DE ONDE SURGIU ESSA MALUQUICE (MAKING OF)
Essa é uma história meio louca. Um dia, assim do nada, pensei na história do cara que começa a falar outra língua. Não tinha nada em mente, só achei graça da maluquice. Contei a um sobrinho a parte que tinha imaginado. Minha cunhada, ouvindo a conversa, riu e perguntou de onde eu tirava essas ideias, que isso era coisa de drogadicto e que eu deveria ter fumado “um cigarrinho do capeta”. Achei graça, falei que talvez fosse falta de leite com Toddy, etc.
Essa é uma história meio louca. Um dia, assim do nada, pensei na história do cara que começa a falar outra língua. Não tinha nada em mente, só achei graça da maluquice. Contei a um sobrinho a parte que tinha imaginado. Minha cunhada, ouvindo a conversa, riu e perguntou de onde eu tirava essas ideias, que isso era coisa de drogadicto e que eu deveria ter fumado “um cigarrinho do capeta”. Achei graça, falei que talvez fosse falta de leite com Toddy, etc.
À noite, fomos a um
restaurante para comemorar o aniversário de um conhecido. Calhou de ficar perto
do filho desse sujeito, menino com uns 18 anos. Comentei com ele sobre essa
maluquice e ele ficou empolgadíssimo, querendo saber o final. Disse-lhe que não
tinha final e que não sabia nada da história, que mandaria para ele quando
soubesse.
Em termos práticos, estava
mais interessado em escrever outra das "lamúrias" jotabélicas, sobre
o quanto é mais interessante conversar com meus filhos e outros jovens como
eles, traçando altos papos sobre cultura, música (rock), livros e lugares para
onde viajaram recentemente (ao contrário de mim, que cago de medo, meus filhos
gostam de viajar e conhecer outros países). Muito melhor que ficar escutando
gente que só gosta de contar vantagem (muitas vezes inexistente), só fala de
futebol, come carne mal passada e ouve música sertaneja (gente muito próxima,
diga-se; ainda bem que essas características concentram-se apenas em duas ou
três pessoas). O problema é que sou velho, sou pai, não posso sair com a turma
nerd que eu curto. Então, sou como um ET que desceu na Terra.
Aí resolvi juntar tudo,
fazendo referência a outra crônica que escrevi, aquela do Odorêncio,
como se o narrador fosse o filho que mandou jogar as memórias do pai no lixo. A
referência ao "príncipe russo" é real e foi-me contada pelo próprio,
meu pai.
Depois disso, tive de
resolver uma série de questões que a história levantou. Por exemplo, o
“estrangeiro” descobriria ou não em que língua estava falando? Como ele iria
fazer? Qual língua deveria ser a escolhida?
Nesse caso, o ideal é que
não fosse do grupo das manjadas (inglês, francês, etc.). Por outro lado, se
escolhesse russo, o Google Tradutor retornaria em alfabeto
cirílico, que seria mole de identificar. Línguas asiáticas ficariam muito
estranhas. Já no árabe e hebraico, se não me engano, a leitura se faz da
direita para a esquerda. Aí pensei em uma língua periférica da Europa, e optei
por polonês. E por aí vai.
Resumindo: a história é uma
colcha de retalhos onde se misturam realidade um pouco alterada com ficção
pura. Mas
não sou tão hardcore como o personagem. Primeiro, porque eu
minto muito bem quando estou em uma festa. Deixo o povo falar, puxo assunto,
presto atenção, rio das piadas e falo mal de mim mesmo, o que é um sucesso
infalível, pois ajo com o maior cinismo e cara dura . Por isso, a
maioria me considera o “legal”,
o “gentil”, o “atencioso”, o “simpático”. (ainda bem que nenhuma dessas
pessoas lê o blog!).
