Sempre que sobra um tempinho (quase nunca
sobra), corro ao computador para continuar a leitura do livro MILLÔR DEFINITIVO – a Bíblia do Caos, um
calhamaço de 588 páginas (estou na 112ª), uma seleção de (respire fundo!) “Pensamentos, Preceitos, Máximas,
Raciocínios, Considerações, Ponderações, Devaneios, Elucubrações, Cismas,
Disparates, Ideias, Introspecções, Tresvarios, Obsessões, Meditações,
Apotegmas, Despropósitos, Apodos, Desvarios, Descocos, Cogitações, Plácitos, Ditos,
Sandices, Especulações, Conceitos, Gnomas, Motes, Proposições, Argumentos,
Filactérios, Reflexões, Escólios, Conclusões, Aforismos, Absurdos, Memórias,
Estultilóquios, Alogias, Despautérios, Aquelas, Insultos, Necedades, Dislates,
Paradoxos, Prótases, Singularidades, Miopias, Estultícias, Silogismos,
Tergiversações, Enormidades, Paranoias, Leviandades, Imprudências,
Incoerências, Desabafos, Galimatias, Heresias, Hidrofobias e Dizidelas”
escritas em mais de cinquenta anos de carreira (o livro foi lançado em 1994).
Para mim, Millôr Fernandes e Luís Fernando
Veríssimo formam a santíssima trindade do humor impresso do Brasil – mesmo que
eu não saiba quem ocupa o terceiro vértice desse triângulo. Além de humorista
de altíssima qualidade, o cara foi também desenhista, dramaturgo, escritor, poeta, tradutor e jornalista
ao longo de mais de sete décadas de produção intelectual. Escreveu uma porrada
de livros, traduziu porrilhões de peças de teatro, etc., etc.
Na introdução do livro que estou lendo, o
Millôr assim o definiu: “Foi um livro
difícil. Tomou exatamente cinquenta anos para ser feito. Começando em jornal
antes de completar 14 anos, desde cedo, sem que soubesse por que, chamado
humorista, o autor escreveu e desenhou ininterruptamente em periódicos sem
periodicidade definida, e em publicações semanais e jornais diários”.
O levantamento, classificação, ordenação e
revisão de todo o vastíssimo material disponível chegou a 13.000 tópicos em uma
primeira seleção. Esse material foi reduzido pelo próprio Millôr para os 5.142
tópicos publicados nesse livro. Segundo ele, “foi cortado tudo o que lhe pareceu ingênuo, tolo, gracinha, injusto –
mesmo quanto a instituições – ou de duvidosa originalidade. Este, aliás, o
tópico sobre o qual, porque passados tantos anos, o autor teve mais indecisões”.
E é aí que eu queria chegar. Ainda que não
tenha atingido nem a metade do livro, percebi haver nele uma autoindulgência
muito grande – que me fez pensar nos quatorze e-books lançados por mim e que
vivem clamando por revisão e eliminação do “ingênuo,
tolo, gracinha, injusto ou de duvidosa originalidade” que me permiti
publicar.
Obviamente, não estou me comparando com o
Millôr, pois isso seria mais que presunção, seria puro delírio, mas o que já li
me deixou ou causou uma gama de sentimentos conflitantes – encantamento,
surpresa, decepção e outros de que não me lembro.
Há frases, textos e reflexões geniais
misturadas com outras já publicadas em outros livros, piadas muito jotabélicas (sinônimo de ruins),
bilhetes para editores, frases sem graça nenhuma, trecho de discurso de
paraninfo, comentários com data de validade vencida, críticas antigas a
políticos de que quase ninguém se lembra mais (Jânio Quadros, José “Sir Ney”,
Itamar Franco, Fernando Collor e por aí), como se ele estivesse obcecado em que
as gerações mais novas soubessem como ele sempre foi engraçado, mordaz,
crítico, irônico.
E foi essa aparente ânsia de tudo ou quase
tudo republicar que me fez pensar na autoindulgência de um gênio que não
precisava disso para ser incensado e louvado. Mais ou menos como o Jotabê do
Blogson Crusoe.