segunda-feira, 30 de junho de 2025

RESPOSTA PARA NENHUMA PERGUNTA


O post de hoje é dedicado às leitoras e leitores mais recentes deste blog, que talvez não saibam que Jotabê tem uma “vasta” produção “literária” disponível sob a forma de e-books publicados na Amazon.com.
 
Tudo começou com o incentivo e mentoria (palavra da moda!) de Fabiano Caldeira, um multitalentoso (ex)leitor que me ajudou a publicar o primeiro e-book na Amazon. Aquilo foi como rivotril para minha ansiedade congênita. Fiquei tão feliz com o resultado que saí fatiando, selecionando, peneirando tudo o que tinha publicado no blog.
 
Isso foi bom? Não, porque - por presunção e autoindulgência excessiva -, acabei publicando muito lixo nos quatorze e-books criados. Depois, um pouco mais calmo, percebi o equívoco de ter feito isso e resolvi corrigir a falha, com novas seleções, expurgo do que considero puro lixo (ou quase isso). Essa faxina está em andamento e rendeu a transformação de dois livros de poesia em apenas um e três livros de desenhos e experiências gráficas em dois. Para não tumultuar a promoção de download gratuito do livro de poesia (que termina no próximo dia 02/07), resolvi publicar os livros de desenhos a partir de 03/07, um de cada vez. E já aviso que os três e-books originais de dezénhos (os desenhos do Zé) não estão mais disponíveis para venda (ou compra).
 
Mas há uma informação que é a “resposta para nenhuma pergunta”: um dos quatorze livros publicados permanecerá tal como foi lançado. Trata-se do e-book dedicado aos casos mirabolantes e hilários protagonizados por um amigo querido e já falecido. Esse e-book tem o título O CASO DA VACA VOADORA E OUTRAS LEMBRANÇAS: "CAUSOS" DO PINTÃO. Caso alguém se interesse em saber mais sobre ele, siga este link.
 
https://www.amazon.com.br/dp/B0DGWR7C8K

domingo, 29 de junho de 2025

BABANDO NO LAMARTINE


Cada vez mais eu preciso me conformar e aceitar que as luzes culturais que me iluminaram e ainda iluminam estão se apagando. Refiro-me aos artistas que o envelhecimento atropelou e até incapacitou. Nem todos têm o mesmo nível de importância dos meus grandes e eternos ídolos, mas é triste ficar sabendo dos problemas de saúde do Elton John, Peter Frampton, Phil Collins ou Celine Dion. Sem falar nos já falecidos que admirava tanto: B.B.King (ídolo), George Harrison, (ídolo máximo), o baterista dos Stones Charlie Watts, a moçada do primeiro festival de Woodstock – Ritchie Havens, Joe Cocker, David Crosby, Jerry Garcia. E nem preciso incursionar no século passado. No Brasil temos a Gal Costa, o Tom Jobim, a Rita Lee, o João Gilberto, o Aldir Blanc, Tavito, Cazuza, Renato Russo e outros que não deram as caras (memória!). O Gil está parando, o Milton e o Beto Guedes estão uma lástima. Enfim, minhas raízes musicais estão sendo arrancadas.
 
Eu sempre gostei de compartilhar com o pessoal que acessa este blog vagabundo as músicas que mais me tocaram em algum momento, sempre dando preferência às “pepitas” que pouca gente conhece. Mas hoje resolvi mudar um pouco. Em vez de falar de músicas falarei de um compositor que merece não ser esquecido. Autor de 400 e poucas músicas, era o rei da ironia e bom humor, que colocava nas marchinhas carnavalescas – no tempo em que os foliões literalmente marchavam nos salões, época em que escolas de samba não eram muito valorizadas, para dizer o mínimo. Esse autor foi Lamartine Babo, um sujeito feio pra burro, muito magro e dono de uma voz fininha, atributos que renderam este caso:
 
Em uma ida aos Correios para enviar um telegrama, o telegrafista mandou uma mensagem em código Morse para seu colega, batendo o lápis na mesa: "Magro, feio e de voz fina". Lamartine pegou um lápis e rebateu: "Magro, feio, de voz fina e ex-telegrafista".
 
Outro caso engraçado acontecido com ele: começou a receber cartas apaixonadas de uma fã da cidade mineira de Boa Esperança. Imagino que ficou tão entusiasmado que até compôs a música “Serra da Boa Esperança”. Um dia resolveu conhecer a fã ardorosa e viajou até Boa Esperança para se encontrar com a suposta enamorada e descobriu que ela não existia. Na verdade, a autora das cartas recebidas era um homem, de quem acabou ficando amigo. Esse episódio bizarro rendeu ao Lamartine o título de cidadão honorário da gloriosa cidade mineira.
 
Mas chega de curiosidades. Quero terminar este post relacionando algumas músicas regravadas mais recentemente por outros intérpretes, sinal de sua atemporalidade:
 

As Frenéticas: Babando Lamartine – um vinil de dez faixas inteiramente dedicado a Lamartine Babo

Caetano Veloso: Hino do Carnaval Brasileiro

César Camargo Mariano e Wagner Tiso: Serra da Boa Esperança: (Versão Instrumental)

João Gilberto e Rita Lee: Juju e Balangandãs

Maria Bethânia: Serra da Boa Esperança

Os Mutantes: Canção Para Inglês Ver

Oswaldo Montenegro: Eu Sonhei Que Tu Estavas Tão Linda

Também não se pode esquecer dos hinos de times de futebol que compôs. Mesmo quem não curte futebol certamente já ouviu estes versos:
"Uma vez Flamengo, sempre Flamengo" ou  este:"Sou tricolor de coração".
 
