segunda-feira, 10 de abril de 2017

INIMIGOS ÍNTIMOS

Embora se digam frequentadores assíduos do Mercado Central, há mais de um ano que os dois ex-colegas não se encontram. Mesmo que pouco se vejam depois que um deles se aposentou, continuam com a intimidade descontraída adquirida nos anos em que dividiram uma sala.

- Olha o cara aí, meu! Me disseram que você tinha morrido!
- “Praga de urubu magro não mata cavalo gordo”.
- Aliás, magro é o que você não está mesmo. Está fazendo regime de engorda? Olha essa barriga!
- É, eu estou com mais barriga e com “menas” bunda!
- Essa é muito velha!
- É bem velha mesmo, mas mais nova que você. Você está muito mal-acabado, cada vez mais careca.
- Não esquento não, pois calvície é uma coisa que não vai pra frente. Só pra trás.
- Puta que pariu! Você me achou só pra gente ficar contando piada vencida?
- Tem razão. Senta aí e toma uma comigo! Garçom, traz...
- Não vai rolar, fiquei de pegar minha mulher no salão dentro de... de meia hora.
- Dá tempo! Traz aí uma bem gelada, dois copos e uma porção de jiló frito.
- Jiló frito é o que há para acompanhar uma cerveja gelada, mas não posso mesmo ficar.
- Mas pelo menos me conta o que está fazendo! Ouvi dizer que você estava trabalhando na construtora do seu cunhado.
- Ah, é! Uns seis meses depois de me aposentar eu já estava de saco cheio de ficar à toa. Aí meu cunhado perguntou se eu não queria ajudá-lo a organizar o setor de elaboração de propostas lá da “gatinha”.
- Que negócio é esse de gatinha?
- Ah! É o apelido dado às construtoras pequenas. Alguns chamam de “pimil” – “picaretagens mil”.
- Esse é o ninho das “gatonas” do Petrolão, né? Já nascem querendo foder tudo!
- Não é bem assim, mas não estou com tempo para entrar nessa.
- Deixa de ser viado, porra! Sua mulher espera um pouquinho. E está dando certo?
- Já saí de lá faz tempo. Não estou mais na idade de suportar gente chata e fingir que está tudo bem.
- Teve problemas com seu cunhado?
- Não, com ele não! Ele é gente boa! Foi um lance que aconteceu com outra pessoa, um verdadeiro déjà vu, mas tenho de ir agora.
- Porra, meu, você me deixa curioso e vai saindo assim?
- Pois é, a gente se vê depois.

Enquanto vê o ex-colega se afastar, dá um gole na cerveja e fica remoendo lembranças.
- Não sei porque eu fico tentando conviver com esse bosta. Nunca fui muito com a cara dele, sempre certinho, sempre com a razão, sempre educadinho. Viado! Quem ele pensa que é? Sempre com aquele sorrisinho de sabichão na boca. Sabichão porra nenhuma! Sabichona, isso sim! (Em voz alta): - Garçom, mais uma, por favor!

O aposentado entra no carro, acomoda as compras e exclama:
- Que cara mala, meu! Não mudou nada! Sempre bisbilhotando tudo, querendo saber de tudo, intrometendo-se em tudo. Nem sei quantos sapos eu tive de engolir por causa daquele escrotão. Tomar no cu! Da próxima vez que passar perto dele vou fingir que não o vi. Babaca!

Um comentário:

  1. Este texto é uma tentativa (mal sucedida) de aproveitar um diálogo que imaginei para abrir o post "CONTANDO REBITES". Mas estava estranho e mal cozido, como se fosse um frankenstein. Aí resolvi reciclá-lo para uma situação já vivida por mim, que foi o convívio diário, obrigatório com pessoas por quem tinha a maior antipatia. Mesmo assim, sorria "hienamente" e até contava piadas, ciente que não tinha como mudar isso. Era uma situação horrível, como horrível ficou a adaptação deste texto ruim.

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