Graças a um trauma mal resolvido na infância (eu era irmão do dono da bola), não curto futebol, não assisto nem partida da seleção. Por não gostar de futebol, nada mais natural (para mim, pelo menos) que já tenha sido torcedor dos três grandes times de Minas. Quando era criança um tio recentemente falecido influenciou-me a torcer pelo América mineiro. Na adolescência, por ter-me tornado sócio do Cruzeiro, passei a torcer pelo time do Tostão, Dirceu Lopes e outros craques. Já casado, graças a meus cunhados fanáticos, meu “time do coração” passou a ser o Atlético ("Galo") de Reinaldo, Toninho Cerezzo, etc. Hoje, graças ao total desinteresse que tenho pelo nobre esporte bretão e a um certo sentimentalismo, voltei a torcer pelo América.
Em minha defesa, posso dizer que fui apenas duas vezes ao Mineirão para assistir partidas de ludopédio. A primeira vez serviu para conhecer o estádio. Jogavam Atlético e Cruzeiro e deu empate. Na segunda vez fui sequestrado por um cunhado especialmente fanático. Jogavam Atlético e Cruzeiro e novamente deu empate. Nunca fui a nenhum jogo do América, não sei nome de nenhum jogador, nunca sei quando está jogando, se ganhou ou se perdeu (essa parte até que é mais fácil, pois as derrotas acontecem com uma frequência bastante significativa). Resumindo, estou pouco me lixando para o futebol.
E esse desinteresse às vezes se transforma em aversão total. Isso acontece quando vejo ou tomo conhecimento de comportamentos bizarros ou inadequados dos torcedores mais fanáticos. Conheço um sujeito cuja conduta sempre tranquila, afável e amistosa esconde um ogro cruzeirense, pois recusa-se a comprar e consumir o azeite “Gallo”. Curiosamente, na mesma família existe um ogro atleticano que nas ocasiões em que o hino nacional é cantado, emudece no trecho “a imagem do cruzeiro resplandece”. Parece piada, mas é verdade. E coisa de gente doida.
Mas o que dá nos nervos mesmo é ouvir os torcedores mais fanáticos quando berram enlouquecidos seus mantras ou gritos de guerra robotizados, pouco se importando com o local ou evento onde estão presentes. Pode ser em casamento, batizado, aniversário e, se bobear, até em velório, que sempre surgirá um maníaco (ou mané) a gritar coisas como “Aqui é Galo!”, “Zêrôô!" Ou simplesmente “Galôô!" Há torcedor tão fanático que declara ser primeiro anti-Atlético (ou Cruzeiro) para só então ser cruzeirense (ou atleticano), em uma demonstração de que o ódio pelo adversário pode vir antes do amor pelo "time do coração”.
Depois de sua segunda morte, o Blogson sofreu um upgrade de leitores, passando dos antigos 2,3 malucos identificáveis para a multidão composta por 3,2 leitores., pois agora tem três seguidores conhecidos, que somados aos 0,2 desconhecidos resulta em 3,2 leitores. Matemática pura!). Talvez um dos 3,2 leitores do blog queira se perguntar por qual motivo um sujeito que declara não gostar de futebol ficou até agora escrevendo abobrinhas sobre esse esporte. E o motivo é simples: analogia. Ora, direis, analogia com que, criatura? E eu vos direi que é uma analogia com os comentários e posicionamentos políticos que tenho visto por aí.
O lance é o seguinte: mesmo que eu não esteja dizendo nada de novo ou profundo, o que tem acontecido nos últimos tempos - principalmente graças às redes sociais - é um acirramento do ódio contra tudo aquilo de que se discorda. Os bolsonaristas alternam o endeusamento mais primitivo de seu messias com comportamentos e comentários moralistas ou constrangedores contra a Esquerda e seu deus de nove dedos. Da mesma forma, os esquerdistas mais viscerais ou despejam seu rancor contra qualquer espirro que der o Mito ou continuam a entoar seu mantra "Lula livre" em quase todas as ocasiões.
Não há serenidade, não há equilíbrio, moderação ou civilidade. Ao manifestar nas redes suas preferências, seus preconceitos e ódio irracional, normalmente cometem falta, "chutam acima do pescoço". Aliás, no quesito irracionalidade os apoiadores do atual presidente têm ganhado de goleada, pois aparentam ter necessidade de provar a todos e a si mesmos que elegeram a pessoa certa, o salvador. E isso fica ainda mais visível (e risível) se forem evangélicos. O país parece ter-se transformado em um imenso campo de futebol, com "partidas" acontecendo todos os dias, com torcidas trocando insultos e xingando a mãe dos juízes. E existem até aqueles que querem furar a bola e encerrar o jogo.
Há paixão demais e pouca racionalidade, pouco bom senso. Esse tipo de comportamento exacerbado, grotesco, descontrolado e passional exibido pelos dois lados tem-me feito pensar em confronto de torcidas, em jogo de final de campeonato, em decisão de Brasil e Argentina. E eu, torcedor moderadíssimo do glorioso América mineiro, tenho ficado mais incomodado com esses embates políticos que o cachorro daqui de casa com os foguetes soltos em dia de jogo Atlético e Cruzeiro. E o pior é que todos os dias são dias de "jogos", não há descanso para pessoas como eu, que detestam discutir futebol!