No Youtube provavelmente serão encontradas todas essas músicas.

 


sábado, 28 de junho de 2025

O GARANHINHO

 
Um dia, na sala de espera de uma clínica de urologia, tive a oportunidade de conversar com um sujeito mais falante do que eu. Tinha a língua solta e nenhum filtro. Se não matraqueasse tanto ninguém notaria sua presença e aparência insignificante: baixinho, magrinho, feioso e ali na casa dos oitenta anos.
 
Sentado a meu lado enquanto esperava ser chamado e sem que eu lhe perguntasse nada, começou a desfiar suas reminiscências. Disse-me que tinha trabalhado a vida toda como representante comercial de laboratórios farmacêuticos. Não sei se por opção própria ou por circunstância, concentrou sua atividade na região mais pobre do estado.
 
Como todo representante da área, carregava sempre um arsenal de amostras grátis para distribuir a médicos como estratégia de divulgação. Mas, pelo que entendi, essas amostras também serviam para seduzir as mulheres humildes de quem se aproximava.
 
Segundo suas estimativas e apesar de casado, já teria feito sexo com mais de cinco mil mulheres. E não era nada seletivo, pois bastava ser do sexo feminino para que qualquer uma passasse por sua cama nas pensões baratas onde dormia. Nova ou velha, branca, parda ou preta, magra ou gorda, alta ou magra, feia ou bonita, casada, solteira ou viúva – e até prostitutas, o que importava para ele era a quantidade, não necessariamente a “qualidade”.
 
Mesmo não fazendo questão de disfarçar minha incredulidade, comentei já ter lido noticias tristes sobre meninas muito jovens que se prostituem para levar alimento para suas casas.
- Tem demais! – respondeu de imediato, e emendou com um caso:
 
- Um dia eu estava tomando café num posto de gasolina, depois de abastecer o carro, quando se aproximou uma menina muito magra, roupa surrada, cabelos despenteados, aparentando ter no máximo uns doze anos. Me pediu um cigarro.
- Menina, você já está fumando com essa idade? – perguntei.
 
Ela rebateu na hora:
- Eu não sou menina, eu sou é mulé!
Fez uma pausa e comentou comigo:
- Pense bem, uma prostitutazinha de doze anos!
 
Não resisti e o provoquei:
- E você, o garanhão das estradas, não fez nada?
- Não. Aquela eu mandei embora. Tinha a idade da minha filha mais velha.
 
Lembrando-me hoje dessa conversa, fiquei brincando com as palavras. Pela quantidade de mulheres que dizia ter conquistado, seria mesmo um garanhão. Mas pela estatura física e, principalmente, pela insignificância da aparência e comportamento desprezível, talvez fosse mais apropriado chamá-lo de “garanhinho”.
 
Cinco mil mulheres? Acho um número improvável e fantasioso, parecendo mais um caso de pescador. Mas... e se for verdade?

 

 

sexta-feira, 27 de junho de 2025

ANTOLOGIA AFETIVA DE POEMAS SEM VALOR

As novas leitoras que se interessaram em conhecer as bobagens que publico compulsiva e quase diariamente neste blog, provavelmente não conhecem minha véia poética. E digo “véia” por ser velho e não poder dizer que tenho veia poética. No máximo, uma arteriazinha bem fininha. (Já comecei mal!)
 
Apesar disso, ao longo dos onze anos de vida do Blogson Crusoe, muitas vezes me vi tentado a registrar em versos minha dor, minha angústia e todo tipo de sentimento que me invadia. O resultado disso foram dois e-books, publicados com a ajuda e mentoria de Fabiano Caldeira, um talentoso leitor que, um dia, se cansou de acompanhar este blog.
 
Pois bem, acreditando piamente na irrelevância dos versos que escrevi, resolvi corrigir a pretensão que me levou a publicá-los: refiz a seleção, abandonei sem remorso os muitos ruins e reuni os menos piores em um único volume – mesmo sabendo que não são grande coisa. O título escolhido foi Juntando Cacos de Mim, com o subtítulo (sincero) de Antologia Afetiva de Poemas sem Valor.
 
O novo livro reúne 98 poemas, divididos em cinco seções que vão do autorretrato fragmentado às paródias "bem"-humoradas. O resultado é um rastro – modesto, mas honesto – da minha breve passagem pelos domínios de Calíope, musa da poesia (Mas fui barrado já no portão de entrada!).
 
Ah, e fica o aviso: os dois e-books originais já foram removidos do site da Amazon.
 
Este novo e-book já está disponível no site da Amazon pelo exorbitante preço de R$1,99. Mas ninguém precisa gastar essa fortuna: ele estará em promoção, a custo zero, de 28/06 a 02/07/2025. Para quem se interessar, o link é este:
https://www.amazon.com.br/dp/B0FFK3V4N8
 
E a partir de agora, começo a faxina dos outros e-books que publiquei com a mesma irresponsabilidade e pretensão exibidas nos dois livros agora excluídos.
 

quinta-feira, 26 de junho de 2025

SPOILER DE ENVELHECIMENTO

No início deste mês completei 75 anos de idade, setenta e cinco anos! Duvido que existam blogueiros mais velhos que eu. Por isso, para “ensinar” a meninada mais jovem, aí na casa dos sessentinha ou menos, resolvi dar um spoiler de como provavelmente estarão quando atingirem a minha idade atual. E quis fazer isso agora, porque já terei virado poeira de estrelas (stardust) quando estiverem ouvindo alguém cantar que vai comer seu bolo.

