Acordo com a boca seca, os lábios colados. A
bexiga cobra atenção. O dia começa a clarear. Imagino que já são cinco da
manhã. Tento olhar as horas, mas o brilho da televisão que nunca desliga impede
que eu veja o relógio ao lado.
Passo a língua pelos lábios para umedecê-los
um pouco. A vontade de mijar continua. Resisto, quero dormir. Viro para o lado,
recuso-me a ver o que está passando na TV, mas não adianta, não consigo mais
pegar no sono.
Sento-me na cama por alguns instantes
(recomendação médica) e me levanto tentando não fazer nenhum barulho. Saio
silenciosamente do quarto, deslizando com os pés descalços. Vou ao banheiro
social e fecho a porta para dar descarga. Alívio. Lavo as mãos e dirijo-me ao
quarto onde está o computador. Abro o blog e vejo que não há comentários
pendentes. Não me espanto, pois quase nunca há mesmo. As visualizações do dia
raramente passam de dez, graças provavelmente aos títulos capciosos que
escolho, capturados pelos algoritmos de pesquisa do Google. Acesso o Facebook e
vejo novas faces dos mesmos rancores. Nada de novo. Levanto-me e vou à cozinha.
Em cima da geladeira estão as cartelas dos
remédios que tomo diariamente. Acho prático deixá-las ali, invisíveis aos
olhos, acessíveis apenas ao tato. No começo havia apenas um, para tratamento e
controle de hipertiroidismo. Após uma dose de iodo radioativo, o que era hiper
transformou-se em hipotiroidismo. Fiquei hipotiroideu, palavra que lembra
personagem da mitologia grega. Um comprimido de levotiroxina sódica de 125 mg
tomado de 30 a 60 minutos antes do café. Com o tempo, mais um foi
receitado: um comprimido de losartana para combater a hipertensão, tomado pela
manhã. Num aparente contrassenso, hipertenso por um lado e hipotiroideu por
outro. Hiper hipo. Recentemente, fui brindado com a indicação de mais um medicamento
(atenolol), destinado a combater uma arritmia que cismou de aparecer.
À noite, não havendo esquecimento (que às
vezes acontece), com exceção do remédio para hipotireoidismo, repete-se o
ritual de retirada dos comprimidos dos blisters. Essa rotina diária
deveria acontecer sem que eu notasse, sem chamar minha atenção, engolindo
mecanicamente três comprimidos pela manhã e dois à noite. Entretanto, quando
uma das três cartelas acaba - e elas acabam em dias diferentes (normalmente à
noite) - uma sensação estranha, uma melancolia discreta se instala na mente pois me dou conta de que o tempo vai passando devagarinho, medido pelas cartelas
que vão sendo substituídas. E que, na prática, minha vida também vai se acabando, como se formada por pílulas retiradas diariamente da cartela do tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário