terça-feira, 27 de março de 2018

HISTÓRIA CULTURAL DAS FAKE NEWS - JOSÉ FRANCISCO BOTELHO

Yuval Noah Harari escreveu em seu livro Sapiens que “Nossa linguagem singular evoluiu como um meio de partilhar informações sobre o mundo. Mas as informações mais importantes que precisavam ser comunicadas eram sobre humanos, e não sobre leões ou bisões. Nossa linguagem evoluiu como uma forma de fofoca. De acordo com essa teoria, o Homo sapiens é antes de mais nada um animal social. A cooperação social é essencial para a sobrevivência e a reprodução. Não é suficiente que homens e mulheres conheçam o paradeiro de leões e bisões. É muito mais importante para eles saber quem em seu bando odeia quem, quem está dormindo com quem, quem é honesto e quem é trapaceiro”.

Matutando sobre essa teoria fascinante e deliciosamente “incorreta”, ocorreu-me que essa fofoca primordial poderia estar também na gênese das “fake news” que envenenam as redes sociais hoje em dia. Como não tenho cérebro nem saco para tentar fazer evoluir esse pensamento, resolvi transcrever um artigo interessantíssimo publicado na edição 2575 da revista VEJA. O autor é José Francisco Botelho. Apesar de ter o mesmo sobrenome que eu (a título de curiosidade, meu avô materno chamava-se Francisco José Botelho), posso garantir que não temos nenhum parentesco, pois nem eu nem nenhum dos meus parentes seríamos capazes de escrever de forma tão elegante e agradável (perdoem-me, Botelhos de Minas Gerais!). Olhaí.


HISTÓRIA CULTURAL DAS FAKE NEWS

As notícias falsas sempre existiram, mas jamais foram tão velozes

"O RUMOR é a mais veloz das pragas malignas", escreveu Virgílio, no Livro IV da Eneida. "Horrendo monstro de pés rápidos, desconhece o sono, rasga a noite e aterroriza cidades inteiras com sua mistura indiferente de mentiras e verdades." Não precisamos recorrer à mitologia para constatar que a propagação de notícias falsas é um costume tão antigo quanto a palavra escrita – e talvez coetâneo de toda comunicação humana. Platão, na República, apregoou a disseminação de "nobres falsidades" como necessário cimento social para sua utopia de déspotas filosóficos.
Em 1522, o grande e desbocado poeta Pietro Aretino tentou tumultuar as eleições papais publicando infâmias imaginárias – e devidamente metrificadas – sobre os candidatos; na Inglaterra e na França do século XVIII, caluniadores profissionais distribuíam misturas bem dosadas de notícias reais com ficções comprometedoras, em temíveis panfletos que vindicavam desavenças pessoais ou inimizades políticas. Ou seja: as fake news – expressão vaga, que adoto com relutância – não surgiram com as redes sociais. Por outro lado, um breve lance de olhos ao cotidiano virtual é suficiente para demonstrar que as novas tecnologias alteraram a forma (ou a rapidez) com que essa antiga praga nasce, apodrece e germina:
"O que é a verdade?", indagou Pilatos a Jesus Cristo; mas não teremos espaço para responder ao legado da Judeia. Fiquemos, então, com o seguinte truísmo: com todas as ferramentas de pesquisa hoje disponíveis, é relativamente fácil, mesmo ao mais distraído consumidor de rumores, detectar informações suspeitas ou infundadas. Ainda assim, a mentira – ou sua irmã mais perniciosa, a meia-verdade – tende a prosperar. Em março, a revista Science divulgou uma pesquisa assustadora sobre a propagação de notícias inexatas na internet. Após analisar 3 milhões de compartilhamentos no Twitter entre 2006 e 2017, um grupo de cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts concluiu que informações adulteradas têm probabilidade de disseminação 70% maior que as notícias simplesmente factuais. A acreditarmos na pesquisa, basta que uma notícia seja falsa para que tenha mais possibilidade de triunfo. É como se o "horrendo monstro de pés ligeiros" fosse uma sereia cuja sedução aumenta conforme o tom do falsete.
Os mesmos mecanismos que permitem a multiplicação quase instantânea da falsidade podem servir para desbancá-la e desmascará-Ia, com idêntica rapidez – mas isso não resolve o problema, pois quem hoje é paladino da verdade pode ser o propagador de notícias falsas da semana que vem. Para derrotar o monstro, é preciso admitir que ele existe – e que está no meio de nós. Não somos inocentes; todos gostamos, às vezes, de uma pitada confortável de imprecisão, de uma cálida meia-verdade que nos afague as crenças. Dessa volúpia inata à espécie, só nos salva o ascetismo mental: resistir à rumorosa sereia é lutar contra a própria natureza humana. Uma luta sem quartel – e  que, por definição, não acabará jamais.


2 comentários:

  1. Meu caro, talvez sejamos aparentados, sim. Embora eu seja gaúcho, meu avô -- de quem herdei o sobrenome Botelho -- era mineiro. Abraço!

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    1. Se for da região de Lavras, provavelmente sim. Obrigado pela "visita"!

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