Talvez minhas "aulas" sejam um segredo de Polichinelo, mas o fato real é que velhice chega como quem não foi convidada e, mesmo assim, age como dona da casa. E o mais curioso é que ela se instala sem avisar, em silêncio, insidiosamente, como um ladrão que invade uma residência que alguém se esqueceu de trancar.

Nessa fase meu corpo lembraria uma indústria dividida em vários departamentos ou seções, mas mal administrada e deficitária: o almoxarifado não tem peças de reposição, o setor de manutenção foi sucateado. O setor de transporte geralmente anda mal das pernas, o que é literalmente verdade, pois os joelhos guincham e choram – cantando fados tristes a cada tentativa de agachar. O setor de geração de energia usa e abusa de combustível de baixa qualidade – meu abdômen, volumoso, revela anos de alimentação descuidada, aliada a uma ansiedade congênita que me faz assaltar a geladeira e potes de biscoito durante a madrugada.

A visão embaça lentamente, graças a uma catarata que ainda não foi operada, como se o mundo também cansasse de ser visto. E por falar em sensação de cansaço, ela é companheira constante, assim como o desânimo e a vontade de nada fazer. Esse quadro é – ou deveria ser – preocupante, não fosse uma insólita sensação de imortalidade – sentida na juventude, mas injustificável na velhice.

Mas a mudança mais estranha acontece no cérebro, que funciona como uma agência de publicidade e marketing, estruturada para atender todo tipo de público, pois nem tudo envelhece de forma igual ao mesmo tempo. A curiosidade continua infantil, um pouco na pegada do George Bernard Shaw quando disse que “alguns homens veem as coisas como elas são e dizem por que, eu sonho coisas que nunca existiram e digo, por que não?”

Mesmo embaralhado com outros sentimentos, o senso de humor continua a existir e lembra o de um  adolescente despreocupado. Mas o que mais me espanta é continuar a olhar a vida, o mundo, as pessoas com os mesmos olhos de quando tinha vinte ou trinta anos. E essa maneira de olhar, a visão atraída por corpos jovens, de pele hígida e formas sedutoras, ainda desperta em mim desejos de um homem de trinta — embora tudo permaneça platônico, apenas no território exclusivo da mente.

Resumindo a gororoba, a velhice inapelável se instala, mas sem um espelho à frente que nos mostre a verdade, a mente reage como se as idades já vividas pudessem ser revividas. Alguém disse uma frase muito boa que utilizo para fechar este spoiler de envelhecimento: “Envelhecer, no fundo, é esse embate entre a esperança e o espelho. E o espelho, ingrato, nunca mente”. E sempre vence.

terça-feira, 24 de junho de 2025

ISTO É LÁ COM SANTO ANTÔNIO

Quando eu era criança os compositores brasileiros de sucesso ainda não tinham problema nenhum para ver gravadas músicas compostas especificamente para essa ou aquela datas festivas Assim, foram lançadas marchinhas de carnaval, músicas para o Dia das Mães, Natal (não tanto quanto nos EUA) e para festas juninas. O lançamento era feito com a necessária antecedência para que pudessem ser aprendidas e cantadas nas datas certas. As músicas de carnaval certamente foram as mais numerosas, mas as inspiradas nas festas juninas também fizeram sucesso.
 
A de que eu mais gosto foi composta por Lamartine Babo, um compositor e letrista inspirado, autor de mais de 400 composições, incluindo sambas, valsas, marchinhas, fox-trotes, marchas-ranchos, canções para festas juninas e Natal, e hinos de diversos times de futebol cariocas. E é a letra de uma dessas músicas que resolvi publicar aqui neste blog jurássico para celebrar esses festejos tão caros a tantas pessoas e comunidades. No final, se alguém se interessar em ouvi-la em uma gravação de 1934, basta clicar no link.
 
ISTO É LÁ COM SANTO ANTÔNIO
Eu pedi numa oração
Ao querido São João
Que me desse um matrimônio
São João disse que não!
São João disse que não!
Isto é lá com Santo Antônio!
 
Eu pedi numa oração
Ao querido São João
Que me desse um matrimônio
Matrimônio! Matrimônio!
Isto é lá com Santo Antônio!
 
Implorei a São João
Desse ao menos um cartão
Que eu levava a Santo Antônio
São João ficou zangado
São João só dá cartão
Com direito a batizado
 
Implorei a São João
Desse ao menos um cartão
Que eu levava a Santo Antônio
Matrimônio! Matrimônio!
Isso é lá com Santo Antônio!
 
São João não me atendendo
A São Pedro fui correndo
Nos portões do paraíso
Disse o velho num sorriso
Minha gente, eu sou chaveiro
Nunca fui casamenteiro!
 
São João não me atendendo
A São Pedro fui correndo
Nos portões do paraíso
Matrimônio! Matrimônio!
Isso é lá com Santo Antônio!

 

domingo, 22 de junho de 2025

MR. STRANGE LOVE

 - Você viu o que o Donald fez?

- Quem, o Pato?

- Não o puto. O tramp ordenou o bombardeio de instalações nucleares no Irã!

- E por que ele fez isso?

- Bom, ele é aliado de Israel, que está em guerra com o país dos aiatolás.

- Eu, se fosse ele, transformava Israel no quinquagésimo primeiro estado norte-americano.

- Ficou doido?

- Olha só: primeiro pegaram o Havaí, depois anexaram Porto Rico como uma espécie de protetorado americano.