Quando eu era mais jovem,
era o rei das velhinhas e velhinhos. Não havia um ou uma que não me elogiasse,
tal a atenção que dava a eles. O que ninguém desconfiava é que o piloto
automático estava sempre ligado, comandando as expressões faciais e as interjeições
(aprovação, espanto, raiva, etc.). Hoje, sou um deles, pois está cada vez mais
difícil encontrar gente mais velha que eu (pelo menos em festas). Quem me vê,
acredita que estou me divertindo muito. Na verdade estou mesmo, mas não da
forma que todo mundo imagina (perdi agora 1,3 leitores, provavelmente, e o
motivo é que esse blog está cada vez mais parecido com consultório de
psicologia e confessionário de igreja: só tem confissão constrangedora).
Outro ponto digno de nota é que eu e minha mulher temos uma cumplicidade incrível. Além de ser o amor da minha vida, é hoje minha melhor amiga. Conversamos muito e estamos sempre juntos. E mesmo que o resultado obtido tenha qualidade literária semelhante à de panfletos de igreja evangélica, me diverti pra caramba enquanto o escrevia. Por isso, resolvi unir as três partes mais a explicação em um único post. É isso.
PRIMEIRA PARTE
Até hoje eu ainda não sei se estou acordado
ou no meio de um pesadelo que teima em não acabar. Todos os dias eu me deito
esperando que “amanhã” eu acorde como antes de tudo ter acontecido. A casa
agora está mais silenciosa, como se ninguém quisesse me incomodar ou perturbar
meu sono. Mas eu estou acordado! Ou, pelo menos, acredito estar.
Minha mulher não mais exibe sua antiga e
despreocupada tagarelice. Quando nossos olhares se cruzam, percebo que além da
permanente preocupação, exibe uma expressão discretamente ressentida, como se
intimamente acreditasse que a culpa de tudo fosse minha. Nunca tentei lhe
dizer, mas hoje percebo que ela pode ter razão. Quando alguém telefona, eu a
vejo conversar em voz baixa, contida, como se não quisesse que eu ouvisse o que
está dizendo, provavelmente alguma coisa a meu respeito, o que sempre me deixa
constrangido.
Ninguém sabe o que aconteceu; há algumas
explicações sensatas e plausíveis, mas nenhuma conclusiva - pelo menos -, não
ainda Tudo o que posso fazer é deixar um relato detalhado desses momentos para
que um leitor, no futuro, teça suas teorias e explicações. A mim, basta o
registro dos fatos, tal como me lembro de terem acontecido.
Na véspera daqueles acontecimentos, estava
entretido em registrar minhas lamúrias, tal como vinha fazendo já havia algum
tempo. Sentia-me meio deprimido, com pensamentos negativos recorrentes e uma
sensação estranha de solidão. Por isso, sentei-me à frente do computador e
comecei. Lenta, quase cautelosamente, meus dedos indicadores começaram a
pressionar as teclas do computador. Não sabia ainda o que iria digitar, apenas
sabia sobre o que desejava escrever. Na tela do Word lia-se uma frase
incompleta: “Às vezes me sinto como se fosse um marciano”.
Pensativo, fiquei olhando o monitor,
observando o cursor que pulsava no final da palavra “marciano”, como se
o sinal intermitente fosse um convite para continuar ou uma expectativa da
próxima ação, fazendo-me lembrar do comportamento do nosso Scooby, que ficava
balançando ritmadamente a cauda enquanto olhava fixamente para mim, sem saber
se teria ou não a atenção que procurava. Velho Scooby!
Achei essa comparação muito bizarra e me
lembrei de que meu pai também datilografava seus textos esquisitos usando
apenas dois dedos. Visualizei o velho batucando uma Remington cor de cobre
comprada em um leilão. Tenho notado que, mesmo que o criticasse na época, estou
cada vez mais parecido com ele. Continuei.
Às vezes me sinto como se fosse um
marciano que por uma infelicidade qualquer foi degredado para a Terra, pois,
cada vez mais, tenho sentido um não pertencimento à comunidade onde vivo.
