sábado, 22 de novembro de 2025
POLICIALMENTE CORRETO
sexta-feira, 21 de novembro de 2025
quinta-feira, 20 de novembro de 2025
CIRANDA, CIRANDINHA
Este texto é só para encerrar a lista de posts dedicados aos filhos e filhas de meus avós maternos Francisco e Julieta (ou Julieta e Francisco)
Nascida em 1919, Tia Ci, faleceu em 2023, com 104 anos, sem saber que o idiota de seu filho mais novo tinha morrido de Covid 19, por se
recusar a acreditar na vacina que o teria salvado.
Nascida em 1920, minha mãe morreu em 2009 com Alzheimer.
Nascido em 1925, Tio Cici foi abatido por um
câncer em 1988, aos 63 anos.
Nascido em 1926, Tio Ném, falecido em 2019, continua
endeusado por filhas, netos, netas e bisnetos.
Nascido em 1928, Tio Tôto morreu em 2024, de causas naturais.
Nascida em 1929, Tia Dalva foi vítima do Mal
de Parkinson. Faleceu em 2014.
Nascido em 1931 Omir morreu no interior, em 2015, cuidado por seu filho mais velho, também já falecido, vítima de infarto.
Nascida em 1933, Tia Aidê está com Alzheimer.
Nascida em 1935, Tia Marisa continua viva, lúcida
e ligando para mim no dia de meu aniversário.
Nascido em 1940, Mon, meu tio mais novo,
continua vivo, lúcido e trabalhando (está com 85 anos).
HIPONATREMIA
Tenho um amigo que, fez uma descrição interessantíssima de como enxergava a Vida e o ato de morrer. Para ele, a vida seria como um caminho cercado que leva o gado ao matadouro, que iria se afunilando quanto mais se andasse. No início, as cercas estão tão distantes que ninguém se preocupa com a existência delas. À medida que passam os anos, a cerca vai se aproximando, se aproximando, de tal forma que, quando nos damos conta, não há mais como escapar do abate.
REMADAS NA LAGOA
Um ou dois dias depois um jornal trouxe a notícia do desastre e salvamento do militar, realizado pelo “oficial Fulano de Tal”. Nem uma linha ou menção aos verdadeiros responsáveis pela “operação resgate”.
Mesmo que não haja nenhuma correlação com o acidente, hoje, à beira da estrada, logo na entrada do parque da Aeronáutica, há um pedestal de concreto e, sobre ele, um avião igual ao que vi afundar-se na água, em um dia 07 de setembro.
quarta-feira, 19 de novembro de 2025
AS FILHAS DE JULIETA (E FRANCISCO) - 05
A caçula das mulheres, tia Marisa, nasceu em 15/12/1935. Provavelmente casou-se com uns vinte e poucos anos, talvez antes de Tia Dalva. Essa pode ser uma das explicações de nunca ter trabalhado fora, ao contrário de Tia Dalva e Tia Aidê. Essa é apenas uma suposição, pelas pouquíssimas lembranças que tenho dessa época,
O que sei é que antes de eu entrar para o grupo escolar, me obrigava a deitar após o almoço, coisa que sempre me deixava puto. Para me manter na cama, deitava também e eu acabava pegando no sono. Era brava, independente e, creio, bem geniosa. Esse temperamento de gato do mato talvez tenha influenciado sua vida de casada, que imagino não ter sido "aquela brastemp".
Casou-se com o Jorge (Giorgio), quinze anos mais velho que ela e irmão mais novo de Tio Tristano, marido de Tia Ci. Essa diferença de idade e o fato de Tia Marisa já ser sua conhecida há muito tempo me faz pensar que o Jorge era extremamente tímido, apesar do bom humor e do riso alto. Era engenheiro-arquiteto e foi o responsável remoto por eu ter cursado engenharia civil.
Quando ainda namorava minha tia, às vezes chamava minha mãe ou Tia Aidê para ir junto com eles dar um passeio de carro (o controle de Dona Leta devia ser brabo). Nessas ocasiões, eu e meu irmão íamos também. Para mim esses passeios noturnos eram tudo de bom, pois sempre nos levava para ver a fonte luminosa da Praça Raul Soares. Eu ficava embevecido olhando a constante mudança de cores e ele dizia que cada hora jorrava um suco diferente: groselha, morango, etc. E o coitado do Zezim acreditava em tudo e até pedia para descer do carro e beber um pouco (menino pobre e idiota é uma tristeza!).