- E agora o tramp quis transformar o Canadá em mais um estado americano!

- Então? Nada mais natural que transformar Israel no 51º estado norte-americano!

- Eu acho que é mais fácil Israel anexar os Estados Unidos!

- Só se os americanos fizerem um desconto bom.

- Eitcha!


Dr. Strangelove é um filme de 1964, uma comédia de humor negro em que um general americano enlouquece e tenta começar uma guerra nuclear com a União Soviética.  A cena final do filme é hilária, mas não vou dar spoiler. Quem quiser que corra atrás. O título completo desse clássico já diz tudo: “Dr. Strangelove ou: Como Aprendi a Parar de Me Preocupar e Amar a Bomba”

 

COM A ALMA LEVE

 
Já disse mil vezes que sou monoglota, que só sei falar português. Talvez por isso – ou apesar disso – sou literalmente fascinado pelo som de outras línguas, chegando até a identificar a sonoridade dos vários sotaques (mesmo sem saber de onde vêm) da língua inglesa. Mas nunca disse sentir-me atraído pelo vocabulário pouco conhecido que a língua portuguesa pode apresentar em outros países lusófonos.
 
E ontem tive a alegria de ver seu emprego em um texto alegre e delicado que li no blog “Alma Leve!” da blogueira Daniela Silva, uma jovem nascida em Vila Nova de Gaia, Portugal. Achei uma delícia ler seu texto sobre a festa de São João na cidade do Porto. Além do texto agradabilíssimo, fiquei babando de alegria ao ler palavras não utilizadas no Brasil. Algumas, pela semelhança com palavras aqui utilizadas. Mas duas literalmente me derrubaram. Para tentar entender seu significado, tive de recorrer à mãe dos muito burros. E o que a internet me devolveu eu compartilho agora com os leitores e leitoras d'aquém mar, esse pessoal que acessa o Blogson Crusoe até quando está na praia do Arpoador (sonha, Jotabê!)
 
E Gemini, a IA do Google, sabichona que só ela, foi traduzindo para mim, explicando que “Essas palavras são muito comuns em festas populares de Portugal, especialmente nas festas dos Santos Populares (como as de Santo António em Lisboa, São João no Porto e São Pedro em várias outras localidades”). E começou a aula:
 
- Bailaricos – São bailes populares, geralmente ao ar livre e com música tradicional portuguesa. As pessoas dançam, principalmente músicas de arraial e folclóricas.
- Bombos – São tambores grandes usados em festas populares. Os grupos de bombos animam as ruas com batidas fortes e ritmadas, geralmente durante as procissões ou desfiles.
- Grelhador – Grelha ou churrasqueira. É o utensílio onde se assam as febras, sardinhas, pimentos, etc., durante os arraiais.
- Manjerico – É uma planta aromática (uma variedade de manjericão) típica das festas de Santo António. Em Portugal, é tradição oferecer manjericos com um cravo de papel e uma quadra popular (um pequeno poema). Representa amor e sorte.
- Pimentos – Pimentões (no português do Brasil). Costumam ser assados junto com as febras ou sardinhas e fazem parte da refeição típica das festas.
 
Até aí estava tudo bem, mas “Febras” e “Rolotes” foram demais para mim. Se fosse mais novo já pensaria em alguma safadeza envolvendo o uso de "rolotes", mas a puritana IA me colocou nos trilhos novamente, ao explicar que 
“Rolotes” são trailers ou carrinhos de comida (food trucks, digamos), comuns em festas e eventos, que “vendem desde ‘farturas’(?) até ‘bifanas’(???), passando por bebidas e doces” e que “Febras” são fatias de carne de porco (geralmente lombo) temperadas e grelhadas. Muito populares nas festas, servidas no pão ou no prato.
 
Fiquei pensando que se visitasse Portugal durante uma dessas festas ficaria igual ao ET de Spielberg apontando o dedo luminoso para as iguarias à venda e dizendo apenas “SSS”, “SSS”.
 

sábado, 21 de junho de 2025

DELÍRIOS E PESADELOS

 
Tenho tido muitos pesadelos ultimamente – pesadelos que me fazem acordar triste, deprimido. E o pior é que guardam uma semelhança muito grande entre si. Sempre trazem a sensação  de abandono, censura, de rejeição. Os ambientes não correspondem a nenhum lugar que conheci, são mal iluminados e há poucos móveis, como se estivessem sendo desocupados.

Às vezes, sonho que volto, ou tento voltar, para a empresa onde trabalhei durante quatorze anos e onde fui mais feliz – e da qual saí no meio de um processo trabalhista, quando ela já estava pré-concordatária. Hoje, essa empresa não existe mais, mas mesmo sem nunca mais ter tido contato com nenhum deles, me sinto censurado, ignorado pelos colegas que nela permaneceram até o naufrágio definitivo.
 