(Hoje eu sei que isso não é culpa de ninguém,
é apenas um misto de solidão existencial, de recusa de alguns padrões sociais
estabelecidos ou, sei lá, até mesmo de frescura.)
Creio que isso surgiu ainda na
infância, quando era rejeitado ou sofria bullying de vizinhos e colegas de
escola. Talvez por uma invencível timidez, tinha dificuldade em criar laços de
amizade mais consistentes, duradouros. Esse pode ser o motivo de ter tido
vários “melhores amigos” ao longo da vida. Quando qualquer um se afastava
geograficamente ou pelo surgimento de interesses não comuns, a amizade se
rompia definitivamente, como aconteceu com o noivo de uma conhecida. Depois de
me casar e essa moça terminar o noivado, meu amigo resolveu mexer com drogas. A
partir daí, eu não suportava quando ia nos visitar. Sentava-se no chão, tentava
passar a imagem de descolado, de doidão, mas eu só queria saber de minha mulher
e de nosso filho. Não tinha mais saco para papos cabeça.
(Creio que herdei a timidez de meu pai. Um
dia, contou-me ter sido chamado na juventude de “príncipe russo” por algumas
moças, que teriam confundido sua timidez paralisante com esnobismo e altivez)
Essa sensação de deslocamento foi
acentuada progressivamente, depois que resolvi beber menos e mais espaçadamente.
Percebi ou tive a sensação de que meus conhecidos e parentes olhavam-me cada
vez mais com estranhamento e alguma ironia, como se eu fosse um
desmancha-prazeres e estivesse traindo suas certezas, estragando sua diversão,
pelo simples fato de permanecer sóbrio em um ambiente de gente bêbada. Pudera!,
afinal, como conviver com alguém que não fuma, não bebe, não gosta de picanha
mal passada, não assiste nem entende de futebol e, pecado maior, não gosta de
jogar conversa fora sentado em um barzinho da moda ou com os cotovelos
lustrando o balcão de um botequim copo sujo? Só um estrangeiro teria um
comportamento tão fora da curva!
(O maior susto que já tomei foi ouvir de um
senhor que ele e meu pai, colegas de serviço, cansaram de fazer serenatas na
época em que, por necessidade, meu pai começou a trabalhar no interior, vindo
para casa só nos fins de semana. Será possível que o velho Odorêncio tinha
tantas cartas escondidas na manga? Talvez fosse mais estrangeiro que eu.
Afinal, tinha sido um “príncipe russo”!. O que conteria aquela papelada
que guardava em uma caixa de camisa? Seus textos sempre foram tão estranhos e
indigestos que, quando morreu, mandei jogar tudo fora sem pensar duas vezes.
Deveria ter lido aquelas folhas datilografadas! Talvez esse assunto das
serenatas, tão escondido, tivesse sido ali narrado. Mas, ele era tão irascível,
de tão difícil convivência!)
Hoje, aborrece-me conversar com
pessoas de minha faixa etária, pois não tenho nenhum interesse em comentar
sobre futebol, incomodam-me os relatos de conquistas financeiras, a permanente
certeza de terem sempre razão, as pílulas douradas que nada mais são que
placebos. Ninguém lê nada que não seja futebol, ninguém se interessa por alguma
cultura. Prefiro conversar com gente jovem de mente aberta, particularmente com
meus filhos, tão cultos e engraçados como inteligentes e equilibrados. Mas é aí
que a solidão mais se manifesta, pois, por mais que eu queira, não pertenço a
esse grupo, a essa turma, sou como um estrangeiro que não fala a língua do país
onde está. A diferença de idade é a verdadeira barreira, talvez a principal
causa do “choque de gerações”.
Estava empolgado com as palavras que fluíam
sem muito esforço quando minha mulher me chamou. Lembrou-me que eu precisava
tomar banho e me aprontar para o baile de formatura de um sobrinho, pois
seria aquela festa...