Após a contemplação da fonte, levava-nos a uma sorveteria próxima e nos comprava um eskibon. Nessa época o sorvete vinha embrulhado em papel manteiga ou coisa parecida e acondicionado em uma caixinha de papelão ou cartolina. Invariavelmente eu deixava cair na roupa, mas nem ligava. Se alguém se interessar em ver como era isso, está aí a imagem, tirada do excelente blog "Caríssimas Catrevagens".
Para mim, isso ficou definitivamente claro quando minha tia ganhou da sogra uma geladeira vermelha. Só fiquei sabendo que Tia Marisa deve ter dado um piti ou feito “o” barraco e se recusou a receber e abrir o presente, pois não queria nem gostava de geladeira vermelha. E tinha raiva de quem gostava.
E o Jorge ali, coitado, marisco entre a rocha e o mar. Não demorou muito para que se mudassem para um apartamento amplo em uma parte boa da área central de BH, bem em frente à faculdade de direito da UFMG. Talvez os dois filhos tenham nascido já no novo endereço. Só sei que moraram muito tempo lá, uns dez anos talvez. Essa estimativa está relacionada às minhas idas frequentes a esse apartamento, para ler histórias em quadrinhos.
Meu primo mais velho, na época com uns onze, doze anos, tinha carta branca dos pais para comprar quantas revistas quisesse, o que realmente fazia. Depois de lê-las, trocava imediatamente por outras na mesma banca, na proporção de duas lidas por uma nova. Com isso, não tenho dúvida de que era o melhor cliente do proprietário. Por conta dessa fartura, da minha infantilidade congênita e da minha falta absoluta de responsabilidade (eu tinha acabado de entrar na faculdade!), eu ia para lá e ficávamos lendo os gibis a tarde toda.
Que ninguém pense que só existiam revistinhas infantis. Claro que existiam, pois ele colecionava várias. Uma delas era a revista da Mônica que havia sido lançada há pouco tempo (as primeiras histórias tinham um enredo menos repetitivo e menos óbvio que hoje). Mas meu primo era quase um connoisseur de quadrinhos e comprava álbuns fantásticos de capa dura, com reedições primorosas de HQ das décadas de 1930 e 1940, desenhadas pelos autores originais: O Fantasma (Ray Moore), O Príncipe Valente (Hal Foster), Flash Gordon (Alex Raymond) e outros menos votados. Lia também tudo dos personagens do Stan Lee, as reedições das primeiras histórias do Popeye feitas pelo Segar, etc.. Era um mundo revistas a encarar e não me lembro do motivo de ter acabado essa mamata. Só sei que fui me afastando aos poucos daquela quadrinhoteca.
Quando esse primo atingiu a maioridade, comprou um ultraleve e saiu voando por aí. Segundo me contou, muitas vezes decolava da beira da lagoa, em frente à casa da família, em Lagoa Santa. Dito assim parece tranquilo, mas a distância é mínima, qualquer vacilada faria com que enfiasse o chifre na água. Depois, apaixonou-se sucessivamente por paraquedismo, paraglinder (ou parapente) e asa delta. Com essa, quase morreu.
Estávamos nos arrumando para ir à missa de sétimo dia do Osíris, marido de Tia Dalva, quando uma notícia extraordinária na TV informou a queda de duas asas delta na serra de Moeda e deu o nome dos pilotos. Um tinha morrido na hora. Quem ouviu a notícia foi minha mulher, que repetiu para mim o nome do sobrevivente, perguntando se não seria meu primo. Eu nem sabia ainda que ele voava com asa delta. Por isso, ligamos para a emissora e confirmamos o nome. Era mesmo meu primo.
Fomos para a igreja e encontramos Tia Marisa, que acenou para nós toda alegrinha. Minha mulher falou para eu lhe perguntar se estava sabendo do acidente. Truquei na hora, pois não sou nada solidário com ninguém, ao contrário de minha amada. Sem problema. Levantou-se, chamou Tia Marisa para fora da igreja e deu-lhe a notícia. Minha tia não sabia de nada e pediu para que minha mulher fosse com ela ao hospital.