Mas, nesta madrugada, o pesadelo foi diferente. Sinceramente, foi tão louco que eu tenho dúvida se era apenas um sonho/pesadelo "normal" ou se estava interferindo no "enredo". Começou com contornos bíblicos e depois ganhou o formato de um roteiro de filme de terror. Confesso que não sei onde terminou o pesadelo – iniciado ainda sob sono profundo – e onde começou o delírio meio alucinógeno em que ele se transformou, a ponto de me fazer querer interferir no diálogo iniciado quando o Criador, depois de chamar o anjo exterminador, começa a desabafar:
 
– Não aguento mais a maldade dos homens! Devia ter deixado que essa gentinha se afogasse no Dilúvio – ia sobrar até para o Noé e sua família!
– Mas, Senhor... fostes Vós mesmo que os criastes!
– Não te pedi opinião! Mandei te chamar para acabar com os maus.
– Não seria melhor acabar com a maldade humana?
– Não! Se fosse isso, teria que extinguir toda a humanidade.
– É verdade... Seria um trabalhão – com o perdão da má palavra – dos diabos. Além disso, não haveria espadas de fogo suficientes.
– Pois é. Mas me lembrei da Revolução Francesa, quando milhares de pessoas foram guilhotinadas. Acho que a guilhotina é um bom instrumento para acabar com a nobreza da maldade e do crime.
– E quando posso começar?
– Já. Mas vamos definir uma ordem: primeiro os reis do tráfico, depois os príncipes da corrupção, os duques do feminicídio, os marqueses da pedofilia e, por fim, os condes e barões da mentira, da maldade e da crueldade humanas.
– Boa!
 
Mas um silêncio ensurdecedor se instalou. E eu me dei conta de que estava acordando. Aquilo tinha sido só um sonho – ou um pesadelo lisérgico. Pensei que aquele diálogo poderia servir como um bom rascunho para um filme apocalíptico. Virei-me de lado tentando dormir de novo, pois ainda eram duas da manhã. Mas tive a certeza de que um filme assim não faria sucesso – e ainda receberia muitas críticas, até mesmo de algum “nobre” que tivesse vestido o barrete (ou a carapuça).
 
Ao voltar a dormir, surgiu outro pesadelo, tão recorrente quanto o primeiro: nele, eu me via ainda trabalhando na empresa onde me aposentei – depois de onze longos e odiosos anos. A sensação era parecida: sentia-me ignorado, veladamente censurado e rejeitado pelos ex-colegas de quem não gostava – e eu não gostava de quase ninguém. Ao acordar, numa mistura de alívio e raiva, disse para mim mesmo:
– Eu não trabalho mais nessa merda!
Mas o gosto amargo – que algum gaiato definiu como “gosto de fundo de gaiola” ou “de cabo de guarda-chuva” – permaneceu na boca. Já era hora de levantar.
 

sexta-feira, 20 de junho de 2025

DIFÍCIL, MUITO DIFÍCIL!

  
Em outubro de 2013 um bando de ativistas de uma tal “Frente de Libertação Animal” invadiu um instituto de pesquisas para “libertar” uma penca de cães da raça beagle que eram usados como cobaias (com isso, inviabilizaram as pesquisas que estavam em andamento). A notícia me deixou tão boquiaberto que achei que merecia uma charge ironizando esse comportamento fundamentalista e radical. Infelizmente, o ChatGPT não existia ainda naquela época. Contentei-me então em descrever a charge imaginada no post “Let It Beagles” (eu gostava de trocadilhos).
 
Lembrando-me disso, resolvi pedir a essa IA para gerar uma imagem da piada antiga, só pelo prazer de ver o resultado. Para isso, dei a seguinte instrução:
 
Faça um desenho caricato no estilo da HQ “Calvin and Hobes”, em preto e branco, com esta situação: o cenário mostra um túmulo meio escavado e uma lápide tombada ao lado, onde está escrito John Lennon (também pode ser George Harrison). Dentro do buraco, segurando o cabo de uma pá, encontra-se um sujeito de meia idade muito magro, meio calvo e com a barba por fazer. Olha com cara apalermada para outro sujeito do lado de fora do buraco, que está enfurecido. O balão do homem com raiva traz esta frase:
 EU TE FALEI PARA LIBERTAR OS BEAGLES!!!!!!!!!
 
A imagem foi gerada, mas nunca deveria ter mencionado a deliciosa dupla Calvin e Haroldo, pois o homem enfurecido com a atitude do ativista retardado virou o Calvin. Ocevê!
 
Corrigi o texto e tentei mais uma vez, mas o resultado ficou pior, sem a ingenuidade de traços do primeiro. Não vou incluir nenhum desses desenhos no post antigo, mas fica o registro gráfico da piada imaginada. Ô coisa difícil! Olhaí.






quinta-feira, 19 de junho de 2025

SÍNDROME DE CARÊNCIA DE PROTAGONISMO – MARCELO DUARTE LINS

 A pessoa mais culta que conheço pessoalmente foi diretor do colégio onde minha mulher lecionou. Simpaticíssimo e dono de um sorriso cativante, é sempre convidado para reuniões de ex-alunos desse colégio. Sabe o nome e demonstra genuína amizade por cada um deles.
 
Anos atrás, depois de ser apresentado a ele, dizia que ele era meu melhor – ou mais caro – inimigo, porque a saída da meninada acontecia exatamente em frente à minha casa, com todos os previsíveis inconvenientes que isso provocava: ovos explodidos no nosso portão, farinha de trigo espalhada no passeio, correria, gritaria e todo tipo de traquinagem que adolescentes fazem na saída das aulas.
 
Um dia o colégio fechou e deixei de encontrar meu “inimigo” com a frequência anterior. Mas o sentimento de amizade que tenho por ele permaneceu. E um dia nos tornamos “amigos de facebook”.
 
Mesmo que à distância, isso permitiu um estreitamento do contato, pois sempre publica seus poemas e textos de terceiros que fogem à banalidade tão comum nessa rede.
 
Hoje, já com mais de 80 anos, publicou um texto que sintetiza – ou simboliza – sua vida e a de todos que envelheceram e se aposentaram (lembraram de algum blogueiro?). Espero que gostem.


