Quem já acessou o blog algumas vezes talvez saiba que eu odeio o Lula tanto quanto o Bolsonaro, mas o Bozo ganha disparado do Nove Dedos (estamos falando o ódio que eu sinto, OK?). Em compensação, eu odeio o PT mais que qualquer partido que acolha o (vo)mito, pois tenho severíssimas críticas a práticas e tretas realizadas pelo partido da estrela branca, por seu deus Luliberto e por seus amiguinhos. Por isso ao ler no portal do jornal "Estado de Minas" um artigo muito interessante de um jornalista ou escritor de quem nunca tinha ouvido falar (perdõem-me a ignorância), resolvi publicar aqui no velho Blogson trechos desse artigo. O título e o autor estão em negrito. Solta o som!
Lula é ser humano melhor, mas tem três
personalidades inconciliáveis - Ramiro Batista
" (...) Politicamente,
porém, Lula não está entre minhas predileções. Resumo por que no final, depois
de demonstrar porque vejo nele, para além do cara legal, três personalidades
inconciliáveis que operam contra sua credibilidade.
Primeira, a melhor
delas, é que se trata de um sujeito brilhante, um instinto impressionante para
perceber o espírito do tempo e encantar plateias em torno de ideias
progressistas, lindas para consumo externo.
Arrasou numa
impressionante entrevista de 14 minutos em Bruxelas, que resumiu melhor sua
filosofia, seu projeto de governo e de vida, que a soma de todas as longas
horas de palestras e coletivas pela Europa.
Está mais do que
nunca afiado, redondo, capaz de resumir uma enciclopédia de ideias pertinentes,
oportunas e atuais com senso histórico, geopolítico e conjuntural. E moderno,
pronto para falar com pertinência sobre apps, algoritmos e seus riscos para a
democracia.
Resumiu em torno
de três eixos — desigualdade, ecologia sustentável e empregabilidade — um
projeto para o mundo, com uma pitada de marketing sobre sua capacidade de
fazer, outra de networking sobre suas relações com lideranças mundiais e uma
terceira disso tudo em relação a suas crenças pessoais.
A apresentadora
portuguesa, da mesma esquerda europeia que se desmancha por ele, independente
do que diga, estava visivelmente sensibilizada, para dizer o mínimo que não
pareça machista.
Esse Lula
brilhante, articulado e antenado, apresentado na Europa como um estadista que
tem solução para a humanidade, mais candidato a secretário geral da ONU do que
a presidente do Brasil, não se concilia, entretanto, com o segundo.
Que é um
pragmático que sabe muito bem diferenciar discurso e prática. E pratica o que é
possível na geopolítica brasileira, um capitalismo de estado acolitado com uma
das piores classes políticas do mundo, onde o que se tem a fazer — e fez — é
despejar dinheiro público nas elites e dar algumas esmolas para os pobres.
Também incha a
máquina pública, cria subsídios e benefícios vários para todas as camadas da
população, dentro e fora do serviço público, amplia a distribuição de verbas
públicas para cooptar maioria no Congresso. Faz acordo com o diabo e
defende privilégios para determinadas classes e minorias.
Acaba contribuindo
para o contrário do que prega e em favor das elites que em geral condena em
frases para enrolar a plateia: a desigualdade, a ecologia empresarial
sustentada com verbas do BNDES e um tipo de empreguismo produzido direta ou
indiretamente com dinheiro público.
Os dois Lulas, o
idealista e o pragmático, não se conciliam evidentemente com o terceiro, que
mente tão deslavadamente, "mente de maneira tão pungente / que acho que
mente sinceramente", como no verso de Affonso Romano de Sant'Anna.
Chega a se
esquecer de onde está, da importância da plateia e de seu lugar histórico.
Desce à manipulação rastaquera dos fatos, num desrespeito impressionante, não
só a plateias alheias, mas à sua própria, a militância pronta para aplaudir até
seus arrotos.