Quando Tio Tristano morreu e estava sendo velado, sentei-me ao lado do Jorge, que me cumprimentou meio sem jeito, pois havia anos que não nos falávamos. Comentei que o tinha visto na televisão, falando de moedas antigas. Sabia que era filatelista, mas numismata era novidade. Riu meio sem jeito e contou-me que tinha como hobby uma lojinha com um amigo, e que tinha dado ao filho mais novo uma moeda da Roma antiga, mas tinha quase certeza que era falsa, apesar de muito bonita. E ficamos ali conversando sobre esse assunto um bom tempo, praticamente esquecidos do caixão que estava à nossa frente.
Depois da morte do Jorge, minha mãe ou uma de minhas tias comentou escandalizada que o filho mais novo de Tia Marisa tirou-a do apartamento em que vivia e colocou-a em um quarto no pardieiro em que se transformou o hotel fundado por Dona Clara, sua avó. Creio que isso fez parte da negociação entre os dois filhos de Tia Ci e os dois de Tia Marisa, quatro primos-irmãos, durante ou após a partilha de bens deixados pela italiana. O filho mais novo de Tia Marisa teria comprado do irmão e primos o hotel (ou o que restou dele) e a casa de Lagoa Santa, onde mora atualmente.
terça-feira, 18 de novembro de 2025
AS FILHAS DE JULIETA (E FRANCISCO) - 04
Por ter permanecido solteira, foi a única tia com quem convivi diariamente até me casar. Talvez por isso, sempre diz que gosta demais de mim. Esse sentimento é recíproco, ainda mais agora, que é minha fonte de consulta para casos da época da minha infância. Mas, como ficava fora o dia todo, não tenho quase nenhuma lembrança sua dessa época, a não ser o fato de ser totalmente impaciente com a eventual zona que os outros sobrinhos aprontavam nas tardes de sábado e domingo, quando os filhos de Dona Leta e Seu Chico iam visitá-los. Nesses dias, ela bancava o sargentão e enquadrava a molecada mais saidinha. Pelo que já percebi, esse é um comportamento padrão das tias solteiras.
Na minha adolescência, uma coisa que eu gostava bastante é o fato de ela comprar várias coleções de literatura, todos os livros com capa dura, lombada com letras douradas (na maioria das vezes) e fantásticos autores. Graças a meu isolamento nessa época, li muita coisa boa, clássicos mundiais, mas deixei de ler outro tanto, ou por não ter tempo ou pela estranheza que alguns me causaram. Dickens, por exemplo, comecei a ler, mas a linguagem antiga me fez desistir.
Como Tia Aidê trabalhava muito, fico sem saber se tinha tempo para ler ou se essas coleções tinham mais uma função decorativa e de status, O que sei é que, pensando em uma possível futura herança, recentemente perguntei a ela sobre esses livros e a resposta foi arrasadora: a maior parte foi jogada fora depois de ser parcialmente devorada por um tipo de cupim que infestou sua casa em Lagoa Santa. No barato, mais de cem livros viraram cocô de inseto. Foda!
Só há pouco tempo fiquei sabendo que a casa de minha avó foi comprada pelos três ou quatro tios solteiros que trabalhavam na época: Tio Cici, Tia Aidê, Tio Nem e Tia Dalva. Segundo Tia Aidê, todo mês, parte do dinheirinho suado dos irmãos era juntado para resgatar cada uma das promissórias relativas ao parcelamento do valor pago pelo imóvel. O bacana dessa história é que o registro da compra foi feito em nome de minha avó. Assim, quando a casa foi vendida, todos os irmãos receberam sua parte nessa herança. Na prática, um presente para os que não ajudaram a comprar, dado pelos que ralaram para pagar.
Um dia, depois de anos trabalhando no cartório, Tia Aidê arranjou um emprego em uma empresa de mineração, lugar onde sua vida melhorou em todos os sentidos. Virou secretária-executiva da diretoria, começou a estudar direito (que logo abandonou), comprou um carro (que logo vendeu), fez curso de estenografia (ou taquigrafia, sei lá), conseguiu comprar um apartamento em BH, o imóvel de Lagoa Santa e encontrou o amor de sua vida, um amor outonal (ou invernal, talvez).
