quinta-feira, 10 de julho de 2025

FUNCIONÁRIO DO BLOG

 
Recebi este texto de um dos filhos - que não se preocupou em identificar o autor. Mas é um texto que eu gostaria de ter escrito, tão grande a identificação imediata que senti ao lê-lo, pois tudo o que já senti e pensei em relação ao Blogson está lá. E na falta do título original, escolhi o que me veio à cabeça. Espero que gostem.

No início era leve. Um passatempo. Algo que eu fazia por puro prazer, quase como quem resolve montar um quebra-cabeça num domingo chuvoso. Escrever no blog era uma distração curiosa, uma forma de organizar o caos das ideias e jogar conversa fora com um punhado de leitores imaginários — ou reais, vai saber.
Com o tempo, essa brincadeira se tornou hábito. E hábito, como se sabe, tem esse dom de se infiltrar sem alarde. De repente, eu me pegava pensando em textos durante o banho, anotando frases soltas no meio da madrugada, estruturando parágrafos enquanto lavava a louça. O blog, antes casual, virou extensão do pensamento. Tudo era potencial matéria-prima: conversas, irritações, leituras, absurdos cotidianos.
Não demorou muito para virar terapia. Não no sentido nobre da palavra, mas como descarga, como válvula de escape. Escrever passou a ser o único lugar onde eu conseguia ouvir o que estava pensando de fato. Às vezes, só descobria o que sentia quando lia o que tinha acabado de digitar. E isso tem sua beleza, claro, mas também seu preço: você começa a precisar da escrita como quem precisa de um ansiolítico leve. Vai tomando sem perceber o quanto está dependente.
Daí para o vício foi um pulo. O texto se impôs como necessidade, urgência, quase compulsão. Eu precisava publicar, precisava ter retorno, precisava sentir que estava sendo lido. Não tanto por vaidade, mas por uma espécie de angústia difusa: se ninguém lê, eu existo? Se não publico, ainda penso? Comecei a medir minha semana não pelo calendário, mas pelo número de parágrafos escritos. E quando os textos não vinham, o silêncio me incomodava como uma falha moral.
Aí veio a obrigação. A escrita virou tarefa, prazo interno, um chicote invisível que eu mesmo criei. Não podia deixar o blog parado. Afinal, havia quem esperasse, mesmo que fossem dois ou três gatos pingados — ou talvez só eu mesmo, disfarçado de leitor fiel. O prazer deu lugar à disciplina. A leveza cedeu à cobrança. Comecei a revisar demais, podar demais, hesitar demais. O texto precisava fazer sentido, precisava ter ritmo, precisava “valer a pena”. E quando se começa a pensar assim, muita coisa deixa de ser escrita.
E, por fim, o aborrecimento. Às vezes a vontade de escrever é igual à de limpar a caixa de areia do gato: sei que preciso, mas faço com cara feia. Um cronista que eu inventei e agora preciso alimentar. E nesse ponto, confesso, a escrita me cansa. Me trava. Me desgasta. Pesa como peso morto nas costas. E o mais irônico é que, mesmo assim, continuo. Talvez por teimosia. Talvez porque, depois de tanto tempo, escrever seja a única forma que encontrei de continuar conversando comigo mesmo — mesmo quando não quero ouvir a resposta.
E talvez seja isso: não se trata mais de escrever bem ou mal, com regularidade ou não, para muitos ou para ninguém. Trata-se apenas de reconhecer que a escrita é parte do que sou — e, como toda parte essencial, tem seus dias bons e seus dias inúteis. Tem seus encantos e seus custos. E mesmo assim, continuo. Porque parar seria estranho. Seria admitir que não tenho mais nada a dizer — e aí eu ia ter que lidar com a vida sem narrador. E, convenhamos, que graça teria?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

FUNCIONÁRIO DO BLOG

  Recebi este texto de um dos filhos - que não se preocupou em identificar o autor. Mas é um texto que eu gostaria de ter escrito, tão grand...