Uma das amigas de minha mulher me incluiu em um grupo fechado do Facebook que reúne um pessoal fissurado em fotos antigas. Não causa, portanto, nenhum espanto que o nome de um grupo com 18.516 membros seja "Fotos Antigas de Belo Horizonte".
Uma das fotos postadas recentemente mostra o Viaduto de Santa Tereza ainda em construção. Claro que eu me empolguei com essa imagem de um "senhor" prestes a completar 90 anos, pois o viaduto foi inaugurado em 1929. Mas por que essa foto mexeu tanto comigo? Bom, além de ser o principal acesso ao bairro onde moro, de ter sido citado por Carlos Drummond de Andrade e Fernando Sabino em suas obras e ser um dos cartões postais mais manjados de BH, está o fato de meu sogro ter trabalhado em sua construção. Por isso, resolvi postar os poucos casos que me lembro de tê-lo ouvido contar sobre isso.
"Seu Neca" ou apenas "Neca" nasceu em 1910 e era o mais velho de dez irmãos, filhos de um português severo e patriarcal. A mãe era filha de espanhóis. Meu sogro deve ter sido louro na juventude, pois era um pouco avermelhado e tinha os olhos absurdamente azuis. Possuía traços fisionômicos muito bonitos e bem definidos, herdados pela maioria dos nove filhos que teve. Mas voltemos a seu pai "d'além mar".
O velho português exigia que todos os filhos estivessem à mesa na hora do almoço.Com os pais sentados nas cabeceiras, assentavam-se por ordem de idade. Quando um filho mais despreocupado atrasava-se um pouco, era repreendido pelo pai: "Não tens relógio? Dar-te-ei um!" Tendo trabalhado como um mouro (para ficar conectado à Península Ibérica), deixou um imóvel para cada um dos nove filhos (uma das duas filhas morreu na juventude). A escolha também foi feita respeitando-se a ordem de nascimento.
Muito bem. Quando o Viaduto de Santa Tereza começou a ser construído, Seu Neca devia ter dezessete ou dezoito anos e empregou-se como motorista na empresa construtora. Provavelmente deve ter sido seu primeiro emprego. Segundo me contou, para o transporte do concreto a ser lançado na obra eram utilizados dois caminhões. A usina ficava em uma das margens do Arrudas, ribeirão que seria transposto pelo viaduto. E meu sogro era o motorista dos dois veículos. Como a distância era curta, enquanto um caminhão estava sendo carregado com a massa de concreto, ele conduzia o outro até o local onde seria descarregado. E ficava nesse vai e vem o dia todo.
O curioso nessa história é que o cimento utilizado na construção era importado e vinha em barricas de madeira, cada uma pesando 60 quilos. Outra curiosidade que contou, sujeita a confirmação in loco, é a divergência entre o estabelecido no projeto estrutural e o que foi realmente executado. Segundo ele, o cálculo estrutural foi realizado "pelo escritório do Dr. Emílio Baumgart" que, por qualquer motivo, atrasou a entrega dos projetos de alguns detalhes construtivos. Assim, quando os desenhos chegaram, descobriu-se que o viaduto deveria ter duas juntas de dilatação. Mas a obra estava andando muito bem, bem até demais, pois um dos locais previstos para a construção da junta já estava concretado e pronto. Assim, o viaduto ficou só com uma junta de dilatação, .
Tão logo os arcos ficaram prontos era usual fazer apostas para ver quem os escalava e atravessava mais rápido. O perdedor pagava a cerveja. A queda dos trechos mais altos (14 metros de altura em relação ao pavimento) certamente seria fatal, mas graças à pouca idade, bom preparo físico, muita impulsividade e falta de juízo, Seu Neca teria ganhado muitas apostas, sempre convertidas em cerveja. Imagino ter sido ele e seus colegas os precursores dessa maluquice, depois repetida pelo Drummond, Fernando Sabino e outros doidos mansos.