Pois esse
estadista vendido como encarnação ONU de solução mundial usou o segundo maior
palanque do mundo para dizer o que só os petistas acreditam a respeito dos
processos da Lava Jato: é inocente, não sabe por que foi condenado e que o juiz
o condenou politicamente porque queria ser ministro de Jair Bolsonaro.
Quando entra nessa
vibe, perde todo o sentido de contradição. Como dizer que Sergio Moro o
condenou na expectativa de um cargo no novo governo, se, como ele mesmo diz em
uma das palestras, ninguém, jamais, em tempo algum, poderia imaginar que o
Brasil poderia eleger "um sujeito como Jair Bolsonaro"?
Esse terceiro Lula
altamente dissimulado, que mente despudoradamente, nacional/mente,
internacional/mente, é o mesmo que fez vista grossa para a corrupção, deixou
roubar, induziu seus companheiros a greves e invasões, defendeu/defende
ditaduras, pôs/põe a peãozada na rua para negociar por cima, desde sempre.
É o pragmático em
excesso, mais para coronel e caudilho que democrata, ao ponto em que os fins
justificam os meios, a tomada e a manutenção do poder se sobrepõem à
preocupação com desvios éticos eventuais e passageiros.
Isso é
terrivelmente Lula, uma mistura sincera e talvez inconsciente, que vai do
idealista ao caudilho, a "metamorfose ambulante" que se vende com
competência, encantando, manipulando ou enganando plateias mundo afora. Agente
ou vítima de suas próprias contradições.
Eu gosto do
primeiro, não me importo com o segundo, porque sei de nossa conjuntura, e
abomino o terceiro. Não a ponto de ódio, porque já andei demais para entender a
metafísica da política e ser moralista.
E não é por nenhum
das três que nunca tive a honra de votar nele, embora tivesse votado em amigos
petistas. Como a maioria do povo brasileiro, voto por simpatia em cargos que
não julgo determinantes. Se votasse por empatia para o posto da primeira
cadeira do país, votaria no primeiro Lula.
Consideraria que
não deve ser totalmente ruim para o país um companheiro bom de copo e de
conversa. E se aparecer alguém com seus mesmos defeitos políticos, é possível
que os atributos pessoais revelados no buteco pesem a seu favor.
Minha restrição é
com sua filosofia política mesmo, seu socialismo inconsciente e esse progressismo
que para mim é uma forma de dizer que as elites conservadoras são reacionárias.
É sua inspiração primeira, cristalizada em camadas de circunstâncias, atrás da
qual arrastou/arrasta legiões de crédulos.
Desde a
adolescência, por mecanismos ou influências que ainda não entendo totalmente,
sempre tive restrições severas a que se pudesse forçar a igualdade por meio do
Estado. E duvidei do sucesso de qualquer tentação que tirasse a liberdade
natural do homem de lutar e competir para sobreviver e produzir coisas.
Imaginava uma
grande área que fosse dividida igualmente por 1 mil pessoas. Tinha certeza de
que, em pouco tempo, sem controle do Estado, um venderia a sua parte, outro
trocaria a sua por uma bicicleta ou um rádio velho, um terceiro abandonaria, um
ou outro compraria a parte da maioria e estabeleceria um monopólio.
Como o tempo e os
excessos, como tem sido desde sempre, passando pela era dos descobrimentos e da
revolução industrial até a era da informação, o excesso seria corrigido por
outros atores ou pela mão, no máximo fiscalizadora, do Estado.
Com pretensão
estatal de controle e equilíbrio, seria pior. Acomodação, improdutividade,
desânimo, paralisia, parasitismo, subdesenvolvimento. O Estado querendo
empurrar uma carroça em que ninguém está empenhado e feliz.
Lula — estadista,
pragmático ou politiqueiro — e seus seguidores acreditam piamente que a segunda
solução é a melhor, contra todas as evidências de que não deu certo em lugar
algum. É o melhor que eles podem oferecer ao mundo.