Depois de anos trabalhando com um dos diretores da empresa, bingo! Aconteceu aquele momento mágico, quando se apaixonou por ele e, creio, foi correspondida. Não faço a menor ideia de quando isso aconteceu, nem como. Apenas sei que o "Dr. Fulano" (o nome está omitido, lógico), como ela falava, era ou tinha sido casado. Parece que isso foi uma coisa tranquila, pois ela relacionava-se com o(s) filho(s) do cara.
O engraçado da história é que ela "não entregava a rapadura", mas era visível que havia um romance "no ar". Eu já estava casado quando fiquei sabendo disso. Quem me contou foi minha mãe, que às vezes dizia com ironia (e satisfação) coisas como "a Aidê foi lá, com o 'véio' dela".
Quando peguei pneumonia e fiquei internado no CTI, lá foi Tia Aidê com "o 'véio' dela" me visitar. Mas não pude conhecê-lo, pois só ficaram do lado de fora, conversando com minha mulher. E o tratamento "Dr. Fulano" continuava a ser usado por minha tia nas conversas com as irmãs e sobrinhos. Muito legal.
Mais ou menos na mesma época que minha mãe, o "Dr. Fulano" começou também a apresentar os sintomas de Alzheimer. Minha tia ia todos os dias à sua casa, para ficar com ele, caminhar com ele, cuidar dele, seu amor da "terceira idade". E foi assim até ele morrer. Mesmo que nunca tenha me falado explicitamente desse relacionamento, nunca conseguiu esconder o quanto ficou arrasada com essa perda.
Algum tempo depois, perguntou-me se eu queria ganhar uma cadeira que tinha comprado em um leilão da empresa onde trabalhara. Disse-me que era uma cadeira executiva, giratória, toda de madeira, bacanaça e que tinha sido usada pelo "Dr. Fulano". Disse-me também que gostaria muito que eu ficasse com ela. Aceitei, claro, não sem pensar no simbolismo que ela carregava.
Talvez ela tenha imaginado que um objeto tão especial, relacionado a uma pessoa tão amada, estaria em boas mãos sendo dada a mim. Talvez, quem sabe, a presença desse móvel em sua casa provocasse lembranças muito dolorosas que pretendeu evitar.
Hoje, Tia Aidê é minha "consultora" para os casos da minha infância e da família de minha mãe. Às vezes eu penso que mesmo não tendo se casado - ou talvez por isso mesmo - teve um relacionamento muito mais intenso e feliz que sua sua irmã mais nova viveu em seu casamento, objeto de um post que encerrará minhas lembranças das filhas de Julieta (e Francisco).
segunda-feira, 17 de novembro de 2025
AS FILHAS DE JULIETA (E FRANCISCO) - 03
Tia Dalva trabalhou a vida toda em um cartório de registro de notas. Não sei em qual função, só sei que escrevia à mão em livrões de capa dura, que às vezes levava para casa, talvez para dar conta do trabalho. Não sei como é hoje, mas o que ela fazia era uma coisa meio pré-histórica. Nem imagino quantas canetas tinteiro deve ter sucateado nessa atividade. Supondo trinta anos de serviço, onze meses por ano, vinte dias por mês, cinco horas por dia (já dei um refresco para os pit-stop), terão sido mais de trinta mil horas escrevinhando! Se não teve tendinite, só por milagre!
Quando meus tios se casaram, estavam completamente sem dinheiro. Por isso, a lua de mel foi passada em Lagoa Santa, na casa de campo da sogra de minha Tia Ci, um casarão às margens da lagoa. Aí já viu, né? Lagoa tem peixe, peixe se pesca com vara, etc. O Osíris comentou comigo que nunca esteve tão duro como na época do casamento. Por isso, sem dinheiro para passear nem nada, eles pescavam de manhã, à tarde e à noite. Tenho quase certeza de que minha tia nunca foi tão feliz como nessa época (eu sei que fiz um comentário meio acanalhado, mas o objetivo era esse mesmo).
Já casada, Tia Dalva foi morar em um barracão (edícula) providencialmente construído na lateral da casa de minha avó. Não demorou muito para comprarem uma televisão - preto e branco, seletor de canais com quatro opções de canal (em BH só existia a TV Itacolomi, dos Diários Associados) e, se não me engano, móvel com pés palito. Show!
Naquela época, por volta de 1960, só pessoas mais abonadas ou que pretendiam parecer ser é que possuíam televisor. Essa situação criou a figura do televizinho, ironia com o pessoal que ia às casas de moradores próximos, só para ver aquela maravilha. Como esse luxo não existia ainda na casa de minha avó, virei freguês de meus tios, televizinho, telesobrinho.
