Só recentemente descobri que o cineasta Jean Luc Godard, autor dos filmes mais chatos e incompreensíveis que já assisti, cometeu "suicídio assistido" (quando o "interessado" toma por livre vontade os medicamentos que os médicos lhe oferecem para se foder definitivamente).
Admito ser esse um ato de grande coragem e determinação, mas mesmo que esta seja uma época em que tenho vontade de estar morto, ainda prefiro métodos mais convencionais, tipo AVC ou infarto fulminante. Por isso os leitores e leitoras desta bagaça não precisam se preocupar com minhas intenções nem se assustar com o tom sombrio da crônica do insuperável Rubem Braga que transcrevo a seguir. Ele tinha apenas quarenta anos quando a escreveu, mas aparentemente já tinha um gosto amargo na boca. Só sei que essa amargura combinou com a minha. Porque ultimamente está foda! Olhaí.
Foi em sonho talvez que vi brilhar a tua face
lívida, Morte, e sobre mim tua foice fria e teu hálito de gelo, insuportável.
Porém meu dia não era chegado; foi alguém estranho que tombou a meu lado, no meio da noite, e eu pude continuar cabisbaixo o caminho.
Mas dentro de meu coração eu te detestei sem te temer, e senti que a vida era melhor, e com serenidade compus estes votos e orações de morto.
Que o mistério que existe em toda morte fosse na minha dignificado pela simplicidade.
E meu velório fosse assim como que uma festinha de despedida, onde mesmo as pessoas que ficassem com os olhos vermelhos pudessem rir sem remorso.
E aqueles que fossem saindo pensassem apenas: “vamos a um bar; ele só não vai porque não pode"; e assim manifestassem confiança em mim.
E dois anos depois alguns homens se pusessem de repente a falar mim, rindo, lembrando meu nome e figura com afetuosos palavrões, e que minha memória os ajudasse a beber mais, e com mais prazer.
Que alguma desconhecida mulher, em uma hora de angústia ou abatimento, lesse por acaso alguma coisa minha e sentisse ali um conforto de mão de companheiro.
E assim também que, a dois amantes, alguma coisa que escrevi em uma hora de paixão pudesse lhes fazer mais luminosa a felicidade.
Que tudo o que eu disse por tédio ou afetação pudesse ser esquecido e minha lição obscura fosse uma lição de insaciável liberdade e gosto de viver.
Que aqueles que foram meus amigos não precisassem esquecer ou disfarçar meus defeitos para que me estimassem depois de morto, e me recordassem como a um homem - vago bloco de coisas - capaz de ser tolerado e possível de ser útil.
Que ao pobre e ao humilhado minha voz ajudasse a dar esperança e ânimo de luta.
Que alguma coisa de tudo o que fiz pudesse levar ao homem poderoso, atrás de seus estupendos recursos e de suas perfeitas teorias e de milhares de oficiais-de-gabinete e secretários, um recado humilde a favor da pobre e escura e triste humanidade do Brasil.
E assim também ao homem crente e orgulhoso de sua crença um pouco de vacilação e tolerância.
E as mulheres com que lidei esquecessem meus momentos de tédio e de aflição e lembrassem de mim o que disse e fiz de melhor, nos grandes instantes de ternura, que são os instantes da verdade.
E tu, que foste a última de minhas amigas, que minha lembrança te fosse também suave - apenas a vaga mão pousando no teu ombro e a perdida voz dizendo teu nome, com o mais simples carinho, e um tom quase contente.
Maio, 1953
Porém meu dia não era chegado; foi alguém estranho que tombou a meu lado, no meio da noite, e eu pude continuar cabisbaixo o caminho.
Mas dentro de meu coração eu te detestei sem te temer, e senti que a vida era melhor, e com serenidade compus estes votos e orações de morto.
Que o mistério que existe em toda morte fosse na minha dignificado pela simplicidade.
E meu velório fosse assim como que uma festinha de despedida, onde mesmo as pessoas que ficassem com os olhos vermelhos pudessem rir sem remorso.
E aqueles que fossem saindo pensassem apenas: “vamos a um bar; ele só não vai porque não pode"; e assim manifestassem confiança em mim.
E dois anos depois alguns homens se pusessem de repente a falar mim, rindo, lembrando meu nome e figura com afetuosos palavrões, e que minha memória os ajudasse a beber mais, e com mais prazer.
Que alguma desconhecida mulher, em uma hora de angústia ou abatimento, lesse por acaso alguma coisa minha e sentisse ali um conforto de mão de companheiro.
E assim também que, a dois amantes, alguma coisa que escrevi em uma hora de paixão pudesse lhes fazer mais luminosa a felicidade.
Que tudo o que eu disse por tédio ou afetação pudesse ser esquecido e minha lição obscura fosse uma lição de insaciável liberdade e gosto de viver.
Que aqueles que foram meus amigos não precisassem esquecer ou disfarçar meus defeitos para que me estimassem depois de morto, e me recordassem como a um homem - vago bloco de coisas - capaz de ser tolerado e possível de ser útil.
Que ao pobre e ao humilhado minha voz ajudasse a dar esperança e ânimo de luta.
Que alguma coisa de tudo o que fiz pudesse levar ao homem poderoso, atrás de seus estupendos recursos e de suas perfeitas teorias e de milhares de oficiais-de-gabinete e secretários, um recado humilde a favor da pobre e escura e triste humanidade do Brasil.
E assim também ao homem crente e orgulhoso de sua crença um pouco de vacilação e tolerância.
E as mulheres com que lidei esquecessem meus momentos de tédio e de aflição e lembrassem de mim o que disse e fiz de melhor, nos grandes instantes de ternura, que são os instantes da verdade.
E tu, que foste a última de minhas amigas, que minha lembrança te fosse também suave - apenas a vaga mão pousando no teu ombro e a perdida voz dizendo teu nome, com o mais simples carinho, e um tom quase contente.
Maio, 1953
Olá meu amigo, quanto tempo!
ResponderExcluirNão apareci por aqui para justificar minha ausência, ainda assim vou dizer algumas coisas. Voltei para Santo Antônio de Goiás (eu estava de férias na minha cidade natal, Correntina-BA) e consegui um emprego maneiro como chapeiro em uma hamburgueria que fica pertinho de casa. Os pontos positivos desse emprego é que paga razoavelmente bem, trabalho com alguns amigos e, também, consigo tempo para estudar. O ponto negativo é que é um trabalho, bom mesmo era receber seguro desemprego.
Sobre a postagem, sou um grande admirador do Godard, e de muitos outros cineastas, e sinceramente, estou passando a admirar também o Rubem Braga, já li alguns textos dele através do Blogson e todos me agradaram, esse em específico me trouxe sentimentos mais fortes.
Mas ler sobre isso me fez lembrar de um filme que talvez seja do seu agrado, o nome do filme é Morangos Silvestres, de um grande diretor chamado Ingmar Bergman, aqui está o link: https://www.youtube.com/watch?v=Ul67hzDSgik
Se cuida, vou aparecer com mais frequência.
Você é sempre bem vindo. Depois te dou notícia do "Morangos..."
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