Uma das fotos postadas recentemente mostra o Viaduto de Santa Tereza ainda em construção. Claro que eu me empolguei com essa imagem de um "senhor" prestes a completar 90 anos, pois o viaduto foi inaugurado em 1929. Mas por que essa foto mexeu tanto comigo? Bom, além de ser o principal acesso ao bairro onde moro, de ter sido citado por Carlos Drummond de Andrade e Fernando Sabino em suas obras e ser um dos cartões postais mais manjados de BH, está o fato de meu sogro ter trabalhado em sua construção. Por isso, resolvi postar os poucos casos que me lembro de tê-lo ouvido contar sobre isso.
"Seu Neca" ou apenas "Neca" nasceu em 1910 e era o mais velho de dez irmãos, filhos de um português severo e patriarcal. A mãe era filha de espanhóis. Meu sogro deve ter sido louro na juventude, pois era um pouco avermelhado e tinha os olhos absurdamente azuis. Possuía traços fisionômicos muito bonitos e bem definidos, herdados pela maioria dos nove filhos que teve. Mas voltemos a seu pai "d'além mar".
O velho português exigia que todos os filhos estivessem à mesa na hora do almoço.Com os pais sentados nas cabeceiras, assentavam-se por ordem de idade. Quando um filho mais despreocupado atrasava-se um pouco, era repreendido pelo pai: "Não tens relógio? Dar-te-ei um!" Tendo trabalhado como um mouro (para ficar conectado à Península Ibérica), deixou um imóvel para cada um dos nove filhos (uma das duas filhas morreu na juventude). A escolha também foi feita respeitando-se a ordem de nascimento.
Muito bem. Quando o Viaduto de Santa Tereza começou a ser construído, Seu Neca devia ter dezessete ou dezoito anos e empregou-se como motorista na empresa construtora. Provavelmente deve ter sido seu primeiro emprego. Segundo me contou, para o transporte do concreto a ser lançado na obra eram utilizados dois caminhões. A usina ficava em uma das margens do Arrudas, ribeirão que seria transposto pelo viaduto. E meu sogro era o motorista dos dois veículos. Como a distância era curta, enquanto um caminhão estava sendo carregado com a massa de concreto, ele conduzia o outro até o local onde seria descarregado. E ficava nesse vai e vem o dia todo.
O curioso nessa história é que o cimento utilizado na construção era importado e vinha em barricas de madeira, cada uma pesando 60 quilos. Outra curiosidade que contou, sujeita a confirmação in loco, é a divergência entre o estabelecido no projeto estrutural e o que foi realmente executado. Segundo ele, o cálculo estrutural foi realizado "pelo escritório do Dr. Emílio Baumgart" que, por qualquer motivo, atrasou a entrega dos projetos de alguns detalhes construtivos. Assim, quando os desenhos chegaram, descobriu-se que o viaduto deveria ter duas juntas de dilatação. Mas a obra estava andando muito bem, bem até demais, pois um dos locais previstos para a construção da junta já estava concretado e pronto. Assim, o viaduto ficou só com uma junta de dilatação, .
Tão logo os arcos ficaram prontos era usual fazer apostas para ver quem os escalava e atravessava mais rápido. O perdedor pagava a cerveja. A queda dos trechos mais altos (14 metros de altura em relação ao pavimento) certamente seria fatal, mas graças à pouca idade, bom preparo físico, muita impulsividade e falta de juízo, Seu Neca teria ganhado muitas apostas, sempre convertidas em cerveja. Imagino ter sido ele e seus colegas os precursores dessa maluquice, depois repetida pelo Drummond, Fernando Sabino e outros doidos mansos.
Meu sogro morreu em 1980 e o viaduto - um dos cartões postais mais manjados de BH - continua servindo de cenário para retratos de noivas, filmagens, fotos artísticas e,
claro, como meio de acesso ao bairro boêmio onde moro.
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