Meu tio "torto" aparentava gostar muito de mim. Aliás, não sei o motivo disso, pois meus tios sempre demonstraram gostar muito de mim. Quando seu filho mais novo nasceu eu tinha uns onze anos e fui chamado para ser "padrinho de consagração". Quando esse primo já era adolescente, fui convidado a ser seu padrinho de crisma, Quando se casou, olha lá o Jotabê de padrinho, um caso explícito de "tri-padrinhagem". Além disso, fui também chamado para dançar a valsa de quinze anos com sua irmã, mais velha que ele. Nada mais natural portanto que Tia Dalva e Osíris tenham sido nossos padrinhos de casamento.
Talvez por sempre tratá-lo com simplicidade e descontração, o Osíris gostava de conversar e contar alguns casos para mim. Eu ouvia e achava graça (um puxa-saco profissional!). Um dia, já adulto, ao elogiar sua capacidade absurda de cativar todo tipo de pessoas, disse que ele tinha uma qualidade especial: bastava meia-hora de papo com um desconhecido qualquer que logo essa pessoa já ficava querendo dar pra ele. Cagou de rir, mas adorou a frase, vaidoso que era. E era muito.
Até quando teve um infarto esse espírito de competição do Osíris se manifestou. Quando eu e minha mulher fomos visitá-lo, disse-nos que "sessenta por cento ou mais das pessoas que tiveram um infarto de tão grande extensão como fora o seu, morreram". Só faltou querer uma medalha por ter sobrevivido.
Antes de mudar-se para Lagoa Santa, durante muitos anos meus tios moraram a cinco ou seis quadras de nossa casa. Sempre que nos encontrávamos o Osíris insistia para que eu fosse tomar um café com ele, para conversar. Nunca fui, sempre arranjando alguma desculpa para isso. Um dia, já morando em Lagoa Santa, teve um segundo infarto (se não me engano) e não resistiu. Tive a mesma reação de quando meu avô morreu, pois lamentei não ter convivido mais com ele, meu tio, padrinho e compadre
Tia Dalva ainda viveu um bom tempo até começar a sofrer de Parkinson. Também não fui visitá-la. Morreu, se não me engano, em 2014. No fim da vida era alimentada através de sonda gástrica, não falava nem dava sinais de estar lúcida. Segundo minha irmã, apenas olhava para as pessoas - quando olhava - de modo indiferente, sem reação, como se já estivesse junto de seu rei, ídolo e amado Osíris.
domingo, 16 de novembro de 2025
MINGAU
O cansaço extremo que sinto
Fez sua cobrança, afinal,
Burnout, cérebro liso,
Consistência de mingau.
A todos que são meus amigos
E também aos que não mais são
Pois agora não mais consigo
Comentar como sempre fazia
10/11/2025
AS FILHAS DE JULIETA (E FRANCISCO) - 02 B
Creio que o "start" da doença de Dona Lia aconteceu depois de ter sofrido derrame nos dois olhos, fruto provável de um pico de pressão intraocular em quem nunca sofreu de hipertensão. Aplicações de laser foram feitas para corrigir ou amenizar esse problema, mas nunca mais ela conseguiu enxergar direito. A partir daí, só conseguia ver alguma coisa com a lateral do olho (essa explicação é minha!), pois quando eu chegava perto dela, percebia que estava olhando na direção de uma de minhas orelhas (fáceis de localizar!), em vez de me fitar olho no olho.
Com essa deficiência, ficou impedida de sair sozinha para fazer algum compra pelas redondezas, o que talvez tenha mudado o padrão de circulação sanguínea (minha suposição!). Para mim, essa explicação faz sentido se comparada ao comportamento de minha avó, que disse uma vez já ter trabalhado muito e que "agora queria descansar", o que fazia ao ler os jornais e sei lá mais o que, sentada ou reclinada na cama. Seis anos depois estava morta. A imagem que faço disso é o ato de andar de bicicleta: parou de pedalar, caiu.
Parêntese irresistível: com a Dilma aconteceu justamente o contrário, pois caiu de tanto pedalar (duh!). Fim do parêntese.