Um dia você é chamado de “doutor”, “comandante” ou seja lá qual for o título de autoridade civil ou militar.
No outro, é só o seu Fulano da caminhada matinal, a dona Cicrana do pilates das nove, a voz que o neto chama para ajeitar o Wi-Fi.
E tudo bem.
Durante anos — décadas, talvez — você construiu, decidiu, liderou.
Resolveu problemas que pareciam montanhas.
Carregou a casa, a empresa, o Estado — o mundo, quem sabe — nas costas.
Teve horário, metas, gente que dependia de você.
Chamavam, você respondia. Ordenava, e o mundo obedecia. Ou quase.
Mas enquanto o mundo obedecia, havia um outro mundo que crescia — e que, muitas vezes, você mal viu crescer.
Filhos que aprenderam a andar, falar, sofrer e se virar sem você.
No fundo, você prometia a si mesmo que um dia compensaria o tempo.
Esse dia chegou. E, para sua surpresa, não é mais com os filhos — é com os netos.
Agora, o crachá foi entregue, o e-mail corporativo desativado, a agenda virou um caderno de aniversários e exames de rotina.
Um clique silencioso no botão “sair”.
E então começa o verdadeiro login: o da vida que existia por trás da função.
No início, é estranho.
Acordar sem pressa.
Almoçar sem o celular à mesa.
Não precisar provar nada a ninguém.
Parece perda.
Mas, com o tempo, a gente descobre que é ganho.
É quando o ego — aquele bicho barulhento e faminto — finalmente vai dormir mais cedo.
As vaidades começam a se despentear.
E o poder, coitado, vira uma piada interna entre lembranças e ironias.
Há uma liberdade secreta — e quase sagrada — em deixar de ser importante.
Depois que os holofotes se apagam e as salas esvaziam, sobra um silêncio que assusta no início, mas logo revela algo raro: a chance de ser inteiro sem precisar ser centro.
É nesse intervalo entre a grandeza e o anonimato que mora uma liberdade que poucos aceitam — a de não precisar provar mais nada.
Ser ex-presidente, ex-artista da moda, ex-chefe temido ou ex-qualquer-coisa relevante exige mais do que currículo.
Exige maturidade para suportar o eco do próprio nome dito cada vez menos.
Há quem aceite essa travessia com dignidade, transformando passado em legado e presente em sossego.
E há quem se agarre a qualquer manchete, a qualquer aplauso residual, como quem se recusa a apagar as luzes do palco mesmo quando a plateia já foi embora.
Que a vida pregressa sirva de boas lembranças, orgulho e referências — não de prisão.
Viver de glórias passadas é confortável, mas perigoso.
Morar no passado é correr o risco de se tornar o próprio fantasma do metrô no filme Ghost — aquela alma inquieta, presa entre estações, que assombra os outros no vagão porque não consegue aceitar que o tempo passou.
Há dignidade em reconhecer a importância que se teve.
Mas há ainda mais liberdade em não precisar provar isso o tempo todo.
Nesse novo tempo, surgem outras rotinas: o café sem pressa, a leitura sem prazo, a escuta sem interrupção.
Aparece uma nova importância — mais discreta, mas muito mais verdadeira.
Porque já não importa o que você faz.
Importa quem você é.
Agora, você é o dono do cachorro Weiss e da gata Menina Chanel.
E as pessoas da praça nem sabem seu nome — quanto mais o que você já foi.
E não faz falta.
As ilusões do “ser alguém na vida” se dissolvem como espuma.
E o que sobra é a essência:
O prazer de uma conversa boa.
A alegria de ensinar sem cobrar.
O tempo de ouvir mais do que falar.
A leveza de não ser mais “necessário” — e descobrir que isso é liberdade, não desprezo.
Talvez o que antes era ausência agora vire presença.
A pressa que te levou embora dos aniversários dos filhos cede lugar à calma de montar quebra-cabeças com os netos.
O conselho que você não deu aos 17, você agora sussurra aos 7 — com voz mais mansa, com menos urgência, com mais amor.
Os netos não são só a continuação da linhagem: são a chance de acertar com mais ternura onde antes só houve esforço e intenção.
A verdadeira grandeza talvez esteja em saber sair de cena. E permanecer inteiro.
Quem já foi importante, se souber deixar de ser, talvez descubra que o anonimato é só outra forma de liberdade — menos barulhenta, mas muito mais leve.
Alguns chamam de aposentadoria.
Outros, de desaceleração.
Mas talvez seja apenas o início da verdadeira vida adulta: aquela em que você vive, enfim, para si mesmo — sem script, sem performance, sem palco.
E é nesse silêncio do “já fui” que se escuta, pela primeira vez, o que você sempre foi.
Sem cargo, sem salário, sem plateia.
Só sabedoria.
E paz.
Porque a verdadeira importância pode estar, agora, em ter o tempo inteiro para fazer coisas simples que levam à felicidade:
Brincar com um neto.
Passear com o cachorro.
Conversar com velhos amigos.
Sentar à mesa com quem sempre esteve por perto — mesmo quando o mundo exigia que você estivesse longe.
É a liberdade de quem já foi importante.
E, enfim, aprendeu a ser presente.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

"A IMPRESSÃO QUE EU TENHO É A DE NÃO TER ENVELHECIDO"

 Recentemente o facebook apresentou um vídeo da atriz Fernanda Montenegro dizendo um texto muito bonito da escritora Simone de Beauvoir. Tenho um coração sensível à beleza das palavras e do pensamento alheio (deve ser inveja, por ser incapaz de dizer coisas assim).

