Estava eu posto em sossego, pensando no estilo horroroso que percebo existir nos textos que teimo em escrever. Essa percepção fica mais viva quando releio os posts do blog depois de algum tempo. Aí lembrei-me da frase "enfim um escritor sem estilo", criada pelo meu "maestro soberano" Millôr Fernandes.
O violonista Andrés Segovia teria dito uma vez que "o violão é o
instrumento mais fácil de tocar mal e o mais difícil de tocar bem".
Creio que essa definição pode ser aplicada ao ato de escrever e à língua portuguesa (ou a qualquer
outra língua). Escrever sem erros e sem vícios de linguagem é tarefa
impossível para mim. O que dizer então de escrever bem, com elegância?
Estava nessa viagem mental, uma viagem feita em estrada esburacada, sentado em
carro de boi e tendo apenas a bunda por amortecedor, quando me lembrei de um
texto genial do meu maestro (para
mim, todos os textos do Millôr são geniais), publicado no Pasquim na década de
setenta, onde ele detonou o estilo do Roberto Campos - a quem às vezes chamava de "Bob Fields".
Por preguiça, fui procurar na internet e encontrei dois blogs que
reproduzem esse texto. E o que li em um deles me deixou estarrecido, ou melhor,
puto da vida. Mesmo atribuindo a autoria ao Millôr, o idiota que o publicou adulterou o texto, suprimindo as referências
ao Roberto Campos, prova inequívoca da prostituição literária que rola na
internet. Não citarei o nome desse "desinfeliz", mas, só de
sacanagem, transcrevo um de seus "pensamentos": "aqui jaz meus pensamentos e
mudanças..." .
Como estava pensando em brincar com a ideia da existência de vícios de linguagem nas coisas que escrevo, entrei na internet para descobrir o significado de alguns de que me lembrava. Aí descobri alguns que nem conhecia e que sou mestre em cometer. Para piorar, segundo aprendi na internet, nesta pequena
introdução podem ser identificados alguns vícios de linguagem (adoro os nomes!): solecismo, vulgarismo,
plebeísmo, estrangeirismo, neologismo, arcaísmo, barbarismo, preciosismo e
prolixidade.
Grosseiramente falando, são tantas as topadas na língua, é tanto pé na jaca da ignorância e ausência de qualidade que só faltou bicho de pé. Agora, posso até me apresentar dessa forma: "Como neologista e vulgarista juramentado, digo que..." Ou então, "muito prazer, sou solecista e barbarista".
Por isso, para dar um mínimo de qualidade a esta goma, aí vai o texto original do Millôr, esse sim, um mestre (ou master) retirado por mim do livro “Millôr no Pasquim”. Olhaí.
Grosseiramente falando, são tantas as topadas na língua, é tanto pé na jaca da ignorância e ausência de qualidade que só faltou bicho de pé. Agora, posso até me apresentar dessa forma: "Como neologista e vulgarista juramentado, digo que..." Ou então, "muito prazer, sou solecista e barbarista".
Por isso, para dar um mínimo de qualidade a esta goma, aí vai o texto original do Millôr, esse sim, um mestre (ou master) retirado por mim do livro “Millôr no Pasquim”. Olhaí.
SELVA SELVAGGIA*
(OU ATRAVESSANDO UM ARTIGO DO ROBERTO CAMPOS)
De repente um terror me sacode.
Penetrei distraído e sinto que estou perdido na terrível floresta da linguagem
do Roberto Campos. Ignorando a estrada sintática, ele me trouxe a zonas
praticamente intransponíveis. Sem querer me entregar ao medo, vou tropeçando em
anglicismos, datinismos, barbarismos e idiotismos de linguagem, quando ouço o
silvar de vocábulos paragógicos. Caio no areal dos solecismos e sou mordido por
vários anacolutos. A custo, afastando duas redundâncias e esmagando um horrendo
pleonasmo, escorregando em sinistras hipérboles, agarro-me a um verbo auxiliar
e a um complemento essencial. Porém, hibridismos me barram o caminho.
Ensurdecido por rotacismos e lambdacismos, arranhado por orações anfibológicas,
recuo para cair no terrível cipoal da regência robertiana, de onde raros
escapam com vida. Galhos de corruptelas me cortam o rosto, enquanto sufoco com
o cheiro dos defectivos. Ponho o pé num nome próprio que acho seguro, mas logo
seis substantivos deverbais saltam sobre mim. Não tendo fuga, me protejo com
uma próclise, evitando duas espantosas mesóclises e aproveito um advérbio de
negação para atrair três pronomes relativos colocados em posições ameaçadoras.
Estou esgotado; felizmente - coisa rara neste tremedal! - surge a clareira de
um parágrafo.
Voltar não é mais possível. Avanço
pois, abrindo parêntesis, onde enfio arcaísmos, anacronismos, expressões chuIas
e ambivalentes. Uma silépse espera-me mais à frente. Desvio-me com uma vírgula,
engano uma prosopopeia, sou envolvido por diversos parequemas a que logo se
juntam odiosas ressonâncias verbais. Descanso sobre reticências quando ouço o
tantã de interjeições pejorativas emitidas por sujeitos ocultos por elipse.
Apócopes! Escapo pela picada do eufemismo e paro para respirar no fim de um
período simples. Avanço pela pedreira dos metaplasmos, luto com apofonias,
salto o pantanal dos cacófatos, esbarro em cacoqrafias, empurro cacologias, me
arrasto pela cacoépia. Estou sufocado de exaustão diante de uma centena de
substantivos promíscuos, já desespero, quando percebo o ponto final.
Estou salvo - Roberto Campos acaba
sempre num lugar-comum.
* O Pasquim N' 38
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