Apesar da limitação que a impedia de sair à rua, continuou a cuidar da casa: limpava, cozinhava, lavava roupa e ... pregava botões! Lembrando-me do Djavan, "mais fácil aprender japonês em Braille".
Essa inatividade parcial foi enormemente aumentada quando minha tia Aidê aposentou e mudou-se para a casa que possui ao lado da de minha mãe. Por pena, solidariedade ou falta do que fazer, começou a ajudar Dona Lia nos afazeres domésticos. Olha a bicicleta aí de novo!
O que sei é que a demência instala-se devagar e, no início, provoca surpresa e espanto em quem convive com o doente. Foi o que aconteceu com minha avó, foi o que aconteceu com minha mãe. Como sempre fui um filho displicente e ausente, ia vê-la no máximo uma vez por mês. Minha irmã morava com ela e meu irmão ia toda semana visitá-la. Então, para eles a barra foi muito mais pesada, principalmente para minha irmã.
Quando ainda estava conversando razoavelmente bem, mostrava algum vaso de flor que sempre enfeitava a sala simples e saía esse diálogo:
Às vezes me perguntava se eu já tinha visto a "Dindinha" (sua avó, morta antes de eu nascer). -"Não, mãe. Creio que ela saiu ou foi comprar pão". Eu aproveitava para fazer graça para minha irmã: -"Espero não vê-la tão cedo!"
Pode parecer insensibilidade de minha parte, mas eu já era escolado desde a demência de minha avó (já contei esse caso aqui no Blogson). Ao concordar com qualquer sandice que dizia - em vez de tentar corrigi-la - eu estava apenas evitando constrangê-la (e pensar que eu saquei isso quando tinha apenas uns dezesseis anos...). Um dia, entretanto, senti uma pena imensa, quando me disse colocando a mão em minha perna:
E a doença foi evoluindo e a confusão mental ficando cada vez maior. Um dia, depois de abraçá-la, ela comentou que "os meninos estavam na escola e não demorariam a chegar". Mas os "meninos" éramos nós! Em outra visita, estando já de saída, dei nela um beijo e um abraço estilo Jotabê (dava nela uma chacoalhada, sempre a tratando por "Dona Lia". Parece que ela achava aquilo o máximo, pois se fingia de zangada, mas ria feliz). Em seguida, fui despedindo-me das demais pessoas que ali estavam - irmã, sobrinho, tia Aidê e cunhado. Só que minha mulher continuou a conversar com minha irmã. Quando ela finalmente despediu-se de todos, voltei a abraçar minha mãe e a reação foi típica do Alzheimer: - "Ô, meu filho, você chegou?"
Nem todo mundo consegue entender ou aceitar essa falta irreversível de lógica. Meu irmão, teoricamente tão escolado como eu pelo convívio na adolescência com nossa avó, teve um dia a reação mais estúpida que eu jamais poderia esperar dele. Creio que exasperado pelas constantes referências à "presença" de minha avó (falecida em 1972) e da "Dindinha" (morta antes de 1950), colocou minha mãe dentro do carro, veio até Belo Horizonte (minha mãe morava em Lagoa Santa, município da região metropolitana), levou-a ao cemitério do Bonfim e, mostrando o túmulo (onde hoje ela também está) e disse-lhe: -"Sua mãe está enterrada aqui!" Preciso fazer algum comentário?
Em uma das últimas vezes que visitei Dona Lia, talvez a penúltima, antes que eu a visse, Tia Aidê comentou que minha mãe apresentava novo comportamento: ficava sentada na beira da cama, virada para a parede, em silêncio e de cabeça baixa. Quando cheguei à porta do quarto, lá estava ela quietinha, olhando para o nada, passando a impressão de que estava muito triste ou deprimida. Chamei por ela, fui logo brincando como antes, mas sua reação foi de apatia e, talvez, indiferença, como se não estivesse me reconhecendo direito.
Ao contrário de sua mãe, que morreu apresentando reações de um bebê, Dona Lia ainda falava e andava na última vez em que estive com ela. Quando cheguei, minha tia avisou que estava deitada. Ao entrar no quarto pude ver que estava acordada e de olhos abertos. Sentei-me a seu lado, falei seu nome (-"E aí, Dona Lia?") e tentei lhe dar a "chacoalhada Jotabê", que tanto a fizera rir satisfeita em outros tempos. A reação que teve foi a que eu menos esperava. Com raiva, exclamou: -"Pára! Você quer me quebrar?"