Pois bem, corri atrás do texto declamado (seria esta a palavra?) e resolvi divulgá-lo aqui no blog, uma tentativa de tapar paredes rachadas com belas gravuras. Lêaí. 

A impressão que eu tenho é a de não ter envelhecido, embora eu esteja instalada na velhice. O tempo é irrealizável. Provisoriamente, o tempo parou para mim. Provisoriamente. Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro.

O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar. Portanto, ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo. Que espaço o meu passado deixa para minha liberdade hoje? Não sou escrava dele.

O que eu sempre quis foi comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida, unicamente o sabor da minha vida. Acho que eu consegui fazê-lo; vivi num mundo de homens guardando em mim o melhor da minha feminilidade. Não desejei nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos.

terça-feira, 17 de junho de 2025

CORDA DO TEMPO (PORQUE LINHA É POUCO)

 
E se as fases da vida humana fossem representadas por períodos geológicos e animais que neles viveram?

Às vezes, uma piada surge prontinha do nada – quase como se fosse psicografada. Outras, porém, precisam ser buriladas, demandam polimento. E nem sempre o resultado dessa cerebração é engraçado. A postagem de hoje deveria ser uma piada gráfica – com o luxuoso auxílio do ChatGPT , mas deu tanto trabalho que decidi usá-la como ilustração de um texto sobre sua gênese, sobre como uma ideia vai se formando em minha cabeça. Melhorou alguma coisa? Não, mas o inverso é verdadeiro.
 
Recentemente, ao acessar o blog “A Marreta do Azarão”, deparei-me com uma bela imagem em tons sépia, ilustrando um de seus ótimos poemas. Aquela cena me fez pensar numa cronologia humana meio embaralhada com as imagens de animais extintos. Cheguei a propor um trilobita para representar a infância. A reação do autor foi me sugerir que eu recorresse ao ChatGPT para criar essa cronologia. Pronto, estava dado o pontapé inicial!
 
O passo seguinte foi escolher os períodos geológicos e os animais mais icônicos ou atraentes que poderiam simbolizar as fases da vida de um sapiens: infância, adolescência, maioridade, meia-idade e velhice.
 
Definidos os bichos e as eras, pedi ao ChatGPT que gerasse um desenho com tudo junto. O resultado ficou meio “mauríciodesouza”, além da zona que a IA criou ao misturar fora de ordem os elementos. O ponto positivo foi a sugestão inesperada de utilizar balões com frases bem-humoradas, ideia que eu nem sonhava em ter (ponto para a IA!).
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Cansado de tentar arrumar a bagunça, larguei tudo de lado. Mas um blog faminto tem alguma semelhança com o abutre de Prometeu ou com o Conde Drácula, pois sempre exige um pouco do seu fígado ou do seu sangue. Então resolvi recomeçar, figura por figura, agora com mais realismo — e mantendo a ideia dos balões, embora com frases diferentes.
 
Fiquei tão entretido que me esqueci de pedir os desenhos em tons de sépia. São essas novas figuras que você verá agora: fruto da parceria entre o Marreta, Jotabê e ChatGPT. Olhaí:
 
INFÂNCIA: TRILOBITA (CAMBRIANO)

ADOLESCÊNCIA: MEGANEURA (CARBONÍFERO)



MAIORIDADE: DIMETRODON (PERMIANO)


MEIA IDADE: T. REX (CRETÁCEO)
(o "lagartão" da Meia Idade é o "Tiozão do Churrasco")


VELHICE: NEANDERTAL (QUATERNÁRIO)

domingo, 15 de junho de 2025

PRECISA AUMENTAR ESSA SOPA DE LETRAS!

 
Que autoridade moral tem alguém malhado desde a infância na bigorna de Exatas para dar palpite na área de sociologia? Nenhuma, claro, mas como tenho um blog para alimentar, resolvi me meter nessa concorrente da Sadia e da Perdigão (seara, entendeu?). Pois é...
 
Essa vontade começou a provocar comichões na minha mente quando fui comprar docinhos de festa em um bairro de BH que faz divisa com a “Pedreira Prado Lopes”. Para chegar até essa loja (super profissional e bem montada), errei o trajeto e fui obrigado a passar por ruas onde a miséria mais chocante é como que jogada na sua cara, tão surpreendente é a imagem de pessoas que utilizam nichos do paredão de pedra para guardar seus pertences.
 
Talvez meu julgamento esteja errado, mas a necessidade de circular por ruas que margeiam essa comunidade, a visão de becos e vielas que escalam a topografia íngreme do lugar me fizeram pensar que essa região é a expressão máxima da miséria que uma cidade pode conter, tão grande é o número de pessoas perambulando pelo meio das ruas sem objetivo aparente ou sentadas no chão, em grupos de até 20 pessoas, certamente consumindo drogas.
 
Talvez eu esteja exagerando. Talvez minha percepção tenha sido influenciada por um olhar circunstancial. Mas naquele momento, me ocorreu: essas pessoas em situação de rua vivem fora da linguagem das pesquisas e dos gráficos. São estatísticas sem número.
 
E digo isso porque, no Brasil, as classes sociais são tradicionalmente definidas segundo a renda familiar. Adota-se comumente uma escala de “A” a “E”, onde a Classe A reúne os mais abastados – aqueles com renda superior a 15 salários mínimos – e a Classe E, que abriga quem sobrevive com até um salário mínimo mensal.
 