Sem alternativa, desliguei o computador e fui
me arrumar. Comentei com ela que estava pensando em ir de taxi, pois queria
comemorar a formatura em alto estilo: pretendia tomar o último porre de minha
vida. Ela me olhou com ironia e um pouco de incredulidade, mas nada disse. E
fomos nos divertir, sem nunca sonhar com a mudança radical que logo aconteceria
em nossas vidas.
SEGUNDA PARTE
Naquele dia, demorei-me um pouco mais na
cama, pois estava sentindo os efeitos da bebedeira da noite anterior. Abri um
dos olhos e tentei enxergar que horas eram. Não tinha nada especial para fazer,
mas a manhã já ia longe.
Seguindo a rotina recomendada pelo
cardiologista, sentei-me na beira da cama por alguns minutos – “para
equilibrar a circulação sanguínea”, segundo ele. Calcei os chinelos e fui
ao banheiro. Olhei-me no espelho e me assustei com meu reflexo. “Que cara
amarrotada!”, pensei. “Você não devia ter bebido tanto assim!”.
Olhando-me no espelho, em voz alta, repeti com fingida severidade:
- Nie powinien był tak pijany!
Espantei-me com o resmungo que saiu de minha
boca, lavei o rosto, pigarreei, bebi um gole de água e repeti:
- Nie powinien był tak pijany!
Assustado, percebi que tinha empalidecido um
pouco. “Que está acontecendo comigo?”, pensei, repetindo em voz alta:
-Co się ze mną dzieje?
Comecei a entrar em pânico e saí do banheiro
chamando por minha mulher:
- Miłość!
Não era “Amor!” o que eu acabara de
gritar. Aliás, eu não entendia nada do que saia de minha boca. Encontramo-nos
no meio da casa, segurei-a pelos braços, completamente aterrorizado e lhe disse:
- Nie wiem, co się ze mną dzieje!
- Pára com isso, não vê que eu estou
ocupada? Só pensa em brincar!
Tentei dizer que não estava brincando com ela:
- Nie gram z wami!
Corri até o escritório, peguei uma folha de
papel e escrevi: “Leve-me ao hospital, pelo amor de Deus!”. No papel, em
letras trêmulas estava escrito:
“Zabierz mnie do szpitala, na litość
boską!”
Com o coração latejando no pescoço e com os
olhos arregalados, tentei de novo escrever: “Devo estar tendo um AVC,
chame os meninos, chame um taxi!”
Mas na folha estava escrito “Muszę być
udar zadzwonić chłopców, wezwać taksówkę!”
Minha mulher deu-se conta da gravidade da
situação, chamou o SAMU, trocou rapidamente de roupa e pegou a carteira do
convênio médico. Só quando chegamos ao hospital é que se lembrou de ligar para
nossos filhos. E eu estava ali, ainda de pijama.
Fui atendido por cardiologista, neurologista,
fonoaudiólogo e clínico geral, fui examinado, apalpado, revirado, medicado, fiz
raio-X, ressonância magnética, tomografia, eletroencefalograma, exame de
sangue, fiquei em observação, tomei soro na veia e tudo o mais que foi
imaginado pela equipe médica. Sem sacanagem, só faltaram examinar minha
próstata!
Como os resultados não indicaram nenhuma
anormalidade, um geriatra aventou a possibilidade de estar tendo um surto de
demência transitória. Mais alguns testes e nada. Resolveram que deveria voltar
para casa, ficar em repouso e procurar a ajuda de um psicólogo.
A notícia se espalhou pela família e
arredores. Recebi a visita de primos, sobrinhos, vizinhos, amigos, ex-colegas e
dos filhos, que diariamente passavam por aqui, sempre com a esperança de que
tudo tivesse voltado ao normal. Alguns falavam comigo em tom mais alto de voz,
como se eu estivesse surdo. Os mais inoportunos pediam que eu falasse
palavrões, o que acabei fazendo com prazer, pois mandava todo mundo tomar no cu
com um sorriso de vingança na boca. Chamei de “corno”, “viado” e “puta”
todos aqueles idiotas, falei que suas mães estavam na zona, fiz “discurso” e
disse àqueles manés e piranhas todo tipo de safadezas e putarias que essa
língua desconhecida me permitia dizer. Cheguei até a pensar em cobrar ingresso,
de tanta aporrinhação e encheção de saco, mas me diverti pra caramba.