E eu fiquei ali, constrangido e sem saber o que dizer, mas com a certeza de que não mais conseguiria fazê-la rir ou sorrir ao me ver chegar.
sábado, 15 de novembro de 2025
AS FILHAS DE JULIETA (E FRANCISCO) - 02 A
Não que eu tenha grilo em detonar Dona Lia (mesmo que isso seja deselegante). Até porque não há mãe perfeita, inatingível, intocável, no pedestal (nem pai). Como cantaram os tropicalistas, "ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração dos filhos", uma releitura sacana de um verso do Coelho Neto ("ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração!").
Mas vamos tentar avançar. Minha mãe chamava-se Maria (só Maria, assim como eu sou apenas José), mas Lia era a forma como todos a chamavam. Para ser sincero, nem todos. Duas sobrinhas de meu pai, gêmeas univitelinas, talvez por só terem começado a falar com quatro anos (já contei esse caso), quando falavam com ou de minha mãe diziam "Liarr", produzindo um som rouco, afrancesado, como se estivessem pigarreando. A mesma "rouquidão" acontecia ao pronunciarem o nome de meu irmão - "Eduarrrdo" Quando falavam meu nome diziam "Cecinho", querendo dizer "Zezinho".
Era dócil de trato e se dava bem com todas as cunhadas (esse não era exatamente um padrão familiar). Talvez essa docilidade fosse uma tática de defesa, pois, já casada, viu-se obrigada a continuar morando na casa de sua mãe. Como já foi contado antes, meu pai e seus irmãos quebraram na época da Segunda Guerra. Essa dureza, essa falta de dinheiro, a provável incapacidade de meu pai reagir a isso, a conseguir soerguer-se fez com que ela só conseguisse ter sua casinha já com quase sessenta anos. Lembro-me de algumas vezes tê-la ouvido dizer em tom ligeiramente queixoso do sonho ainda não alcançado de ter sua própria casa. Imagino que nessas horas já tinha engolido doses adicionais de humilhações e aborrecimento.
Mas, preciso admitir, não acredito que ela fosse a perfeitinha, "prendada e do lar" apenas. Imagino que tinha as garras retráteis como os felinos. Não fosse assim, meu psiquiatra não teria feito referência a seu comportamento de "mãe castradora". Mas não era barraqueira. Nem meu pai.
Quando eventualmente discutiam, não havia bate-boca nem se ouvia nada com volume acima do normal. Meu pai era particularmente bom na esgrima de sarcasmo e ironia ferina. Minha mãe era perita em silêncios e chantagem emocional. Assim, quando ouvia palavras mais cortantes (ele era muito bom nisso), emburrava e ficava uma semana sem dar uma palavra com ele, que ficava no maior "porco", com cara de cachorro que peidou na igreja. É importante destacar que esses espasmos ocorriam muito esporadicamente, pois, no geral, viviam e conviviam muito bem.
A demência de minha avó começou a dar sinais quando eu tinha uns quinze, dezesseis anos. Isso significa que durante uns vinte anos minha mãe deve ter-se aborrecido e sentido a humilhação de ouvir comentários pouco elogiosos à indolência de meu pai e sua incapacidade de arranjar um emprego, qualquer que fosse ele. Essas minhas suspeitas são mais que suposições, pois ouvi de uma antiga amiga de minha mãe que essa era a avaliação da "família". Infelizmente, meu pai esmerava-se em fornecer lenha para essa fogueira, pois acordava muito tarde (provavelmente em consequência de depressão e sensação de impotência - ou preguiça mesmo), saindo após o almoço sabe Deus para onde.
É quase impossível falar de minha mãe dissociada de meu pai. Mesmo sendo tão diferentes em sua essência, eram extremamente unidos, fazendo uma versão "casal" do Gordo e o Magro, pois minha mãe era extremamente magra e meu pai, depois de conseguir abandonar definitivamente o cigarro, obeso mórbido, graças a um apetite filhadaputa. No final de suas vidas, dormiam em quartos separados (- "seu pai ronca demais!"), mas lembro-me do dia em que minha mãe ainda lúcida comentou que "sentia muita falta" de meu pai, falecido alguns anos antes.