Mas que dizer daquela população que vive no entorno da Pedreira Prado Lopes, ou acampada debaixo de viadutos, ou, simplesmente, ao relento, dormindo sobre caixas de papelão desmontadas? Talvez estejam além da letra E. Talvez seja preciso utilizar outras letras para definir uma escala de miséria onde possam ser categorizados.
 
Se vocês, caros leitores, estimadas leitoras, estão achando um porre esta conversa, eu peço desculpa. Mas minha intenção é propor, ainda que de maneira informal e quase provocativa, uma nova estratificação – as classes da miséria urbana, aquelas que sequer são contempladas pelas classificações oficiais.
 
Minha intenção é justamente essa: propor uma subdivisão da miséria que se alastra pelas grandes cidades. E, antes que eu me esqueça, deixo claro que não sou comunista – meu negócio é alimentar o blog com um assunto menos trivial e saciar a curiosidade que tenho sentido ao ver a crescente população de farrapos humanos, gente que dorme ao relento, em cima de papelão, cobertos com cobertores finos e sujos. Porque essas pessoas provavelmente não estão – ou não deveriam estar – inseridas na “Classe E”, pelo simples e prosaico motivo de não terem renda formal, de levarem uma vida onde até a origem do almoço do dia é uma incógnita.
 
Dito isso, passo a listar algumas características que venho observando nesse pessoal que nem em favela vive. Os itens relacionados pode ser lidos assim: "alguns têm, fazem ou possuem" enquanto o restante é a negação disso, está claro? Então, bora lá:
 
– alguns homens (poucos) têm companheiras;
– alguns vivem em acampamentos “definitivos” instalados debaixo de viadutos ou na frente de imóveis desocupados;
– usam roupas “limpas”;
– utilizam colchões velhos para servir de cama;
– preparam a própria comida em fogões improvisados;
– varrem e mantêm limpo o local onde estão acampados;
– cães de rua podem ser utilizados para fazer companhia e defesa durante o sono;
– coletam e vendem materiais recicláveis;
– detêm a posse de carrinhos de supermercados;
– não andam descalços.
 
Analisando essas observações, talvez a “Classe F” possa englobar quem apresenta a melhor versão de todas essas características. Mas não vou me preocupar em fazer um exercício de prestidigitação e tirar da cartola a definição de quantas classes a mais de miséria poderiam ser estabelecidas. A única certeza é da última classe ser constituída por homens vestindo andrajos imundos, descalços, dormindo ao relento sobre papelão, cobertos apenas por um cobertor fino e sujo. Porque para mim a expressão máxima da miséria é um morador de rua andando sem sapatos ou chinelos. Concorda comigo, Elon Musk?

sábado, 14 de junho de 2025

SERÁ?

 
Na hoje inocente década de 1960 a maior das tragédias que aconteciam pelo mundo afora era a Guerra do Vietnã, tragédia verdadeira com milhares de mortes de americanos e vietnamitas. Época em que surgiram os hippies com seu protesto pacífico e músicas com letras que criticavam esse confronto insensato. Comparando aquela década com a atual eu vejo que havia uma ingenuidade e romantismo que se acabou talvez para nunca mais voltar. 

Em 1965 ouviu-se uma música de protesto contra a guerra do Vietnã que fez o maior sucesso. Alguns de seus versos podem ser lidos com a sensação de que foram escritos hoje para registrar a perplexidade que esses conflitos no Oriente Médio têm causado. Depois me diga se eu tenho ou não tenho razão, porque hoje, com a chacina promovida por um genocida que ocupa o cargo de primeiro-ministro de Israel, com o bombardeio de bases e instalações do Irã por esse mesmo país de um belicismo insuspeitado, apoiado por uma super potência presidida por um lunático que parece querer incendiar o mundo com suas declarações e decisões estapafúrdias, não me surpreenderia se o mundo estivesse mesmo à beira da destruição total.
 
O mundo oriental está explodindo
A violência se espalha, as balas sendo carregadas
Você não acredita na guerra, mas o que é essa arma que está carregando?
Mas você me diz
De novo, de novo e de novo, meu amigo
Que não acredita
Que estamos à beira da destruição
 
Você não entende o que estou tentando dizer?
Não consegue sentir o medo que estou sentindo hoje?
Se o botão for apertado, não haverá como escapar
Não vai sobrar ninguém para salvar, com o mundo em uma cova
Olhe ao seu redor, garoto, isso tem que te assustar, garoto
E você me diz
De novo, de novo e de novo, meu amigo
Que não acredita
Que estamos à beira da destruição
 
Sim, meu sangue ferve tanto que parece coagular
Estou sentado aqui só contemplando
Não posso distorcer a verdade, ela não admite manipulação
Esse mundo louco é simplesmente frustrante demais
E você me diz
De novo, de novo e de novo, meu amigo
Que não acredita
Que estamos à beira da destruição
 
Ah, você pode ir embora e passar quatro dias no espaço
Mas quando voltar, vai ser o mesmo velho lugar
O rufar dos tambores, o orgulho e a desgraça
Você pode enterrar seus mortos, mas não deixe rastros
Odeie seu vizinho, mas não se esqueça de rezar o terço
E você me diz
De novo, de novo e de novo, meu amigo
Que não acredita que estamos à beira da destruição
Não, não, você não acredita que estamos à beira da destruição.
 
Se quiser, pode ouvir a gravação original desta velha/nova música de protesto:

 


 

RESPOSTA PARA NENHUMA PERGUNTA

O post de hoje é dedicado às leitoras e leitores mais recentes deste blog, que talvez não saibam que Jotabê tem uma “vasta” produção “literá...