Os mais preocupados resolveram levar-me para
fazer “tratamentos” alternativos. Como sou católico, a igreja do meu bairro foi
minha primeira parada. Alguém até sugeriu que eu falava línguas estranhas. Fui
abençoado e aspergido com água benta. Nada.
Um vizinho, pastor evangélico afirmando ter
certeza que eu estava possuído por Satanás, rebocou-me até sua igreja, onde,
segurando minha cabeça entre as mãos, começou a gritar:
- Sai, Satanás, eu te ordeno que
saias, eu determino que abandones o corpo e a mente desse filho de Deus!
Sacudiu-me tanto que quase o mandei à puta
que pariu. E só não fiz isso porque sabia que aquela maluquice aumentaria ainda
mais.
Outros me disseram que eu estava com encosto
e fui levado a centro espírita e terreiro de umbanda, cada vez mais puto,
sempre rebocado por algum bem-intencionado. Tomei passes, banhos, bebi líquidos
estranhos (energizados), tudo com resultado obviamente nulo.
Procuramos uma psicóloga conceituada e amiga da família que, depois de alguns testes e na impossibilidade de estabelecer um diálogo normal comigo, sugeriu que eu poderia estar sendo vítima de um surto psicótico, desencadeado talvez pelo porre homérico que tinha tomado ou por um quadro de depressão. Esclareceu que uma crise como essa pode ocorrer “em pessoas de personalidade sensível, que sempre foram tímidas e quietas”. Nesse caso, sugeria que eu consultasse um psiquiatra para iniciar um tratamento medicamentoso com antipsicóticos.
TERCEIRA PARTE
Embora minha mulher tivesse ficado
visivelmente apavorada com as palavras da amiga, fiquei na minha, pois me
auto-encaixei no perfil de “pessoa sensível e tímida”, mesmo que
minha timidez tivesse sido deixada no meio do caminho há muito tempo. Mas a
definição era pertinente. Terminou a consulta dando uma boa sugestão: eu
demonstrava entender o que era falado e conseguia ler jornais, revistas, livros
escritos em português, sinal que continuava pensando nessa língua. Ao
verbalizar ou escrever o que tentava dizer é que a algaravia e as garatujas não
identificadas se manifestavam. Nesse caso, talvez fosse bom que eu e minha
mulher aprendêssemos Libras, a língua dos sinais; eu, para me
comunicar e ela, para me compreender. Aceitamos a sugestão, começamos a
aprender e tivemos alguns resultados promissores, mesmo que paliativos. Isso
também serviu para nos aproximar mais, para que prestássemos mais atenção um no
outro. E ainda não tínhamos ido a um psiquiatra.
Mas a solução do enigma (ou sua definitiva
falta) quem acabou descobrindo fui eu mesmo. Tive a ideia de escolher uma única
palavra bem básica e escrevê-la num pedaço de papel, Pensei em “mulher”, mas o
sinônimo poderia ser “fêmea”, como gostam de dizer algumas pessoas que conheço.
Da mesma forma, “homem” poderia significar
“macho” (alguns, nem tanto assim). Pensei em “medo”, mas minha expressão verbal
poderia transformar em “receio” ou “pavor”. Pensando dessa forma, acabei por
escolher uma das palavras que deve estar no big bang da origem
de todas as línguas, mesmo as mais antigas: escrevi no papel a palavra “mãe” e
saiu “matka”. Joguei no Google Tradutor e pedi para
identificar o idioma. Para minha surpresa, a língua que estava falando e
escrevendo era polonês! Mas eu nunca estive na Polônia, nunca saí do Brasil e
sou, ou melhor, era monoglota!
