e ouvir música, diminuí a leitura, passei a dormir mal, a ter crises severas de depressão. Um dos maiores motivos foi a crescente falta de inspiração.
 
Talvez a atmosfera tóxica que envenenou e dividiu as pessoas deste país tenha contribuído com a maior parcela de culpa, por me tornar uma pessoa preocupada, ansiosa, amarga e triste. O curioso é que quem me conhece no mundo real nem se dá conta disso, pois tento me manter como o gente boa, o simpaticão, o inofensivo criador de piadas idiotas e trocadilhos infames.
 
Na prática, entretanto, e graças em grande parte ao blog, a esse tamagotchi do bem e do mal, acabei me transformando em um Dom Quijote moderno, um cavaleiro da triste figura de quem foi retirado o cavalo, restando apenas a triste figura.
 
 
Não sei se já perceberam (os que ainda estão acordados) que estou enrolando, enrolando, escrevendo abobrinhas sem nenhum brilho ou graça. Mas o assunto é o fim do blog, ou melhor, a aposentadoria do blogueiro. Afinal, o blog e ele parecem ter cumprido sua missão (que nunca houve), pois os bezerros de ouro foram derretidos, fizeram churrasco com as vacas sagradas, botaram as certezas absolutas para correr, tiraram da penumbra a hipocrisia alheia (só a alheia!), denunciaram as meias verdades e as mentiras inteiras, enfim: promoveram uma faxina de tirar bicho nas próprias convicções. Nesse tempo as lembranças ficaram cada vez mais desbotadas e a inspiração comprou passagem só de ida.
 
Por isso, acho que não há mais nada ou quase nada a fazer ou dizer. Na verdade, tenho sentido uma inadequação e uma insatisfação crescentes, é como se eu tentasse usar uma roupa que já não me serve mais. O defeito nem está na roupa, está em mim. Não sei quando acontecerá o desenlace, talvez demore um pouco, talvez aconteça progressivamente ou com uma única "pancada", mas sinto que está chegando, como os ventos que prenunciam uma tempestade (isto ficou muito ridículo!). 
 
Por oscilação de humor, depressão ou o que quer que seja, já tentei acabar com o blog mais de uma vez, mas acabei tendo recaídas e voltei, um processo muito constrangedor para qualquer pessoa, ainda mais se essa pessoa for um senhor idoso. Mas hoje encontrei a solução definitiva, escondida em uma "cláusula pétrea" pessoal, a expressão "nunca mais". Para mim, quando essa expressão é dita ou utilizada significa que a decisão tomada é "para sempre", não dá para voltar atrás.
 
Assim, quando eu escrever em algum post que nunca mais haverá novas publicações no blog, podem acreditar e ter certeza de que esse dia marcará o fim real do blog. Por enquanto, o blog ainda segue respirando. Com auxílio de máscara de oxigênio, mas respira.
 

2 comentários:

  1. Eu matei o Blogson umas três vezes e o ressuscitei outro tanto, mas nunca pensei em apagá-lo da internet. Criei na mente a iamgem de um navio sem tripulação, abandonado no mar da internet (eu tenho mania de ser melodramático). Desta vez estou pensando em acabar com ele e deixá-lo à deriva como nas vezes anteriores, mas o uso da "cláusula pétrea" me impedirá de ressuscitá-lo. E o motivo é o fato de não ter mais inspiração nenhuma. Sinto vontade de postar alguma coisa, mas não sei o quê. E isso me irrita e angustia. Spoiler para você: talvez eu alimente um dos blogs desativados com postagens copiadas do Blogson que sejam atemporais ou minimamente interessantes, porque o Blogson está parecendo uma mamucha de laranja, não sai mais caldo nenhum. mas volto a lembrar: o "blog da solidão ampliada" continuará a existir na blogosfera, mas a solidão será agora total, pois o blog não sairá de mim, eu é que sairei do blog, entendeu? Mas vou pensar no que disse. Além disso, continuo pensando nos livros digitais, pois quero deixar minha "pegada na Terra". Abraços.

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  2. O blog não será apagado da blogosfera, só não será mais alimentado (pois o alimento acabou!). Talvez os melhores e mais atemporais posts publicados sejam republicados em outro blog. É basicamente o que acontecerá. Espero que a angústia da "folha em branco" acabe, pois não haverá mais folhas a preencher..

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MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4