Resumindo, Dona Lia e Seu Amintas eram pessoas cheias de defeitos e qualidades (como aliás, todo mundo é), mas deixaram para os filhos a melhor herança que alguém poderia receber: o exemplo de um amor extremado por nós. E eu os amava por isso.
E agora, chega de falar da fase lúcida e sofrida de minha mãe, porque a continuação deste texto será uma aula de alemão (em outro post). Quem quiser aprender, terá de esperar até a próxima semana (ou não). "As aftas ardem e doem!", "Deutschland über alles"! O que quer que isso signifique.
sexta-feira, 14 de novembro de 2025
CUIDE-SE!!!! (CONSELHOS DE UM CUIDADOR AMADOR)
Se você nunca pensou nisso, pode acreditar: o maior tesouro é aquele com que a maioria das pessoas já nasce. Saúde é o seu nome. Nenhuma riqueza o supera, nenhum poder o substitui. E você só saberá a verdadeira dimensão desse tesouro quando o tiver perdido para sempre.
AS FILHAS DE JULIETA (E FRANCISCO) - 01
O motivo principal pode ser o receio de magoar algum parente ou escandalizar meus irmãos, pois os primeiros posts, talvez mais descontraídos, foram originalmente escritos para meus filhos. Só depois é que resolvi publicá-los no Blogson. Já a série que hoje se inicia está sendo escrita especificamente para o blog (onde meus filhos poderão ler).
Uma das explicações para esse receio de magoar ou ofender pode ser o fato de não achar graça em textos "chapa branca", de louvação ou com a "poeira escondida atrás da porta". Para mim, a coisa funciona como um retrato sem retoque: "o nariz é grande? Sim, é. O comportamento é risível ou reprovável? Sim!"
Nada disso é necessariamente verdade - ou pode ser e até mais ainda. E daí? Isso mudará alguma coisa? Claro que não. Mas que está meio sofrido, está. Bom, chega de frescura.
A mais velha das filhas de meus avós maternos é a Tia Ci. Aliás, é a mais velha de todos os irmãos. Nasceu em 19/02/1919 e chama-se Araci, mas, para todos os parentes é Ci. Ou Tia Ci.
Tia Ci casou-se com Tio Tristano, um italiano que chegou ao Brasil ainda criança, juntamente com os pais, a irmã mais velha e um irmão. Segundo ouvi dizer, seu pai não achou muita graça em permanecer no país e resolveu voltar para a Itália. Chiara (ou Dona Clara, como era chamada por todos), de temperamento forte, autêntica “fêmea alfa”, recusou-se a voltar, mas foi com ele até o Rio de Janeiro (talvez para ter certeza que iria mesmo entrar no navio que o levaria de volta).
Então, tomar aquela sopa onde batata era o único ingrediente de que eu gostava, era dureza. E vinha a velha autoritária encher meu saco por me recusar a tomar aquilo. Provavelmente deveria pensar que pobre não tem escolha.
Mas, voltando às lembranças de minha tia e familiares, uma coisa que sempre me deixava incomodado - mesmo sendo criança - é o fato de sua sogra falar em italiano com os filhos na nossa presença. Sempre tive a impressão que estaria criticando alguém. No caso, Tia Ci, minha mãe ou eu mesmo. Muito tempo depois descobri uma curiosidade interessantíssima: a língua que falavam era um dialeto da região onde nasceram. À exceção da filha mais velha que tinha voltado à Itália para estudar em internato, creio que nenhum deles sabia falar a língua oficial do país de origem.
Como é minha madrinha de batismo, já cobrou várias vezes minha visita, argumentando que não demora muito a morrer, pois está com 97 anos. Até hoje, nos últimos cinquenta anos, só fui visitá-la uma única vez. Que eu poderia agora dizer a ela? -“Eu vou, Tia Ci, eu vou”.
POLICIALMENTE CORRETO
Tenho andado muito cansado, cansaço provocado pela doença de minha mulher, por duas internações para tratar a confusão mental provocada pela...
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No meio da pandemia, assistindo televisão com minha mulher, ouvi um ator inglês dizer as palavras mágicas “Soneto 116 de Shakespeare”. Creio...
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Algum tempo atrás, quando ainda trabalhava, recebi um e-mail que continha no final, depois da identificação do remetente, uma frase dramát...
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A reverência hoje é para Millôr Fernandes, que faz parte da Santíssima Trindade do Humor no Brasil. Os outros dois podem ser qualque...