Não contei essa descoberta para ninguém. Aí
escrevi no meu amigo tradutor Googa (já estou íntimo) a
expressão “línguas estranhas”. De posse da tradução, copicolei no Google e
saiu isso: “Glossolalia é um fenômeno de psiquiatria e de estudos da linguagem,
em geral ligado a situações de fervor religioso, em que o indivíduo crê
expressar-se em uma língua por ele desconhecida, por ele tida como de origem
divina.”
Como sou um católico meia-boca, não acreditei na sopinha de ter recebido o sopro do Espírito Santo. Além do mais, se fosse isso mesmo, eu deveria também ser capaz de me expressar em minha própria língua! Continuando a pesquisar, descobri que poderia estar apresentando outro “fenômeno da psiquiatria”, a Xenoglossia, “um suposto fenômeno metapsíquico no qual uma pessoa seria capaz de falar idiomas que nunca aprendeu, como, por exemplo, uma pessoa começar a falar alemão fluentemente sem nunca ter aprendido alemão, ser alemão ou conviver com alemães”.
Ao ler a expressão “metapsíquico”, pensei
logo em coisas esotéricas, curandeirismo, homeopatia. Além do mais, essa
explicação era capenga, pois não previa o fato de alguém também escrever em
outra língua.
Para encurtar a história, fomos a um
psiquiatra, que diagnosticou que eu estou mesmo em surto psicótico, receitou-me
uns remédios tarja preta pesados, daqueles mata-cavalo, que me deixam meio
grogue, falando ainda mais enrolado. Mas até agora não voltei a me expressar na
“última flor do Lácio”.
O que isso significa, eu não sei. Talvez
vivamos em uma Matrix, talvez alguém, por engano, tenha “carregado”
em minha mente o arquivo de língua polonesa, danificando ou provocando um
conflito com o arquivo original. Mas não me queixo, pois essa situação
delirante combina com o que vinha sentindo nos últimos tempos. Esse mistério eu
ainda consegui solucionar. Mas não quero entregar o ouro para ninguém,
senão algum cretino acabará por me chamar de “polonês”.
Nas festas e aniversários a que somos
convidados, quando ouço alguém contando suas vantagens e realizações de
Pinóquio, faço logo um comentário em voz alta, quando digo as barbaridades que
quiser. O “rei” se assusta, os demais convidados riem e eu me divirto pra
caramba. Se a festa tem churrasco e me oferecem picanha com aquela capa de
gordura amarela, sangrando tanto que quase dá para ouvir ainda um mugido,
mostro um pedaço de carvão que mantenho ao alcance da mão – é assim que eu
gosto. Se começam a tocar música sertaneja, levanto-me e saio de perto.
Criei também um blog super-restrito, quase um
cripto-blog, ao qual, no momento, só meus filhos tem acesso (pensando bem, nem
precisava todo esse cuidado!) e onde este texto ficará alojado. Nele tenho
colocado as bobagens que vinha escrevendo, resgatando e-mails e cartas antigas,
pois não quero cometer o mesmo erro do velho Odorêncio.
Você, meu caro leitor do futuro, deve estar
se perguntando como está lendo este texto em português. Eu poderia
encerrar agora com uma frase reflexiva, que te fizesse pensar que “há
mais coisas entre o céu e a terra que supõe nossa vã filosofia”, mas penso
que devo esclarecer esse último mistério: eu escrevo direto no computador - e
sai polonês.Copio e colo no Google Tradutor. Lanço a tradução para
português no Word, passo o revisor de ortografia, faço uma revisão geral e – Voilà! –
estou com o texto do jeito que quero, na língua que abandonei.
Só sei que não estranharei tanto se
permanecer definitivamente assim. Afinal, se sempre me senti um pouco
estrangeiro, agora posso dizer que sou mesmo um. E isso não parece tão ruim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário